ZERO HORA 20 de abril de 2014 | N° 17769
ADRIANA IRION
CASO BERNARDO. TV como armadilha para atrair a criança à morte
Por um tempo, Bernardo deixou de se queixar do pai e da madrasta. Até teve oportunidade para isso. Em 31 de março, poucos dias antes de sumir, encontrou a promotora Dinamárcia na calçada do Fórum de Três Passos. Estava acompanhado de uma mulher e fez sinal de positivo para a promotora, que devolveu o cumprimento. Tudo parecia bem, e Dinamárcia ficou tranquila. Ouvida pela polícia, a mulher declarou ter escutado de Bernardo a frase “esta (referindo-se à promotora) é a mulher que vai mudar minha vida”.
E a vida de Bernardo parecia mesmo mudada, tanto que a madrasta voltou a ser vista com ele – e até prometeu ao enteado uma televisão nova. O menino comentou com coleguinhas sobre o presente que receberia. A compra coincidiria com outro negócio na família: a venda da casa do médico Leandro Boldrini.
Bernardo talvez não tivesse uma ideia precisa, mas tanto a casa quanto a clínica do pai também lhe pertenceriam, quando fosse adulto. A mãe do menino, Odilaine Uglione – que se matou em fevereiro de 2010, dentro do consultório do pai do garoto – era sócia na clínica do marido e tinha direito aos demais bens.
A Polícia Civil trabalha com a possibilidade de que Graciele tenha decidido matar Bernardo porque via nele um concorrente pelo R$ 1,5 milhão em bens do médico e, também, porque uma pensão poderia ser um estorvo nas pretensões financeiras da madrasta – uma pessoa ambiciosa, definem amigos e inimigos dela.
Graciele namorara outros médicos e empresários da cidade antes de se envolver com o cirurgião Boldrini. Chamou a atenção de todos que, pouco depois da morte de Odilaine (a mãe de Bernardo), já circulava pela cidade de mãos com o médico. Os comentários cresceram quando ela engravidou, meses depois do suicídio da ex-rival. Nos primeiros meses pós-morte da mãe de Bernardo, era vista passeando com o menino, no legítimo papel de mãe-substituta. Durou pouco. Logo depois começaram as queixas mútuas, relatam amigos de ambos. Desavença que parece ter virado ódio após o nascimento de Maria Valentina, o bebê que Graciele teve com Boldrini. No Facebook do casal, que é compartilhado, as únicas fotos de criança são da nenê – não existem ali imagens de Bernardo.
Tudo poderia ser coincidência, mas os comentários cresceram quando Bernardo sumiu, dia 4 deste mês. Aí as pessoas começaram a lembrar as brigas dele com a madrasta, as queixas de ambos, a hostilidade mútua. Dicas anônimas congestionaram a linha telefônica da Delegacia da Polícia Civil de Três Passos, relatando que Graciele tinha sido vista na estrada para Frederico Westphalen com o menino, no dia do desaparecimento dele – enquanto ela jurava que o menino sumira sem deixar vestígios. Boldrini, ouvido por policiais, também disse imaginar que o filho estivesse na casa de pais de colegas de escola.
Imagens dos últimos momentos da criança
ZH conversou com o casal que deveria estar com Bernardo no fim de semana em que ele sumiu – o empresário Édison Luís Müller, dono de restaurante, e Simone, professora de português de Bernardo e mãe de Lucas, um dos melhores amigos do menino.
O casal Müller diz que Bernardo não apareceu naquele final de semana na residência deles. Quem esteve lá, no domingo, foi o pai da criança.
– Onde está o menino? – questionou o médico Boldrini.
Müller pensou que o médico se referia a Lucas, um precoce jogador de futebol, que atua no Juventude de Caxias do Sul e durante a semana é colega de Bernardo na escola Ipiranga.
– Não, o meu filho – insistiu Boldrini.
O empresário estranhou a pergunta, porém, imaginou que o guri estivesse em sua casa, sem informar. Mas a mulher, Simone, tampouco sabia onde Bernardo se encontrava. Ela ligou para conhecidos do menino, ainda em frente ao médico, que logo foi embora. Simone continuou ligando, ligando...e nada de notícia. Desconfiou logo que algo estava muito errado.
– Não sei se o Boldrini fingiu imaginar que o filho dele estivesse conosco ou se pensava isso mesmo. Estranhei que ele aparecesse, nunca nem ligava para o filho – comenta o empresário Müller.
Pegou muito mal, também, o fato de o casal Boldrini ter ido a uma badalada festa no vizinho município de Três de Maio na noite de sábado, quando Bernardo já estava sumido. Eles ficaram no melhor camarote da festa e beberam a noite toda.
Boldrini até pode alegar desconhecimento do sumiço do filho, mas a madrasta do garoto sabia onde ele estava. Graças ao Big Brother moderno viabilizado pelas câmeras de segurança, agora se sabe os últimos passos de Bernardo. Ele foi levado no início da tarde do dia 4 de Três Passos a Frederico pela madrasta em uma Mitsubishi L-200 preta, a pretexto de comprar a tão sonhada TV.
Graciele comprou o aparelho em Frederico e depois se dirigiu a um posto de combustíveis, onde se encontrou com a amiga Edelvânia Wirganovicz. As duas se tornaram íntimas quando Graciele foi cedida pelo município de Três Passos para atuar na Coordenadoria Regional de Saúde de Frederico Westphalen. Edelvânia também atuava lá, cedida pela prefeitura da pequena localidade de Cristal do Sul. As duas eram vistas constantemente na cidade, inclusive em bares.
Edelvânia é filha de agricultores muito pobres. As investigações da Polícia Civil apontam que ela teria recebido uma quantia para ajudar no assassinato de Bernardo (fala-se em R$ 80 mil), mas ela nega.
O certo é que Bernardo saiu da Mitsubishi e entrou no Siena prateado de Edelvânia, com ela e a madrasta Graciele. Eram 14h30min de 4 de abril. O menino nunca mais foi visto com vida. As duas retornaram ao posto por volta das 17h, pedindo uma ducha para limpar o carro, que estava todo embarrado. Edelvânia ainda colocou no porta-malas uma pá suja de terra.
Confrontada com as imagens, Edelvânia confessou participação no crime. A incógnita, para os policiais, é se o médico Leandro Boldrini participou de alguma forma do assassinato do filho. Para a comunidade de Três Passos, isso pouco parece importar. Nos cartazes colocados nas grades da casa do cirurgião, sobram expressões como “canalha” e “monstros”. No julgamento moral dos cidadãos, os Boldrini já estão condenados.
Menino achou que iria a uma benzedeira
O relato que a assistente social Edelvânia Wirganovicz deu à Polícia Civil ao confessar participação na morte de Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, mostra um roteiro de frieza e premeditação, no qual Edelvânia justifica o fato de ter aceitado participar do crime de forma singela:
– Era muito dinheiro e não teria sangue nem faca, era só abrir um buraco e colocar dentro o menino.
Zero Hora teve acesso ao depoimento que deu à polícia o embasamento para prender Edelvânia, a madrasta do menino, Graciele Ugulini, e o pai de Bernardo, o médico Leandro Boldrini. Pelo relato de Edelvânia, Graciele planejava há muito tempo a morte do enteado, considerado um “incômodo” na vida do casal.
Quanto à suposta participação de Boldrini, no entanto, Edelvânia repetiu o que teria ouvido da amiga: que ele “não sabia, mas futuramente ele ia dar graças de se livrar do incômodo, porque Bernardo era muito agitado”. A polícia suspeita de que o médico tenha ajudado a encobrir o crime depois de ficar sabendo.
A relação de Graciele e Edelvânia seria do passado, elas teriam morado juntas por dois anos. Cerca de dois ou três meses antes do crime, Graciele, chamada de Kelly, começou a procurar Edelvânia novamente e teria feito a proposta enquanto tomavam chimarrão no apartamento da assistente social: “que se ajudasse a dar um sumiço no guri, ela lhe daria dinheiro e ajudaria a pagar o apartamento que a depoente estava comprando no valor de R$ 96 mil.” A quantia inicial acertada seria de R$ 20 mil.
A escolha do local onde seria feita a cova e a compra das ferramentas para isso teria ocorrido dia 2 de abril. No mesmo dia, Graciele já teria deixado com a amiga o “kit” de medicamentos que seria usado para matar o menino. Ela teria dito que pegou o material no hospital de Três Passos. Ainda no dia 2, Graciele teria falado que precisava de Kelly e disse que precisava de um produto para “diluir rápido o corpo e que não desse cheiro”. As duas compraram, então, soda em um mercado. Tudo ficou guardado com Edelvânia.
Bernardo rumou para morte depois de sair da escola em 4 de abril acreditando que ganharia um aparelho de televisão e que faria uma consulta com uma “benzedeira”, segundo contou Edelvânia. Conforme o depoimento, ainda em Três Passos, Graciele teria dado um remédio ao menino para que dormisse, mas não fez efeito e já em Frederico Westphalen ele teria recebido outra dose.
No carro de Edelvânia, a madrasta teria repetido ao menino a história de que iria a uma benzedeira e que precisava, para isso, levar um “piquezinho na veia”. Edelvânia disse à polícia que “mandaram ele deitar sobre uma toalha de banho cor azul. Que Kelly aplicou na veia do braço esquerdo com uma seringa e ele foi apagando.”
Depois de tirar a roupa – que seria o uniforme da escola – e os tênis, enterraram o menino, sem conferir se ainda estava vivo:
“Que a depoente e Kelly colocaram o menino no buraco sendo que Kelly jogou a soda sobre o corpo e a depoente colocou pedras. Que a depoente acha que ele já estava morto. Que a depoente não viu se Kelly olhou se o menino tinha pulsação.”
Contraponto - Edelvânia e Graciele não tem advogado atuando no caso. Procurado para falar sobre os detalhes do crime e sobre o que seu cliente contou em depoimento à polícia na semana passada, o advogado Jader Marques, que defende Leandro Boldrini, se negou a comentar a confissão de Edelvânia, mas disse estar surpreso com o fato de a informação de que seu cliente não sabia do crime nunca ter sido divulgada pela polícia.
A assistente social Edelvânia Wirganovicz receberia ajuda para quitar apartamento
TRECHOS DO RELATO DE EDELVÂNIA WIRGANOVICZ, ASSISTENTE SOCIAL SUSPEITA DE ENVOLVIMENTO
- Era um guri muito rebelde (sobre o motivo de Kelly querer matar o menino), muito ruim de conviver, que a vida dela (Kelly) era um inferno com o guri junto
- Kelly disse que tinha tudo planejado sobre o que fazer e como fazer e que fazia tempo que estava planejando matar Bernardo. Que até uma vez Kelly contou que tentou matá-lo com um travesseiro, não conseguindo. Que Kelly disse que desta vez seria com injeção na veia
- Kelly disse que precisava de produto para diluir rápido o corpo e que não desse cheiro
- Kelly deu mais um comprimido ao menino, que tomou bem tranquilo com aguinha que Kelly mesmo havia levado.
- Kelly perguntou se tinham local onde consumir o corpo
No domingo à noite (6/4), Kelly falou com Edelvânia pelo telefone de casa, simulando estar apavorada, dizendo que o menino tinha desaparecido. Na segunda de manhã, Edelvânia ligou para o celular de Kelly perguntando se estava sofrendo muita pressão. Falaram sobre a morte de Bernardo e Kelly perguntou se estava tudo tranquilo lá embaixo, referindo-se ao local onde tinham enterrado Bernardo.
O CRIME - Em 4 de abril, Bernardo Boldrini, 11 anos, desapareceu em Três Passos. Dizendo acreditar que o filho passara o final de semana na casa de um amigo, o pai, o médico Leandro Boldrini, só buscou ajuda da polícia dois dias depois. A investigação policial aponta que o pai, a madrasta, a enfermeira Graciele Ugulini, e a amiga dela, a assistente social Edelvânia Wirganovicz, tiveram participação no assassinato de Bernardo. O menino foi encontrado morto 10 dias depois do sumiço, enterrado no interior de Frederico Westphalen. O casal e a amiga estão presos.
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