Crianças desprotegidas, abandonadas, negligenciadas, sem amor, sem futuro, nos semáforos, vendidas, ao relento, violentadas e dependentes de drogas. Menores infratores depositados em lugares insalubres e inseguros, sem receber tratamento, oportunidades, educação, qualificação e reinclusão social. CADÊ OS PAIS? CADÊ A JUSTIÇA?
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
ACABAR DE VEZ COM A FEBEM
ENTREVISTA. “Quero acabar com a Febem de vez” - ZERO HORA 26/01/2012
Responsável pela Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) desde janeiro de 2011, Joelza Mesquita Andrade Pires, 53 anos, levou pouco tempo para diagnosticar que a instituição que dirige repete os mesmos erros que sepultaram a antiga Febem: excesso de medicação aplicada aos internos, agressões, falta de acompanhamento individual, carência de pessoal e superlotação.
Com a experiência de 20 anos atuando em serviços de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência, a médica baiana, com formação em pediatria, quer instalar na Fase um centro de tratamento para drogadição. Mas a principal meta ela não cansa de repetir: “Quero acabar com a Febem de vez”. A seguir, trechos da entrevista a ZH:
Zero Hora – Por que a Fase falhou com este grupo de 162 ex-internos?
Joelza Mesquita – Tudo falhou. A maioria dos internos vem de famílias excluídas da sociedade, com pais desempregados, de baixa escolaridade, que deixam os filhos à mercê de todo o tipo de adversidade. Mas a responsabilidade é um tripé. É a família, o Estado e a escola, são as políticas públicas que faltam a essa família.
ZH – Onde a família e o Estado falharam?
Joelza – O que todos os governos dizem? Que nenhuma criança pode ficar fora da escola. Ouve-se isso há 20 anos. Mas o fluxo para evitar isso não funciona. Nesse tripé tem a parte da sociedade, que prefere dar dinheiro para o menino na sinaleira. Sabe qual o maior malabarismo? Inserir esses meninos na sociedade.
ZH – Por quê?
Joelza – Porque as pessoas não acreditam na recuperação deles, talvez porque ainda acreditem na escola de bandido que era a Febem. Quando a Febem virou Fase, tinha que ter sido (uma mudança) de dentro para fora.
ZH – Isso não aconteceu?
Joelza – Tem funcionários que acham que foi muito bom mudar (a filosofia de atendimento a infratores), mas alguns outros acham que tem de continuar como antes. Então, acho que a falha é nossa. Hoje, estamos investindo em educação, em profissionalização, ocupando ao máximo o menino. A recuperação vai ser muito maior.
ZH – O que é preciso mudar?
Joelza – Por exemplo, a porta de entrada do menino aqui é o Instituto Carlos Santos. Ele teria que estar adequado do ponto de vista estrutural. Para mim, como gestora promovendo a recuperação desses meninos, fica difícil engolir quatro meninos numa cela só e a existência do atendimento especial (celas isoladas em que os internos são colocados de castigo). Não sei como permitiram que fosse assim, sem iluminação, tirando os colchões.
ZH – É a velha Febem?
Joelza – Sim. Só que ninguém assumia, ia botando para baixo do tapete.
ZH – O que a Fase tem da Febem?
Joelza – A primeira coisa é o espaço físico. Eu gostaria que todas as nossas casas tivessem um quarto por menino, sala de esportes, sala de aula, sala de lazer. O que a gente tem hoje? Numa casa para 40, eu tenho 120. Outra coisa que eu vejo muito da Febem é o atendimento especial (isolamento).
ZH – O problema de excesso de medicação na fundação não é novo.
Joelza – Desde que comecei, o excesso de medicação vem diminuindo. Na primeira visita que fiz à Comunidade Socioeducativa, fiquei impressionada, porque todos os meninos estavam enrolando a língua. E a culpa não é de ninguém, pois o médico prescreveu “se necessário”. Medicados, ficam quietos. É mais fácil. Quero tirar o excesso de medicação, iluminar os espaços, dar acesso à leitura.
ZH – Há muitos focos da Febem?
Joelza – Sim. Quero que os psiquiatras deem um diagnóstico para o menino. Quero saber porque ele precisa tomar remédio. São coisas que ficaram da época da Febem.
ZH – A carência de pessoal interfere?
Joelza – A equipe técnica é para fazer o planejamento individual de atendimento do menino, com a questão da saúde, da educação, do lazer, da convivência com a família. Hoje, a equipe técnica passa mais tempo em audiências. Dizem que não dá tempo de atender individualmente.
ZH _ A Fase trata a drogadição?
Joelza – Não. Privo o menino de liberdade. Enquanto está preso aqui, ele está longe das drogas. Eu trato as sequelas das drogas, a abstinência. Ele fica agitado, agressivo, deprimido, e o tratamento é a medicação para segurar isso, mas não trato a droga.
ZH – Não devia ser tratado?
Joelza – Quero tratar a droga. Montar um centro de atendimento psicossocial aqui dentro para tratamento da droga, porque 90% do meu adolescente é usuário de drogas, e ele mata, ele rouba, ele furta por causa da droga.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Tomara que esta promessa não seja a mesma providência adotada por outros gestores: tocar o nome.
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