terça-feira, 31 de janeiro de 2012

DEPÓSITO DE ADOLESCENTES

EDITORIAL ZERO HORA 31/01/2012


Há um conjunto de fatores conspirando contra as tentativas de recuperação de adolescentes infratores, e alguns deles são de difícil abordagem, como a desestruturação familiar e a convivência com a criminalidade. Mas está claro, na série de reportagens publicadas por Zero Hora sobre o destino trágico de ex-internos da antiga Febem, que uma das causas é facilmente identificável. É a que denuncia o fracasso do sistema de internação de adolescentes. As chamadas medidas socioeducativas em regime fechado, cumpridas hoje na Fase, em quase nada diferem das que caracterizavam a Febem.

O que se evidencia nas reportagens é que o modelo falido e ainda preservado não só fracassa na tentativa de recuperação como devolve o adolescente à sociedade ainda mais degradado. O infrator privado da liberdade, como demonstram os números, tem sua situação agravada depois da internação, volta a cometer delitos e, quando adulto, galga degraus mais altos na delinquência, onde muitos acabam morrendo. A prova de que tudo continua como antes é o novo levantamento, publicado domingo em Zero Hora, segundo o qual, dos 167 jovens que passaram pela fase, entre 2009 e 2010, 91% voltaram a responder por suspeitas de crime. Destes, 72 estão presos e sete foram assassinados.

É compreensível que os envolvidos diretamente em programas de recuperação apontem causas diversas para o fracasso das medidas socioeducativas. Devem ser considerados o histórico dos jovens, seu contexto social, sua capacidade de reagir às adversidades e de contornar os apelos do crime. Mas é difícil, como diz o psiquiatra Ruben de Souza Menezes, obter sucesso em todo esse esforço, se os adolescentes saem da Fase, onde já tiveram atendimento deficiente, e voltam a conviver com os mais variados apelos da criminalidade, sem qualquer acompanhamento ou monitoramento. A estrutura está falida e se transformou em um inferno, na definição da ministra Maria do Rosário, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que promete um sistema integrado de atendimento socioeducativo e a reavaliação de todo o modelo de recuperação. O reconhecimento de que as Fases viraram depósitos de jovens, como fez a ministra, já é um começo. Que as intenções se traduzam em medidas concretas, que serão cobradas do governo.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

FASES E FEBENS DO BRASIL SÃO UM INFERNO


ENTREVISTA: MENINOS CONDENADOS. "As Fases e Febens do Brasil são um inferno". Maria do Rosário, ministra da Secretaria Especial dos Direitos Humanos - ADRIANA IRION, ZERO HORA 30/01/2012

A ministra Maria do Rosário, 45 anos, tem uma meta para fazer funcionar um sistema criado em lei e badalado por especialistas há mais de 20 anos, mas que não se concretizou: o de recuperação de jovens infratores. Em junho, a ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República quer lançar um plano que direcione a ação dos governos estaduais. A União vai dar recursos e fiscalizar a execução de um trabalho em que ações de educação, saúde e assistência social terão de ser inseparáveis. A partir disso, a gaúcha Maria do Rosário quer ver melhora nos índices de recuperação. Abaixo trechos da entrevista a Zero Hora:

Zero Hora – A senhora disse que o sistema de recuperação não funciona no Brasil. O que falta para funcionar?

Ministra Maria do Rosário – O diagnóstico é de que não temos integração das políticas públicas no Brasil para atender os adolescentes em conflito com a lei. Eles estão depositados nas unidades sem a atenção devida.

ZH – O discurso de que a Fase recebe um adolescente para o qual o Estado já falhou antes é comum. Quando Estado deixará de culpar o Estado e começar a agir?

Maria do Rosário – Não cabe a transferência de responsabilidade. A reportagem de ZH indica que estamos perdendo vidas. Temos urgência.

ZH – Qual a medida urgente?

Maria do Rosário – Com a criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo teremos a integração das políticas públicas e metas para cobrar dos governos estaduais.

ZH – Um problema que tem sido destacado aqui é o excesso de medicação aplicada aos internos, um problema que tem mais de 20 anos e que a senhora conheceu quando era deputada estadual. Por que ainda ocorre?

Maria do Rosário – Sim, conheci. O uso de medicamentos para contenção química, prescritos como “se necessário”, o que na verdade é o uso de droga para contenção, pode ser considerado tortura.

ZH – E vai acabar?

Maria do Rosário – É uma das nossas metas. Temos que ter o sistema de saúde fiscalizando. Me admira haver médicos que utilizam ainda desse expediente. Me lembro disso da época como deputada, lembro de receitas previamente prescritas com o “se necessário”. A continuidade disso revela que falta fiscalização. Não acredito que o MP ou o Judiciário concordem com isso.

ZH – O Judiciário e o Ministério Público afirmam ter expedientes relacionados a isso.

Maria do Rosário – Mas então tem que mudar, porque quem pratica uma coisas dessas está praticando um crime. É muito grave.

ZH – O perfil do infrator mudou. Reduziu a participação em roubos e aumentou no tráfico. O sistema que trata da recuperação não devia se modernizar?

Maria do Rosário – Não produzimos nada melhor que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). E o que o estatuto propõe é a possibilidade de redesenhar projetos de vida. Acredito nisso. Mas tenho consciência de que não está sendo aplicado. Não basta ter recurso. Em oito anos, construímos mais de 60 unidades no Brasil.

ZH – Nenhuma no Estado. A última unidade construída foi em 2002.

Maria do Rosário – Várias no Rio Grande do Sul encontraram dificuldade de ser construída porque as comunidades não aceitam. Mas tivemos reformas. O Estado recebeu em oito anos R$ 13,3 milhões, sendo que R$ 8,8 milhões para obras (conforme a Fase, o custo para construção de uma unidade é em torno de R$ 14 milhões). E no Brasil investimos R$ 205 milhões.

ZH – Isso é muito ou pouco num contexto em que a senhora diz que não adianta o governo ser apenas repassador de dinheiro para obras?

Maria do Rosário – Exatamente, não basta investir em paredes. Nosso desafio primeiro é a cultura dessas instituições. O governo investe em construções e na formação. Mas a cultura das instituições tem de ser radicalmente modificada.

ZH – Como se faz isso?

Maria do Rosário – Abrindo janelas para a sociedade e levando a sociedade para dentro das instituições. Quero que as pessoas se importem com esse jovens. Sem fiscalização pública, as coisas não andam. Enquanto a instituição for fechada em si própria, não vamos mudar o perfil delas. Monitoramento constante do que ocorre com prestação de contas da recuperação dos jovens. Depois dessa matéria que vocês fizeram pode ser que muitos esqueçam, e daqui um ano vocês voltem a me perguntar. Esses jovens não podem ser só questão de governo. O Estado falhou, mas a sociedade também.

ZH – Como se reverte essa falha do Estado?

Maria do Rosário – Com medida preventiva. As Fases e Febens do Brasil ainda são um inferno e é muito bom que os jovens não cheguem lá dentro. Mas temos de mudar essas instituições. Para esse inferno ter fim, precisamos abrir as portas e janelas envolvendo família, sociedade e poder público.

ZH – Falando em mudar as instituições, uma crítica de juízes aqui no Estado é o excesso de indicações políticas exercendo cargos que deviam ser técnicos. Como resolver?

Maria do Rosário – Posso citar quatro pessoas que dirigiram a fundação que fizeram a seu tempo esforço grande e que não estavam lá para cumprir meta de governador, mas para cumprir a lei: Maria Josefina Becker, Ana Paula Motta Costa, Carmen de Oliveira e Joelza Mesquita (atual). Todas vieram de carreiras sólidas, doutoras ou pós-doutoras e com trabalhos acadêmicos e práticos importantes. Não vejo esse problema no Rio Grande do Sul. Acredito que é preciso ter mediação. Se defendo que a instituição seja mais aberta, defendo também que essa participação de pessoas que não são da instituição é melhor do que somente a lógica do corporativo.

ZH – A queixa do Judiciário é em relação a diretorias das unidades.

Maria do Rosário – Eu não conheço, mas, se existe esse problema, o MP talvez possa propor de se fazer termo de ajuste com exigências básicas para que a pessoa possa responder por essa função. Pode ser necessário que tenhamos regras mínimas para dirigentes de casas.

domingo, 29 de janeiro de 2012

PREVENÇÃO PRECOCE


ENTREVISTA. “O mais importante é a prevenção precoce”. Ruben de Souza Menezes, médico psiquiatra do IPF - ZERO HORA 29/01/2012


Há 17 anos atendendo no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) a pessoas que cometeram crimes por terem distúrbio mental, o psiquiatra Ruben de Souza Menezes, 46 anos, avalia que tratar e acompanhar autores de delitos é a única saída para reduzir o risco de reincidências. Abaixo, trechos da entrevista:

Zero Hora – O que pode ter faltado para esse grupo de ex-internos da Fase, cuja maioria voltou a cometer delitos?

Ruben de Souza Menezes – Um acompanhamento adequado na pós-internação. Há um hiato. Sai da Fase e cai na vida como adulto jovem sem uma supervisão, sem apoio para uma pessoa de risco. Um dos maiores fatores de risco para a violência é a existência de um episódio anterior. Uma pessoa que comete um crime uma vez tem chance maior de cometer uma segunda vez. Se a pessoa cometer duas vezes, o risco é muito mais alto.

ZH – Essa repetição de delitos é um fator determinante. O que mais?

Ruben – A idade de início (de cometimento de atos infracionais). O cérebro tem fases de maturação, ele vai evoluindo por etapas. O senso moral vai se formando antes dos 15 anos. Tem certas situações que se a pessoa tiver comportamento delituoso antes dos 15 anos, a chance de se tornar um psicopata, um adulto antissocial, é muito alta. E uma vez antissocial, antissocial para a vida inteira. Não existe cura.

ZH – Não?

Ruben – Ao contrário de qualquer teoria, não existe cura. É como o alcoolismo. Mas uma coisa é tu ter uma tendência ao alcoolismo, outra coisa é beber. Não é porque uma pessoa tem uma tendência a mentir, a pegar as coisas, que vai ser um criminoso. Mesmo a pessoa com transtorno antissocial, não precisa ser bandido, mas precisa de um monitoramento.

ZH – Se com 13 anos matei uma pessoa, por exemplo, quais são minhas chances de seguir com problemas?

Ruben – As chances de ser um adulto para o resto da vida com problemas criminais são altíssimas. A não ser que haja supervisão.

ZH – Essa supervisão envolve o quê?

Ruben – Acompanhamento. A questão mais importante nesse aspecto é a prevenção precoce, investir em educação precoce, evitar que o cérebro dessas crianças evolua no sentido das patologias morais. Não adianta, depois que cometerem três, quatro, cinco, 20 crimes, para cometer o 25, 30 é muito fácil.

ZH – Qual seria a solução?

Ruben – Determinados problemas cerebrais e mentais têm de ser tratados bem cedo, antes que a pessoa desenvolva certos comportamentos. É certo que esses adolescentes receberam algum tipo de atenção na Fase, é óbvio que a Fase tentou fazer algo por eles, mas essas pessoas têm características pessoais que fizeram com que seguissem cometendo crimes. Depois que a pessoa está com 20 anos e cometeu dois, três homicídios, não tem recuperação.

ZH – Não tem recuperação?

Ruben – Essa pessoa vai ter de ter acompanhamento de saúde, processual, moral o resto da vida. Deveriam prestar contas para a sociedade, porque são de alto risco.

ZH – Comportamentos criminosos são definidos por problemas mentais?

Ruben – Pessoas normais não roubam. O que vai definir determinadas situações de criminalidade e alterações de conduta não é só se a pessoa tem um problema em seu cérebro. É em que grau ela se dispõe a tratar esse problema. A atitude da pessoa diante de si mesma é que faz a diferença.

ZH – É possível recuperar sem tratar?

Ruben – Não. Tem que tratar e monitorar.

ZH – Prender resolve?

Ruben – Está provado que a medida de simplesmente encarcerar é o fim do mundo. A privação serve para salvar a vida de certas vítimas. Se um homem está ameaçando uma mulher, ele tem de ser preso. Mas não se pode trancar uma pessoa sem um projeto para ela. A sociedade tem de evoluir no sentido de acompanhamento dessas pessoas.

UM PROGRAMA PARA DEVOLVER A ESPERANÇA



Nem tudo está perdido. Em meio a aterradora massa de jovens infratores que mergulha no abismo do crime, uma pequena parcela alça voo para a liberdade como homens de bem. ZERO HORA 29/01/2012

Essa improvável inversão de rumo ocorre pela mão amiga de uma iniciativa do Estado, em prática há quase três anos, que representa um sopro de esperança para adolescentes que passam pela Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase).

O programa visa a reintegrar os jovens à comunidade, incentivar o estudo e propiciar o ingresso no mercado de trabalho. Cerca de 540 infratores – mais da metade do atual número de internos da Fase – já passaram pelo programa, cuja adesão é voluntária. Um em cada três alcançou o objetivo, segundo estatística da Fase. O percentual pode parecer baixo, mas é elevadíssimo se comparado ao destino dos 162 infratores que estiveram em uma das casas da extinta Febem, em 2002, conforme retratado por Zero Hora – mais de 80% deles foram presos por envolvimento em crimes como adultos.

– Os números do programa são fantásticos, extremamente exitosos. Se salvasse uma vida já poderia ser considerado positivo – avalia o secretário da Justiça e dos Direitos Humanos, Fabiano Pereira.

Claudio Luiz Gonçalves, coordenador do programa na Fundação O Pão dos Pobres, lembra dos desafios de adaptação dos jovens quando deixam a Fase e voltam a conviver em ambientes, não raro, de conflitos e drogadição.

– É uma vitória quando eles chegam aqui. São super-heróis, pois é muito sofrido lutar contra aquela realidade – afirma.

O secretário Fabiano afirma que uma de suas metas é propiciar a mesma chance a todos os internos. A primeira medida é ampliar as vagas, mesmo não ocorrendo déficit. Para este ano, a ideia é aumentar o número de instituições de atendimento conveniadas, com a chegada do programa a mais duas cidades, Pelotas e Uruguaiana.

– O programa mostra o outro lado da vida que a gente não conhece – diz o ex-interno da Fase Alessandro, 18 anos, que fez curso de garçom e trabalha em um restaurante no Litoral Norte.

De assaltantes a especialistas em mecânica e computadores

Há três anos, a realidade de Rodrigo era roubar carros e desmanchá-los em oficinas clandestinas na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Por conta disso, foi pego três vezes, uma delas com duas espingardas, e recolhido a uma unidade da Fase. Depois de um ano, percebeu que era hora de mudar de vida e desenvolver de outro modo seu dom para lidar com motores. Ao mesmo tempo, ganhou uma vaga de estagiário no Tribunal Regional Federal. De adolescente indisciplinado sem hora para acordar, ele agora madruga todos os dias às 5h45min para as aulas do curso de mecânica na Fundação O Pão dos Pobres. À tarde, é assistente de câmera do setor de TV do Tribuna Regional Federal e, à noite, cursa a 8ª Série do Ensino Fundamental.

– Quero seguir estudando, abrir uma oficina, ganhar dinheiro e pagar a faculdade de Direito – afirma.

Ele já passa ensinamentos para um jovem de 19 anos, Gian Carlo, que está iniciando o terceiro curso profissionalizante. Depois de quase dois anos na Fase, por conta de assaltos, tentativa de homicídio e tráfico de drogas no bairro Sarandi, o jovem aprendeu a mexer com computador e, em especial, as tarefas de garçom que garantiram emprego.

– Tinha dinheiro fácil na mão, mas não tinha o que eu mais queria, o apoio da família. Agora, ouço tudo que minha mãe fala – conta o rapaz, que não conheceu o pai.

Tiago, um jovem, de 20 anos, aprendeu a consertar computadores e se aperfeiçoou no ofício. Apaixonado por teclados e monitores, o garoto rebelde do Morro Santa Tereza, na Capital, ex-gerente de boca de fumo e assaltante, não desperdiçou a chance de mudar a história após dois anos e meio na Fase.

– Vi que aquilo não era futuro para mim. A qualquer hora a casa ia cair. Para quem entra no crime, o caminho é o “3C”: cadeira de roda, cadeia ou caixão – diz.

Depois de dois cursos de manutenção, ele ganhou a confiança e a oportunidade de estagiar na mesma instituição. Concluiu o Ensino Médio e, em agosto de 2010, foi efetivado como funcionário com carteira assinada da Fundação O Pão dos Pobres.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Por que será que estas iniciativas ficam isoladas e não tem a amplitude necessária dentro do Estado? No Brasil, iniciativas como esta sobrevivem diante do descaso de um Estado que não cumpre seu dever. Este Programa não pode ficar restrito a Porto Alegre.


91% DOS INFRATORES VOLTAM A SE ENVOLVER EM CRIMES


Meninos condenados. 91% de ex-internos da Fase voltam a se envolver em crimes. Levantamento sobre egressos da Comunidade Socioeducativa em 2009 e 2010 confirma retrato assustador mostrado por ZERO HORA em série de reportagens - Adriana Irion e José Luís Costa, 29/01/2012

Comunidade Socioeducativa (CSE), que não impediu que a maior parte dos 162 internos da casa da antiga Febem em 2002 voltasse ao crime, segue sem recuperar, mesmo sob a estrutura da renovada Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase).

Dos 167 jovens que saíram da CSE em 2009 e 2010, 91% já voltaram a responder por suspeita de crimes. Passaram por prisões 117 deles, dos quais 72 estão presos. Sete foram assassinados. Dos que foram mortos, seis respondiam a procedimentos policiais, sendo que um tinha condenação por roubo. Do total de 167 ex-internos, apenas 10 não voltaram a ter ocorrência ou inquérito policial.

Zero Hora fez o novo levantamento depois de publicar a série de reportagens Meninos Condenados, na qual revelou o destino de 162 adolescentes infratores que estavam internados também na CSE, há 10 anos (veja quadro comparativo).

Quem atua na área da Infância e da Juventude enumera melhorias ocorridas nesta década no atendimento a infratores, mas os dados de 2009 e 2010 mostram que, pelo menos para a população da Comunidade Socioeducativa, casa de perfil mais agravado da Fase, o índice de recuperação se mantém muito aquém do esperado.

– Isso mostra que cada gestão chega dizendo que vai mudar tudo e o novo nunca acontece. Desde 2002, houve muitos avanços, mas ninguém olhou para o adolescente infrator. São as mesmas casas, as mesmas promessas, o fracasso total. Tem servidores com esforço pessoal para fazer diferente, mas não são valorizados, não chegam à chefia, pois estas são destinadas a espaços políticos e não a técnicos – critica a juíza Vera Lúcia Deboni, do 3º Juizado da Vara Regional da Infância e Juventude.

Para a magistrada, o que falta é uma política de Estado e não de governo, que muda a cada quatro anos. Ministra-chefe da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a gaúcha Maria do Rosário admite que o sistema de ressocialização não funciona no Brasil. E promete medidas concretas, como o lançamento, até junho, de um plano nacional para o atendimento socioeducativo.

A ministra aposta que com esse sistema nacional fará funcionar uma engrenagem prevista em lei há mais de 20 anos e que nunca se concretizou.

Os dados em relação aos egressos de 2009 e 2010 da CSE não surpreendem a procuradora Maria Regina Fay de Azambuja, coordenadora do Centro de Apoio à Infância e à Juventude do Ministério Público:

– Só confirma a inadequação de um sistema que foi previsto há 20 anos. Tem de ser uma proposta para 24 horas na vida daquele menino. Numa visita, encontramos cubículos com duas camas e ocupados por cinco adolescentes. Eles recebem comida naquele local. Isso tudo ajuda a incorporar a condição de preso.

sábado, 28 de janeiro de 2012

RECLUSÃO E MEDICAMENTOS

SILVIA CZERMAINSKI, FARMACÊUTICA - ZERO HORA 28/01/2012

Chama atenção na entrevista da presidente da Fase em Zero Hora de 26 de janeiro a informação sobre o “excesso de medicação” dos internos da instituição. Antes do fato em si, também seu destemor em apontar essa prática merece um destaque, pelo enfrentamento que enseja da questão da realidade da saúde de pessoas institucionalizadas, em relação à preponderância de modelo de assistência em saúde mental centrado no medicamento.

A literatura científica em áreas da saúde coletiva e das ciências farmacêuticas, assim como inúmeros livros e periódicos, tem evidenciado com muita legitimidade os resultados do uso indevido e irracional do medicamento. E também, como é o caso, o uso do medicamento como instrumento de poder, de dominação, de manipulação, de tortura, de exclusão do direito à saúde. E nesse sentido, portanto, um desrespeito aos direitos humanos.

Desrespeitos esses, que em instituições de reclusão são de amplo conhecimento, ocorrem em todos os países, em todos os tempos. Não faltam denúncias diárias, de Guantánamo a Charqueadas, certamente aquém do que se consegue denunciar, discussões e relatórios infindáveis e pouca ação efetiva, ou pelo menos não no ritmo das necessidades e exigências para se atingir valores civilizatórios. Mas nem sempre percebem, sejam gestores, o simples cidadão e a própria sociedade como um todo, a sutileza do uso abusivo e intencional de medicamentos como instrumento de dominação.

A perversidade ganha contornos ainda mais trágicos por ter o medicamento, como um bem de saúde, a finalidade de cura e de alívio e cuja utilização é respaldada por uma prescrição médica. E essa é amparada pelas normas de condutas instaladas nas instituições e que habitualmente justificam seus problemas pela situação clássica de falta de pessoal e de precarização da infraestrutura. Quanto aos gestores, muitas vezes são despreparados, quando não intimidados por rotinas institucionais crônicas, as quais não conseguem ou não ousam enfrentar. O que parece não ser o caso da atual presidente.

Também se deve destacar o detalhe da prescrição de medicamentos psicoativos com o “se necessário”, onde há uma delegação de responsabilidades implícita, que na prática desconstitui a prescrição e dá margem para a usurpação; ainda mais quando não há uma equipe completa de profissionais de saúde, comissão de farmácia e terapêutica e adequada assistência farmacêutica.

O problema apresentado pela entrevistada deve ganhar contornos de denúncia e ensejar medidas urgentes, devendo o Estado ampará-la como gestora e mobilizar esforços no sentido não só de reparar e implantar novos procedimentos, mas de atender a protocolos técnicos e legislação de saúde que o próprio Estado definiu e exige cumprimento. A sociedade não quer mais que enrolem a língua, nem os menores infratores por uso abusivo de medicamentos, nem os gestores por não ousarem e não cumprirem seu papel. Ao que parece, finalmente, estamos numa nova Fase.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Concordo com a autora do artigo. Deve ganhar contornos de denúncia "a informação sobre o excesso de medicação dos internos da instituição". Onde estão o conselho tutelar, os juizados da infância, a promotoria da infância, os direitos humanos e os fiscais do Poder Executivo responsável pela guarda e custódia dos infratores.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

UM SOLUÇÃO POSSÍVEL

MARIA DORNELLES DE ARAÚJO RIBEIRO, PSICÓLOGA DO POD SOCIOEDUCATIVO DA FUNDAÇÃO O PÃO DOS POBRES DE SANTO ANTÔNIO, ZERO HORA 27/01/2012

A reportagem “Meninos condenados”, publicada por ZH ao longo desta semana, é um riquíssimo trabalho dos repórteres Adriana Irion e José Luís Costa, que representa a realidade de muito mais do que 162 jovens egressos da antiga Febem, hoje Fase (Fundação de Atendimento Socioeducativo). A busca pela história de vida de cada um dos jovens, identificando-os com nome e idade, trata-os como seres humanos e não apenas como dados estatísticos de violência urbana, convidando à reflexão acerca da realidade onde esses jovens cresceram e de como as condições sociais em que viveram contribuíram para levá-los a cometer atos infracionais.

Na reportagem de segunda-feira (23), foi retratado o depoimento do jovem Rafael Candido dos Santos Machado, hoje com 28 anos, o qual afirma que a falta de acompanhamento após sua saída da Febem foi um dos fatores cruciais para a reincidência no crime e consequente prisão. Foi pensando em jovens como Rafael, que desejam encontrar apoio para mudar seus destinos e o rumo de suas histórias, e visando à diminuição dos índices de reincidência em atos infracionais, que foi criado o Programa de Oportunidades e Direitos (POD) Socioeducativo.

Desde abril de 2009, a Fundação O Pão dos Pobres de Santo Antônio executa, em convênio com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, o POD Socioeducativo, cujo principal objetivo é a reinserção social, a inserção no mundo do trabalho e a reaproximação dos laços familiares. A fundação atende até 70 adolescentes/jovens adultos egressos da Fase por meio de uma equipe multidisciplinar. O POD tem como finalidade dar visibilidade social aos adolescentes/jovens adultos em conflito com a lei e qualificar o atendimento socioeducativo no Estado, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

O Pão dos Pobres oportuniza e incentiva os educandos do programa a ingressarem nos cursos profissionalizantes ou técnicos do centro de educação profissional da fundação ou em cursos e oficinas oferecidos por entidades parceiras. Só no ano de 2011, mais de 20 egressos da Fase que participaram do POD no Pão dos Pobres foram inseridos no mercado formal de trabalho. O sucesso de cada educando motiva-nos a dar continuidade a este trabalho e mostrar à sociedade que a reinserção social desses jovens é possível.

OS JOVENS E A CULTURA DA VIOLÊNCIA


DILAN CAMARGO, ESCRITOR, CIENTISTA POLÍTICO - ZERO HORA 27/01/2012

A série de reportagens de Zero Hora sobre os 162 infratores “Meninos condenados” está muito além de toda a literatura brasileira de um Rubem Fonseca, de uma Patrícia Melo, de um Marçal Aquino, de um Fernando Bonassi, que escrevem histórias sobre a violência na sociedade brasileira. Não é ficção. É um trabalho paciente e minucioso, que revela e desvela. Só não vai entender quem não quer. Um jornalismo para documentar, uma reportagem verdadeira, de tirar o véu e de não deixar dormir.

Esta é uma matéria jornalística metodologicamente tão consistente e tão objetiva nos seus dados, como no contexto sociológico em que se fundamenta, que não poderá ser ignorada. Ela é um ponto de partida para o futuro, para ser levada a sério pelos efetivamente interessados em buscar novos caminhos. O resto pertencerá ao passado, que já fracassou absolutamente. E o que fracassa absolutamente precisa de soluções absolutamente diferenciadas. Qual a solução? A resposta ainda não existe, e vai demorar, porque a sua busca está radicalmente prejudicada pela acomodação e pelo regozijo com conceitos, teses, diagnósticos, métodos, políticas públicas, abordagens, terapias, serviços, que não foram eficazes. Dez anos é um tempo mais do que suficiente como período de análise. O fato é que o olhar está desfocado e o rumo perdido.

Se não é assim, por que esses 162 jovens não conseguiram romper o círculo de fogo que os cerca como feras no circo urbano da violência? Por que fracassaram? São 1,5 mil anos de cadeia distribuídos em condenações judiciais! Por que as famílias, a sociedade, o Estado, não conseguiram lhes estender a mão e salvá-los desse sumidouro social? Por que um batalhão de familiares, psicólogos, assistentes sociais, monitores, promotores, juízes, defensores, ministros, sociólogos, educadores, pesquisadores, e tantos outros, de posse de um festejado instrumento legal como o Estatuto da Criança e da Adolescência não conseguiram, numa década, recuperar nenhum jovem infrator? Por quê? E, por favor, chega de retórica. Chega da moralina dos ingênuos e do ranço ideológico dos idealistas autoritários com o seu messianismo manipulador.

Desconfio de que os nossos modelos, os nossos paradigmas de pensamento social precisam ser reinventados, a partir da realidade, com a crítica dessa mesma realidade, para que efetivamente possamos transformá-la. Desconfio de que nosso desvio é epistemológico. Nossas teorias das ciências sociais não conseguem dar conta da realidade social brasileira. E essa imensa incompetência se reflete diretamente nas leis penais e processuais, nas instituições, nos preconceitos, nas políticas de atendimento e de assistência, que constituem o chamado sistema socioeducativo de jovens infratores.

Por que não conseguimos nos levar a sério frente a uma catástrofe social dessas dimensões? Por que brincamos de sociedade? Por que somos fabulistas e nos eximimos numa retórica permissiva, abusando de uma falsa interdisciplinaridade que mistura sociologia, psicologia, antropologia, culturalismos, e que dilui conceitos e valores? Por que batemos de frente contra o velho e insistente princípio de realidade? Por que não aceitamos de uma vez por todas que, embora tenhamos a sexta economia do mundo, paradoxalmente, somos um dos países mais desiguais e violentos do mundo, e com um dos mais precários sistemas públicos de proteção à família, às crianças e aos jovens?

COMO RECUPERAR OS INFRATORES



MENINOS CONDENADOS - ZERO HORA 27/01/2012


Um investimento maior em educação e o acompanhamento das famílias são dois pontos de convergência na análise que especialistas fazem sobre o que é preciso para que o sistema socioeducativo brasileiro de fato recupere adolescentes infratores.

Também são pontos destacados para uma etapa anterior, ou seja, quando se fala de prevenção, de estratégias para evitar que os jovens ingressem no sistema de internação, hoje comprometido por unidades com estrutura inadequada, superlotação e carência de pessoal para executar um efetivo trabalho de ressocialização. Outra medida apontada como necessária é o fortalecimento do atendimento de saúde, com foco no tratamento da drogadição.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

DEU A LÓGICA

SUA SEGURANÇA | Humberto Trezzi - ZERO HORA 26/01/2012



Chega a dar um desânimo quando termina a leitura da exemplar série de reportagens de Adriana Irion e José Luís Costa. Ao deparar com o ponto final, o leitor fica com a nítida impressão de que, da Febem para a Fase, só mudou o nome.

A Febem – mais especificamente, os seus males – eu conheci bem. Em 1998, com as colegas Clarice Esperança e Eliane Brum, participei da elaboração de uma série de reportagens intitulada Casa dos Horrores, que eviscerava os chamados “lares de recuperação de menores” no Rio Grande do Sul. Podiam fazer de tudo, menos tornar humanos os jovens. A época era de conflito cotidiano entre infratores e funcionários das casas. O saldo desse clima de animosidade era de jovens incendiados, monitores mutilados e adolescentes torturados de forma sistemática. Após exaustivo rastreamento, descobrimos que nove adolescentes tinham morrido de forma misteriosa em apenas dois anos, entre os muros daquela instituição que deveria transformá-los em gente. Alguns, queimados. Outros, asfixiados. O resultado foi o indiciamento criminal de monitores e pessoas da direção da Febem por homicídio (acabaram absolvidos, posteriormente).

Em 2002, com o objetivo de mudar esse quadro de terror, surgiu a Fase. Visitei algumas unidades desde então e, justiça seja feita, a coisa melhorou. As rebeliões, que chegaram a ser semanais, não acontecem nem anualmente. Apela-se mais para quadras de esporte do que para celas de isolamento. Mas falta muito. As casas de recuperação, modelares, ficaram no papel (existem só duas). E os concursos para novos funcionários? Grande parte dos servidores é ainda do tempo da Febem. Com situação assim, o levantamento feito por Zero Hora só poderia dar no que deu: a lógica. Apenas dois nos quais é possível colocar um carimbo de recuperado. Até quando?

ACABAR DE VEZ COM A FEBEM


ENTREVISTA. “Quero acabar com a Febem de vez” - ZERO HORA 26/01/2012

Responsável pela Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) desde janeiro de 2011, Joelza Mesquita Andrade Pires, 53 anos, levou pouco tempo para diagnosticar que a instituição que dirige repete os mesmos erros que sepultaram a antiga Febem: excesso de medicação aplicada aos internos, agressões, falta de acompanhamento individual, carência de pessoal e superlotação.

Com a experiência de 20 anos atuando em serviços de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência, a médica baiana, com formação em pediatria, quer instalar na Fase um centro de tratamento para drogadição. Mas a principal meta ela não cansa de repetir: “Quero acabar com a Febem de vez”. A seguir, trechos da entrevista a ZH:

Zero Hora – Por que a Fase falhou com este grupo de 162 ex-internos?

Joelza Mesquita – Tudo falhou. A maioria dos internos vem de famílias excluídas da sociedade, com pais desempregados, de baixa escolaridade, que deixam os filhos à mercê de todo o tipo de adversidade. Mas a responsabilidade é um tripé. É a família, o Estado e a escola, são as políticas públicas que faltam a essa família.

ZH – Onde a família e o Estado falharam?

Joelza – O que todos os governos dizem? Que nenhuma criança pode ficar fora da escola. Ouve-se isso há 20 anos. Mas o fluxo para evitar isso não funciona. Nesse tripé tem a parte da sociedade, que prefere dar dinheiro para o menino na sinaleira. Sabe qual o maior malabarismo? Inserir esses meninos na sociedade.

ZH – Por quê?

Joelza – Porque as pessoas não acreditam na recuperação deles, talvez porque ainda acreditem na escola de bandido que era a Febem. Quando a Febem virou Fase, tinha que ter sido (uma mudança) de dentro para fora.

ZH – Isso não aconteceu?

Joelza – Tem funcionários que acham que foi muito bom mudar (a filosofia de atendimento a infratores), mas alguns outros acham que tem de continuar como antes. Então, acho que a falha é nossa. Hoje, estamos investindo em educação, em profissionalização, ocupando ao máximo o menino. A recuperação vai ser muito maior.

ZH – O que é preciso mudar?

Joelza – Por exemplo, a porta de entrada do menino aqui é o Instituto Carlos Santos. Ele teria que estar adequado do ponto de vista estrutural. Para mim, como gestora promovendo a recuperação desses meninos, fica difícil engolir quatro meninos numa cela só e a existência do atendimento especial (celas isoladas em que os internos são colocados de castigo). Não sei como permitiram que fosse assim, sem iluminação, tirando os colchões.

ZH – É a velha Febem?

Joelza – Sim. Só que ninguém assumia, ia botando para baixo do tapete.

ZH – O que a Fase tem da Febem?

Joelza – A primeira coisa é o espaço físico. Eu gostaria que todas as nossas casas tivessem um quarto por menino, sala de esportes, sala de aula, sala de lazer. O que a gente tem hoje? Numa casa para 40, eu tenho 120. Outra coisa que eu vejo muito da Febem é o atendimento especial (isolamento).

ZH – O problema de excesso de medicação na fundação não é novo.

Joelza – Desde que comecei, o excesso de medicação vem diminuindo. Na primeira visita que fiz à Comunidade Socioeducativa, fiquei impressionada, porque todos os meninos estavam enrolando a língua. E a culpa não é de ninguém, pois o médico prescreveu “se necessário”. Medicados, ficam quietos. É mais fácil. Quero tirar o excesso de medicação, iluminar os espaços, dar acesso à leitura.

ZH – Há muitos focos da Febem?

Joelza – Sim. Quero que os psiquiatras deem um diagnóstico para o menino. Quero saber porque ele precisa tomar remédio. São coisas que ficaram da época da Febem.

ZH – A carência de pessoal interfere?

Joelza – A equipe técnica é para fazer o planejamento individual de atendimento do menino, com a questão da saúde, da educação, do lazer, da convivência com a família. Hoje, a equipe técnica passa mais tempo em audiências. Dizem que não dá tempo de atender individualmente.

ZH _ A Fase trata a drogadição?

Joelza – Não. Privo o menino de liberdade. Enquanto está preso aqui, ele está longe das drogas. Eu trato as sequelas das drogas, a abstinência. Ele fica agitado, agressivo, deprimido, e o tratamento é a medicação para segurar isso, mas não trato a droga.

ZH – Não devia ser tratado?

Joelza – Quero tratar a droga. Montar um centro de atendimento psicossocial aqui dentro para tratamento da droga, porque 90% do meu adolescente é usuário de drogas, e ele mata, ele rouba, ele furta por causa da droga.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Tomara que esta promessa não seja a mesma providência adotada por outros gestores: tocar o nome.

POR QUE A FASE NÃO SE RECUPERA


MENINOS CONDENADOS. ADRIANA IRION, ZERO HORA 26/01/2012

A Febem foi extinta por ineficiência, a Fase nasceu, mas o tratamento dispensado a recuperar adolescentes infratores segue o mesmo receituário: estrutura física ultrapassada, excesso de medicação, castigos, superlotação e falta de monitores.

Juízes e promotores da área da Infância e da Juventude não se surpreendem com o resultado do levantamento feito por ZH com 162 adolescentes internados em uma das casas da instituição em 2002, no qual 48 morreram, 114 foram condenados e apenas dois não voltaram a ter registros policiais 10 anos depois.

A recuperação de adolescentes, com a estrutura atual e a crescente falta de investimento está fadada a seguir sendo uma exceção. A constatação de que a Febem segue existindo é compartilhada também pela presidente da hoje Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), Joelza Mesquita.

Um dos exemplos dos vícios nefastos da antiga Febem que ainda permeiam as unidades é o excesso de medicação, conforme tem sido constatado por levantamentos mensais da Justiça.

– Tenho dados que me assustam, principalmente quando olho para o resto do país, onde não encontramos adolescentes tão medicados como em Porto Alegre. Existe uso abusivo de medicação como forma de controle de conduta – afirma a juíza Vera Lúcia Deboni, do 3º Juizado da Vara Regional da Infância e Juventude.

Em dezembro, foi detectado que 98% dos internos da Comunidade Socioeducativa (CSE) estavam sob medicação.

– Não temos resposta técnica que nos diga que essa medicação está correta. E a situação também não avança para além da medicação. Pois se tem questão psiquiátrica a ser tratada, que tipo de terapia está sendo oferecida? – questiona Vera.

A falta de um plano efetivo – ou de vontade – para construção de novas unidades e para realização de concurso é destacada como exemplo de promessas que se perdem.

– Todos os governos vão fazer tudo, mas todos não têm dinheiro suficiente para fazer. E as coisas podem ser adiadas e dependem de um governo que entra e leva não sei quanto tempo para tomar pé da situação, porque não são os filhos deles que estão lá internados – avalia o juiz João Batista Costa Saraiva, que atua junto ao Centro Integrado da Criança e do Adolescente.

Juíza diz que investir é opção ideológica

Quanto à eterna justificativa de “falta de recursos”, Saraiva relembra o debate travado no governo passado sobre a venda da área em que está a sede da Fase, na Avenida Padre Cacique:

– Não sei se era a solução adequada. Mas se há patrimônio que não está sendo útil, tem de dar destinação diferente e utilizar esse recurso. Do que adianta eu ter no meu cofre uma pedra preciosa, e meus filhos passando fome e sem poder estudar e eu dizendo: “essa pedra eu não vendo”. A roda não precisa ser inventada, tem de rodar.

Uma das unidades da Fase funciona em um prédio do século 19. A última casa construída data do final do governo Olívio Dutra (PT), sendo que, desde então, mesmo com a mudança do modelo de Febem para Fase, não foi feito concurso.

– Temos casas com modelo prisional, superlotadas e deficiência de pessoal. Isso passa por opção ideológica, ou seja, vão colocar dinheiro nisso ou não? – provoca a juíza Vera.

Coordenadora do Centro de Apoio à Infância e à Juventude do Ministério Público, a procuradora Maria Regina Fay de Azambuja aposta no investimento em educação, esporte e lazer como medida urgente para atender aos infratores privados de liberdade:

– O Estado devia oferecer o que deixou de oferecer antes, mas o faz (dentro da Fase) de forma muito aquém do que está previsto. Minha impressão é de que trabalhamos – inclusive nós, do MP – apenas remendando o que está insuportável. Se os filhos da classe média e rica chegassem à internação, talvez o investimento lá fosse outro.

Para a procuradora, o Estado deveria ter como regra a produção permanente de dados que pudessem avaliar a eficácia do trabalho dentro da Fase e orientar correção de rumos.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A CASA QUE REUNIU 162 DESTINOS


A casa que reuniu 162 destinos em 2002 - ZERO HORA 25/01/2012

Os 162 adolescentes que dão rosto a esta reportagem de Zero Hora tiveram suas vidas reunidas pelo menos uma vez, em 1º de janeiro de 2002, na Comunidade Socioeducativa (CSE). A unidade, encravada na Vila Cruzeiro do Sul, em Porto Alegre, ganhou esse novo nome em 2000, quando o então Instituto Juvenil Masculino (IJM) tentava se reerguer de uma trajetória de descontrole, motins e morte.

Até 1998, o IJM era uma casa comum, que funcionava para receber adolescentes não infratores e também como triagem, ou seja, casa por onde os infratores passavam antes de serem encaminhados à unidade onde cumpririam a medida de internação. Mas, naquele ano, mudanças em outras unidades interferiram no destino do IJM, que passou a receber infratores mais violentos, autores de atos infracionais graves. Começava ali uma história de tensão.

– Os colegas relatam que os guris chegaram (no então IJM) com canivetes e maconha escondidos por todo o corpo. Os guris tinham perfil extremamente grave. Era muito tenso – recorda uma ex-monitora.

Em setembro de 1999, os internos, amotinados, registraram o nome da casa em um dos capítulos mais violentos da história da então Fundação do Bem-estar do Menor (Febem): mataram o monitor Luís Fernando Silva Borges com um tiro.

Depois de uma sequência de motins que deixou a estrutura da casa fragilizada, o prédio foi sendo esvaziado para passar por reformas.

Em 2000, renovado, o IJM virou a Comunidade Socioeducativa. A casa rebatizada surgiu sob nova concepção de funcionamento, já que dispunha de cinco alas de internação isoladas uma da outra, além de quartos individuais, o que facilitaria o controle e o atendimento aos adolescentes.

Dois anos depois, em maio de 2002, a Febem foi transformada em Fase, mas as piores chagas ainda permeavam o cenário que reuniu esses 162 ex-internos: falta de estrutura adequada, escassez de pessoal, superlotação, agressões. Dez anos depois da mudança, a Febem ainda não sumiu por completo. Há agressões a internos, falta de pessoal, carência de atividades socioeducativas e excesso de medicação para “acalmar” adolescentes.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Os governantes gostam de criticar os antecessores, mudar o slogan, trocar o nome das instituições e pintar diferente o patrimônio público, mas não trocam os métodos. O problema é que o ECA e aplicado apenas nas suas benevolências, esquecendo as contrapartidas do governante e do infrator. E o governante não é cobrado pelos legisladores fiscais do Executivo; não é responsabilizado pela justiça (supervisão da execução penal; e não é pressionado pela sociedade organizada (no voto e em conselhos).

MENINOS CONDENADOS/RECUPERADOS

Natanael e Rafael, dois exemplos de esperança. Natanael é vendedor e evangelizador. Rafael, marceneiro. ADRIANA IRION E JOSÉ LUÍS COSTA - ZERO HORA, 25/01/2012

Seus nomes emergem de uma lista de 162 adolescentes que estavam internados na Fundação Estadual do Bem-estar do Menor (Febem) em 1º de janeiro de 2002.

As histórias dos dois poderiam ser contadas em uma palavra: esperança. Dos 114 ex-internos vivos, os dois, uma década depois daquela internação, são exemplos do esforço para driblar e mudar destinos marcados pelo crime na adolescência.

São oriundos de um grupo em que a maioria teve a trajetória reduzida a mortes violentas ou à perda da liberdade, condenada por crimes.

De volta à comunidade onde construíra laços com o crime na adolescência, a vila Bom Jesus, em Porto Alegre, Rafael Patricio Machado, 27 anos, resistiu.

Os amigos do passado o procuravam.

– Aqui fora tinha muitos amigos. Lá (na Febem), ninguém te procura ou manda algo. Só minha mãe me apoiou – recorda o marceneiro.

A constatação ajudou Rafael , que aos 16 anos passou Natal e Ano-Novo longe da família, recolhido à fundação por assalto, a optar por uma reviravolta. Hoje, casado e pai de Rafaela, reflete sobre o que o levou a roubar.:

– Faltava dinheiro para sair, comprar roupa. Tu vais conhecendo pessoas, o dinheiro vem fácil. Agora, vivo do serviço para casa e para cuidar da família.

A região em que ele mora ganhou destaque nacional em 2009, quando o então presidente Lula a visitou para anunciar a instalação do primeiro Território da Paz do Estado. Na Bom Jesus, uma das vilas mais violentas da Capital, o projeto anunciado não se concretizou, mas é aposta do governo federal para a recuperação de jovens e a prevenção de violência no Brasil.

– A existência de Territórios da Paz e de Unidades de Polícia Pacificadora será muito importante para a recuperação desses adolescentes. Existe mais esperança para eles em territórios pacificados – avalia a gaúcha Maria do Rosário, ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.


A redenção de Natanael

Quem lê a ficha policial de Luiz Natanael Silva Machado quando era adolescente, arrisca uma sentença: está preso ou morto. Começou a furtar aos 10 anos. Aos 11, usou maconha e passou a dormir fora de casa. Largou a escola.

Dos 12 aos 13 anos, conheceu drogas pesadas e cometeu crimes graves: assaltava e agredia. Incontrolável, praticava delitos quase que diariamente em Montenegro, onde vivia com a mãe e o padrasto.

Era temido no comércio e em bairros residenciais. Frequentador assíduo do Conselho Tutelar, da delegacia, do fórum. Aos 14, matou um comerciante em uma tentativa de roubo. Era o ápice de uma carreira criminosa que reuniu, em quatro anos, mais de duas dezenas de ocorrências e até fuga de delegacia. Natanael foi mandado duas vezes para a Febem.

Ao sair, trapaceou o destino e, desta vez, jogando limpo. Contrariou a lógica, surpreendeu e ajudou a inserir esperança nesta série de matérias sobre a trajetória de 162 ex-internos da fundação. Está casado, tem um filho, trabalha e usa o currículo de crimes para falar a jovens sobre amor, drogas e futuro como evangelizador da Igreja Pentecostal Unida do Brasil.

– Ex-drogado, ex-ladrão, ex-interno da Febem, estou aqui para contar o que Deus fez na minha vida – anuncia a fiéis.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

OS MENINOS DO CRIME


EDITORIAL ZERO HORA 24/01/2012

O trabalho de reportagem que está sendo apresentado por Zero Hora sobre a trajetória de adolescentes internos na antiga Febem, no ano de 2002, é um atestado eloquente do fracasso de um modelo de recuperação de infratores que, infelizmente, ainda não foi totalmente extinto. Ao colocar nomes e biografias na estatística, o registro jornalístico evidencia dramas familiares e vidas desperdiçadas por uma nefasta conjugação de fatores que vão do ambiente degradado onde muitos desses jovens se criaram à incompetência do Estado para fazer o seu papel. Mas ainda são os números que chocam mais: de 162 jovens que cumpriam medida judicial no início do ano referido, apenas dois parecem ter se salvado da rotina de novas condenações, prisões e execuções. Os dados apontam para uma condenação coletiva. A Febem transformou-se em Fase em 2002, a metodologia de ressocialização de meninos e meninas infratores mudou bastante, mas ainda persistem alguns resquícios do autoritarismo e do descaso que transformaram tantos delinquentes juvenis em criminosos irrecuperáveis.

Se já é doloroso constatar que tantos egressos de um único ano tiveram destino tão trágico, mais assustador ainda é pensar que durante mais de 50 anos adolescentes autores de atos infracionais ou simplesmente abandonados receberam um atendimento que mais forma para o crime do que recupera. A partir da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, as instituições de atendimento de todo o país tiveram que se adequar às diretrizes da Doutrina de Proteção Integral – que inclui distinção entre o tratamento a ser dispensado a autores de infrações e às vítimas de violência e abandono. A Fase especializou-se no atendimento aos jovens penalizados com medida judicial de internação ou semiliberdade.

Mudou muito, mas não mudou tudo. A própria ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, admite que o sistema de caráter socioeducativo brasileiro ainda é apenas uma declaração de intenções, pois não consegue recuperar os infratores na dimensão desejada.

Não consola saber que era muito pior. A série de reportagens que está sendo apresentada por Zero Hora, com o objetivo de chamar a atenção das autoridades e da sociedade para o verdadeiro extermínio de vidas e futuros praticado durante tanto tempo com a conivência de todos, mostra um caminho sem volta. A reincidência no crime, o estigma da internação e a falta de oportunidades levaram a maioria absoluta do grupo investigado a condenações prolongadas, à clandestinidade ou mesmo à morte – destino de 48 deles, jovens que sequer tiveram a chance de se tornar adultos.

Mas este passado deprimente também pode ser utilizado como exemplo para o aperfeiçoa-mento do sistema e das instituições que hoje atendem crianças e adolescentes autores de atos infracionais. E deve servir, principalmente, para alertar os governantes e a sociedade sobre a urgência de investimentos em prevenção – a única porta capaz de impedir o acesso ao verdadeiro labirinto da ressocialização.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Na minha opinião, os jovens infratores deveriam ser internados em centros públicos de ressocialização distribuídos por todo o Estado capacitados para educar, tratar a saúde (dependência química, déficit e desvios psíquicos), descobrir talentos e ensinar uma profissão conveniada com o mercado de trabalho local. Aqueles que mostrarem periculosidade alta devem ser tratados em outro nível. Hoje, os jovens infratores são "depositados" em grandes grupos sem distinção em locais onde o monitoramento é falho, o tratamento da saúde é debilitada e as condições são precárias.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

MIL E QUINHENTOS ANOS DE CADEIA



ADRIANA IRION E JOSÉ LUÍS COSTA, ZERO HORA 23/01/2012

Ultrapassa os 1,5 mil anos de condenações o saldo da trajetória criminosa de ex-internos da então Fundação Estadual do Bem-estar do Menor (Febem), hoje Fase, cujas histórias Zero Hora está contando.

Dez anos depois de se reunirem na Comunidade Socioeducativa (CSE), uma das unidades mais violentas da fundação, dos 162 jovens, 114 tiveram condenações judiciais.

- As sentenças são resultado de pelo menos 280 processos criminais.

- Dos 162 ex-internos, 135 passaram pelo sistema prisional.

- Eles tiveram pelo menos 340 entradas em prisões por suspeita de cometer crimes.

Há casos de jovens que ingressaram em cadeias para adultos antes mesmo de quitarem contas na fundação. Dos 162 ex-internos da CSE, 111 tiveram registros de fugas, sendo que 40 deles deixaram a instituição foragidos, portanto, sem terminar de cumprir a medida judicial de internação.

Luciano Emerson Pinto de Freitas é um exemplo. Fugiu da fundação, onde ingressara aos 17 anos, em 28 de abril de 2002. Às 10h do mesmo dia, foi preso ao assaltar um minimercado e atirar contra policiais militares.

Naquela manhã, Luciano dava sequência a uma carreira criminosa marcada por entradas e saídas de prisões e que lhe rendeu, até o momento, sentenças que ultrapassam 90 anos de condenação.

Jorge Luiz Pires saiu da então Febem em 8 de janeiro de 2002. Um dia depois, segundo a Justiça registrou em sentença, executou um homem com três tiros, em Porto Alegre. Voltou a ser preso 67 dias depois de ter saído da fundação. Hoje, tem penas que somam mais de 60 anos.

Dados sobre novas capturas mostram que parte dos ex-internos teve pouco tempo de liberdade. Pelo menos 60, dos 135 que foram presos , ingressaram em prisões menos de um ano depois de saírem da fundação. Para alguns, como Rafael Candido Santos Machado, isso representa uma vida inteira privada de liberdade.

Rafael entrou na ex-Febem com 14 anos, em 1999, por assalto. Entre ingressos, fugas, retornos, internações e o desligamento definitivo, passou cinco anos vinculado à fundação. E nesse período já registrava entradas também no sistema prisional. Hoje, tem pena de 49 anos. Mas da lista de 114 condenados também emergem histórias de jovens que cumpriram suas penas como adultos, ganharam liberdade e não voltaram a delinquir, como a de Magno da Silva Luciano, que formou família e trabalha em um posto de combustíveis.


70% dos 162 ex-internos foram condenados

O retrato feito por ZH revela que a reincidência fora dos portões do que é hoje a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) foi de 70,3%, levando em conta a quantidade de 114 ex-internos que foram condenados.

O percentual é bem superior ao verificado em 2011 na instituição. No ano passado, o índice de infratores que já haviam tido internações anteriores foi de 38,5%.

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a gaúcha Maria do Rosário, confirma que há dificuldades na ressocialização de infratores.

– Houve esforços nestes 10 anos, mas o sistema de caráter socioeducativo não tem funcionado no Brasil. Ele ainda é uma declaração de intenções mais do que uma realidade capaz de recuperar adolescentes – disse.

A situação desafia o poder público:

– É uma responsabilidade que não tem sido cumprida a contento no cenário nacional.

Os jovens cujas histórias embasam esta série de reportagens já tinham um perfil de repetição de delitos quando ainda eram adolescentes. Dos 162 infratores, 127 deles tiveram mais de uma internação na fundação.

domingo, 22 de janeiro de 2012

MENINOS CONDENADOS: 10 ANOS DEPOIS



ADRIANA IRION E JOSÉ LUÍS COSTA - REPORTAGEM ESPECIAL DE ZERO HORA DOMINICAL, 22/01/2012

Esta é a história de 162 vidas que se cruzaram em Porto Alegre, há 10 anos, em uma das mais conturbadas casas da então Fundação Estadual do Bem-estar do Menor (Febem), hoje Fase. Nesta reportagem, ZH revela o destino desse grupo de adolescentes cujos delitos os reuniram em 1º de janeiro de 2002 na Comunidade Socioeducativa (CSE).

A casa é considerada a de perfil mais complexo da Fase, pois reúne principalmente os adolescentes autores dos atos infracionais mais graves e que são mais velhos _ de 18 a 21 anos.

O destino dos 162 adolescentes, uma década depois daquela internação, poderia ser contado só em números. Eles falam por si:

135 foram presos sob suspeita de terem cometido crimes;

114 foram condenados;

55 estão presos;

48 morreram.

A maioria dos mortos foi executada a tiros antes de completar 25 anos, vítimas de vinganças ou de cobranças ligadas ao tráfico. Deixaram como herança para famílias cercadas pela violência pelo menos 17 filhos órfãos de pai. As histórias de esperança são escassas. Dos 114 ex-internos vivos, apenas dois não voltaram a ter seus nomes registrados em ocorrências policiais ou em processos criminais.

Mais do que estatísticas, o levantamento de ZH expõe rostos e trajetórias de jovens que, em muitos casos, foram vítimas antes de se tornarem infratores. Nascidos em berços pobres, forjaram a personalidade, os valores e os limites – ou a falta deles – em ambientes insalubres, lares marcados por brigas domésticas e separações conjugais, ausência de figura paterna, desemprego e abuso de álcool e de drogas. Foi o terreno fértil para cultivar a revolta, afastá-los dos cadernos escolares e torná-los presas da criminalidade.

Um cenário cujo caminho natural foi a internação na Febem, instituição que fracassou em sua meta de ressocialização para mais de uma centena deles.

A Febem virou Fase em maio de 2002 com nova proposta de tratamento a adolescentes infratores. Mas não sumiu por completo. Ainda habitam suas unidades práticas da antiga cultura de atendimento a internos, como o excesso de medicação para acalmá-los e agressões.

O retrato feito nesta reportagem mostra que, para este grupo de jovens, a fundação não conseguiu intervir em uma realidade na qual família e escola já haviam falhado. Dos 162 adolescentes, 127 tiveram mais de uma internação ou passagens tumultuadas por agressões a outros internos ou a monitores.

– Durante anos, enquanto fui monitora, me arrependi de ter entrado (na fundação). Diante dos nossos olhos tem um celofane, e tu enxergas o mundo colorido. A Fase te arranca isso. Fica tudo preto e branco – interpreta Débora Perin, hoje coordenadora jurídica da Fase.

Pelo menos 114 daqueles 162 adolescentes voltaram às ruas formados no crime. Antes com rostos e nomes protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – que proíbe a identificação de menores de 18 anos que cometam atos infracionais –, ganharam destaque no noticiário policial. Inscreveram em seus currículos crimes de repercussão. Mataram policiais e crianças, integraram quadrilhas, roubaram carros e assaltaram bancos.

O que, então, em meio a tantas tragédias de responsabilidades coletivas, resgatou poucos deles do abismo da delinquência? O amor dirigido a uma mulher, a um familiar ou a Deus está presente nas histórias de superação que ZH descobriu nesse périplo em busca de ex-internos da CSE.. Quem teve chance de estudo e de trabalho também pode emergir do mergulho na criminalidade.

Um drible nada fácil para meninos que conheceram a violência cedo, como vítimas e como algozes.

A morte alcançou 48 jovens

Amorte de um em cada quatro “combatentes” é o saldo da batalha pela sobrevivência nas ruas do Rio Grande do Sul de 162 adolescentes depois de passarem, em 2002, pela Comunidade Socioeducativa (CSE). Em um conflito bélico entre nações, os números já seriam dignos de um massacre.

Dos 48 mortos, 41 ( 25,3%) tiveram morte violenta. No Brasil, em 2010, entre a população jovem (15 a 24 anos), o percentual de morte violenta foi de 0,08%, segundo dados do IBGE.

A arma mais letal na guerra enfrentada pelos ex-internos foi o crack. A pedra foi o fio condutor para soterrar pelo menos 27 dos 48 mortos, arrastando para a mesma vala jovens que tentavam se regenerar com outros entregues ao crime, condenados a matar, roubar e furtar pelo resto de seus dias para sustentar o vício.

A maioria partiu cedo. Para 43 deles, a sentença de morte veio antes dos 25 anos. Uma pequena parte tombou em confrontos com a polícia ou durante ação criminosa, mas o maior número foi executado a tiros pelas mãos de desafetos, por causa de brigas, dívidas, delações, vinganças ou queimas de arquivo.

A reconstituição das vidas desses jovens revela a gênese da violência. As vítimas nasceram e morreram em ambiente hostil. Mais de 70% delas vieram ao mundo sob o estigma da adversidade. Fruto de relações conjugais conturbadas, só conheceram a mãe ou padeceram com as separações dos pais. E uma parcela significativa carrega um histórico de tragédias familiares. Cresceu chorando a perda de parentes próximos, também fulminados por mortes violentas.

Às famílias restou o pesado fardo da saudade, do sofrimento, de criar quase duas dezenas de órfãos e se resignar com a indiferença das autoridades. Dos assassinatos que exigiam investigação, em menos da metade os responsáveis foram identificados e presos.

Duas das mortes ilustram o quadro de desventura: Marcos Arruda, enterrado como indigente aos 20 anos, em 2004, sem que parentes jamais vissem o corpo. E Gilmar Machado de Souza Junior, 21 anos, que, segundo recado anônimo dado à mãe, foi esquartejado e jogado em um lixão. A família nunca fez registro na polícia.




sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

MENOS CRIANÇA NA RUA

EDITORIAL ZERO HORA 20/01/2012


É visível e muito significativa a redução do contingente de crianças em situa-ção de risco nas ruas da Capital. E não se trata apenas da estatística oficial, que muitas vezes costuma ser mascarada pela autoridade de plantão, interessada em mostrar resultados. O fato pode ser constatado pela população, como atestou esta semana a reportagem deste jornal, percorrendo os mesmos trajetos feitos cinco anos atrás. Na ocasião, em 2006, os repórteres encontraram 14 crianças pedindo dinheiro nas sinaleiras de três artérias movimentadas. Agora, apenas três meninos foram vistos.

Certamente ainda não há o que festejar, pois o próprio órgão municipal encarregado de administrar o problema – a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) – reconhece a existência de 90 crianças nas ruas de Porto Alegre. Mas o resultado do trabalho da própria entidade, conjugado com outros fatores conjunturais, é notável e merece o reconhecimento da sociedade. Se as aparências não enganam, muitos meninos e meninas foram resgatados para uma vida mais digna e produtiva.

A guerra contra o desamparo da infância está sendo vencida pelos programas sociais que garantem renda mínima a famílias carentes e também pela maior oferta de emprego, que ajuda a evitar que adultos recorram à mendicância infantil para aumentar a renda familiar. Porém, tem sido importante a conscientização da população, ao substituir esmolas e doações diretas por contribuições a entidades assistenciais. Neste contexto, é fundamental a participação dos profissionais especializados que fazem o trabalho de abordar crianças em situação de rua, com o propósito de convencê-las a buscar alternativas de aprendizado e lazer disponibilizadas pelo Estado.

A retirada das crianças das ruas, porém, é apenas um primeiro passo na busca da cidadania plena. A caminhada só estará completa quando elas receberem oportunidades efetivas para estudar e para se tornarem cidadãos íntegros e felizes.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

FUNASA - MOTIM, TIROS E MORTES. UMA POR DECAPITAMENTO


Presidente da Funase divulga números oficiais da rebelião no Cabo. Uma ala da unidade foi totalmente destruída, e duas, parcialmente. 11/01/2012 17:18 - GERALDO LÉLIS, do FolhaPE, com PRISCILLA AGUIAR, de Grande Recife

Em entrevista coletiva um dia após a rebelião que deixou várias alas destruídas na Funase do Cabo de Santo Agostinho. O presidente da instituição, Alberto Vinícius, confirmou as três mortes, sendo eles José Mário de Oliveira Filho, de 18 anos, Allan Fraga de Oliveira, 19, e Pedro Henrique de Oliveira, 18. Este último teve a cabeça decepada e o corpo pendurado.

DHPP – O presidente também informou que quatro internos foram encaminhados ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa para prestar esclarecimento.

FUGAS – Durante toda a confusão, houve três fugas, sendo que dois jovens foram recapturados.

CAPACIDADE – A unidade tem capacidade para acolher 166 menores infratores, mas a população na Funase do Cabo era até o momento da rebelião de 367 adolescentes. As 21 unidades do Estado abrigam atualmente 1.496 internos, quando a capacidade é de 852. Em 2011, esse numero chegou a 1.615.

ALAS DESTRUÍDAS – A Ala 01 foi considerada totalmente destruída, enquanto que as 2 e 4 estão parcialmente.

ATENDIMENTOS MÉDICOS – Ao todo, foram 16 internos que receberam atendimentos médicos, sendo que nove foram transferidos para hospitais e um segue internado.

TRANSFERÊNCIAS – Nove reeducandos foram redistribuídos para unidades do Recife, de Caruaru, Abreu e Lima e Petrolina.

Alberto acredita que a ausência do ex-diretor de segurança da unidade, o coronel Severino Leandro, tenha facilitado para que a rebelião acontecesse. O coronel foi afastado do cargo após ser indiciado por maus tratos. Severino estava na diretoria de segurança havia quatro anos. Alberto acredita que o coronel será inocentado.

Segundo Alberto, haverá apuração para saber se houve facilitação por parte de alguém de dentro da unidade. “Eventos dessa natureza geralmente contam com a conivência de algum ente q não é adolescente, e isso será apurado”, declarou.


"A rebelião de terça foi a mais cruel que já vi em seis anos". Revelação é de uma agente. Prédio está completamente destruído.
11/01/2012 21:46 - DANÚBIA JULIÃO, do Portal FolhaPE

Segundo uma agente socioeducativa, que preferiu não se identificar, em seis anos de serviços prestados, a rebelião dessa terça-feira (10) foi a mais cruel já vista por ela. “Eles agiram para chocar, percebe-se pelo fato de terem jogado a cabeça de um dos mortos para o lado de fora da unidade”.

A realidade agora é que a situação interna do prédio e dos internos é crítica, até a enfermaria ficou completamente destruída. Eles ficaram sem luz e muitos sem roupa, devido ao motim e aos incêndios. Também faltava água, que, segundo o Conselheiro Tutelar, Geraílson Ribeiro, estava sendo providenciada na tarde desta terça-feira.

A ala 1 e 2, onde teve início o motim da terça-feira são os mais comprometidos. Todos os internos da ala 1 foram transferidos para a 3; metade dos da ala 2, para a 4. Apenas o pavilhão 5 não se envolveu nos motins.

De acordo com agente socioeducativa, morte estava “anunciada”. Uma das vítimas sairia da unidade em fevereiro. 11/01/2012 21:45 - DANÚBIA JULIÃO, do Portal FolhaPE


Segundo uma agente socioeducativa, que não quis se identificar, uma das mortes dessa terça-feira (10) era esperada . “Eles foram até a ala 6, onde estava Alan Fraga de Oliveira, 19 anos, (um dos mortos na rebelião), na intenção de matá-lo. Eles disseram que fizeram isso porque ele queria ‘tirar o comando do comando’, referindo-se à liderança do reeducando conhecido como Playboy, que foi transferido da unidade há uma semana. Alan estava na ala 6, onde ficam apenas os ameaçados de morte ou que tenham tido algum comportamento errado.

"Naquele dia, haviam 6 reeducandos lá”, disse. Segundo a agente, Alan era um dos garotos que se via a possibilidade de recuperação. Ele foi o único da unidade que recebeu indulto de Natal. Alan seria liberado no mês de fevereiro. Ao saber da sua morte, a mãe do garoto saiu da unidade, desesperada, chorando muito e gritando, amparada pelo tio do garoto. Inconformada, ela dizia que tinham matado o seu filho. Alan foi carbonizado.

REBELIÃO. Motim controlado na Funase do Cabo. Tiros e confusão marcam início da manhã no prédio. 11/01/2012 09:30 - Com informações de DANÚBIA JULIÃO - do Portal FolhaPE - e WAGNER SANTOS - da editoria de Grande Recife

Internos passarão por contagem

O motim dos internos da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) do Cabo de Santo Agostinho, que começou no início da noite de ontem (10), já está controlado. Após o fim da rebelião, na madrugada desta quarta-feira (11), os internos fizeram outra confusão. Por volta das 9h, os familiares, que aguardavam na frente do prédio para entrar no período de visitas, escutaram tiros e explosões dentro do prédio, o que gerou uma confusão também do lado de fora da unidade. Segundo o representante da Funase, não houve nenhuma fuga ou homicídio.

Os reeducandos só se acalmaram com a chegada do ex-diretor da unidade, coronel Leandro. Durante a madrugada, os familiares fizeram virgília esperando alguma novidade sobre os seus parentes. Até o início da manhã, o resultado da rebelião eram três mortos, inclusive, um deles teve a cabeça decepada e jogada para fora do prédio. O saldo de feridos, segundo a Funase, é de seis internos.

Agora à tarde, os familiares se reuniram na frente da Funase para rezar e tentar se tranquilizar. Muitas das mães estavam emocionadas. Os internos vão almoçar e depois passar por um processo de contagem e identificação. Ainda de acordo com esse representante, a situação dentro do prédio é de destruição, até a enfermaria está acabada. Segundo familiares, os reeducandos não gostam da atual diretora, Maria Suzete Lúcio.

Pouco antes das 15h, foi autorizada pelo Conselho Tutelar a entrada de cinco mães e um pai na Funase, para que eles pudessem servir de testemunhas de como está a situação dentro da unidade para os demais familiares. A decisão gerou descontentamento entre os outros pais e mães, que exigem igual permissão. Eles reivindicam informações sobre como estão os adolescentes após toda a confusão e alegam que as pessoas escolhidas não serão capaz de passar a informação de cada interno para familiares respectivos.

Os seis familiares autorizados a entrar confirmaram que não há condições de andar pelas dependências da unidade, pois não há energia, o que dificulta a visibilidade dos internos. Segundo eles, os pavilhões 1, 2 e 4, junto com a administração, estão destruídos. Ainda segundo as cinco mães e o pai que entraram, os garotos afirmaram estar em situação tranquilizada e pediram que os familiares fiquem calmos, para garantir a calma deles lá dentro.

Tranquilizados e sabendo que não poderão ver o parente interno, alguns familiares já deixam a localidade para retornar no próximo dia de visita, que deverá ser confirmado para domingo, como já acontece rotineiramente. A energia da unidade já está sendo restabelecida. Os garotos, por sua vez, estão alimentados e aguardam a chegada de água para beber.

Rebelião – A rebelião dentro da Funase do Cabo de Santo Agostinho durou seis horas e meia. O saldo foi de três corpos carbonizados, sendo um deles decapitado. As vítimas foram José Mário de Oliveira Filho, de 18 anos, Alan Fraga de Oliveira, conhecido como Geléia, de 19 anos, e Pedro Henrique de Oliveira Lima, de 18 anos, que foi decapitado.

Mesmo após o término da rebelião, o clima foi tenso durante toda a madrugada. Centenas de pessoas, entre familiares e amigos, procuravam informações sobre parentes detidos. Até o momento, a polícia prendeu quatro homens suspeitos de liderarem o motim da Funase.

Os suspeitos são Renato Almeida Cruz, de 19 anos, Jonatas Gomes Cabral da Silva, de 19 anos, conhecido como Delesão, Jefferson Fernando da Silva, de 18 anos, conhecido como Chuck, Danilo Berlarmino dos Santos Filho, de 19 anos, vulgo Arroz. Ainda não existe provas que eles tenham envolvimento nos crimes, mas, segundo a polícia, os rapazes serão autuados por danos ao patrimônio.

FUNASE. Segundo dia de rebelião teve bombas e tiros, mas nenhum morto. Motim foi controlado ainda durante a tarde - 11/01/2012 21:40 - DANÚBIA JULIÃO, do Portal FolhaPE

Parentes reivindicavam volta do coronel e reclamavam do tratamento dado pela diretora

Depois de uma noite tensa e violenta, com três mortos, sendo um deles decapitado e os outros dois queimados, os internos da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), no Cabo, voltaram a se rebelar nesta quarta-feira (11), dia de visita, o que acabou agravando a situação. Desde a última terça-feira (10), muitos familiares ficaram de vigília, esperando a entrada na unidade, que aconteceria às 9h, e outros chegaram durante toda a manhã. Eram centenas de pessoas na frente da unidade. Todos entraram em desespero quando viram a entrada dos cerca de 40 homens do Batalhão de Choque da Polícia Militar, por volta das 10h. Era o sinal de mais um motim.

Eles só saíram da unidade por volta das 14h, depois de conter os ânimos dos internos. Antes, ouviam-se os constantes disparos de bombas de efeito moral e balas de borracha. Os reeducandos chegaram a jogar pedras para o lado de fora da instituição, outro conseguiu fugir, mas foi logo capturado e um segundo foi atingido com um tiro no pé quando tentava se evadir. Em mais um dia de rebelião, não foi registrado nenhum homicídio.

A rebelião desta quarta-feira (11) começou porque, com o motim da terça-feira (10), os internos das alas 1 e 2 tiveram que ser redistribuídos e ficaram misturados com os demais, disse um supervisor, integrante da diretoria, que preferiu não se identificar. “Além disso, vivemos uma situação delicada, temos poucos agentes. São, por turno, no máximo, 15. Quando, na verdade, o ideal seriam 25. Além disso, temos uma superlotação. Hoje são quase 400 internos em um espaço que dizem caber 166. Mas, na verdade, para que pudéssemos realizar trabalho de recuperação desses jovens, deveriam ter aqui, no máximo 120”, relatou.

Com a saída da diretora da unidade, Maria Suzete Lúcio, e a chegada do ex-diretor da unidade – retirado do cargo em novembro passado –, coronel Severino Leandro, os reeducandos se acalmaram. Seus parentes reivindicavam a volta do coronel e reclamavam do tratamento dado a eles pela atual diretora. O coronel Leandro permaneceu dentro da unidade durante toda à tarde, e, junto com Conselheiros Tutelares, fez vistorias nas celas para verificar a situação dos internos.

“Fomos verificar se a polícia abusou da força ou tratou mal os meninos. O que vimos foi que eles foram tratados da forma devida e que estão bem. Eles queriam comida e água, porque muitos estavam sem comer desde ontem, e atendemos”, garantiu o diretor da Associação Metropolitana dos Conselheiros Tutelares de Pernambuco, Geraílson Ribeiro. Durante a vistoria, foram encontradas armas artesanais e outros objetos usados com essa intenção, como barrotes. Peritos do Instituto de Criminalística (IC) também estiveram no local para estudar a área dos homicídios.

Movidos pela perseverança e persistência, familiares passaram o dia inteiro com a esperança de ao menos ver o seu parente. Mas, pouco antes das 15h, veio a notícia de que isso não seria possível devido às condições internas da unidade. Então foi montada uma comissão com cinco mães e um pai, para entrar e servir de testemunhas de como está a situação dentro da unidade para os demais familiares. Eles saíram perplexos.

“Não dá para ver ninguém. Os pavilhões 1, 2 e 4 e a administração estão destruídos. Está sem luz. O que vi foi muito sangue pelo chão, tudo queimado, destruído. Cadeiras de mesas quebradas. Grades quebradas. Está tudo horrível. É necessário que a mãe tenha muita força para entrar e ver uma situação dessa. Mas eles estão bem”, disse a doméstica Marilene Maria da Silva, de 38 anos de idade.

Mas, mesmo com o relato dos pais, a decisão gerou descontentamento entre os demais familiares que esperavam para ver seu parente. Eles exigiam igual permissão. Reivindicavam informações sobre como estão os adolescentes após toda a confusão e alegavam que as pessoas escolhidas não seriam capazes de passar a informação de cada interno para familiares respectivos.

No fim do dia, a situação parecia está contornada, mas segundo uma agente penitenciária que preferiu não se identificar, o clima era de hostilidade. “Eles perguntam pela visita. Quando respondemos que não terá, eles perguntam se temos certeza disso, tentando nos intimidar”, informou. A direção da unidade informou que as visitas devem ser apenas no domingo (15), como acontece rotineiramente.

Durante a operação na Funase, foi necessário o reforço no policiamento com soldados da CIPCães. Do lado de fora, tinham duas viaturas do Samu, um caminhão de combate a incêndio e uma ambulância do Corpo de Bombeiros.