Crianças desprotegidas, abandonadas, negligenciadas, sem amor, sem futuro, nos semáforos, vendidas, ao relento, violentadas e dependentes de drogas. Menores infratores depositados em lugares insalubres e inseguros, sem receber tratamento, oportunidades, educação, qualificação e reinclusão social. CADÊ OS PAIS? CADÊ A JUSTIÇA?
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
POR QUE A FASE NÃO SE RECUPERA
MENINOS CONDENADOS. ADRIANA IRION, ZERO HORA 26/01/2012
A Febem foi extinta por ineficiência, a Fase nasceu, mas o tratamento dispensado a recuperar adolescentes infratores segue o mesmo receituário: estrutura física ultrapassada, excesso de medicação, castigos, superlotação e falta de monitores.
Juízes e promotores da área da Infância e da Juventude não se surpreendem com o resultado do levantamento feito por ZH com 162 adolescentes internados em uma das casas da instituição em 2002, no qual 48 morreram, 114 foram condenados e apenas dois não voltaram a ter registros policiais 10 anos depois.
A recuperação de adolescentes, com a estrutura atual e a crescente falta de investimento está fadada a seguir sendo uma exceção. A constatação de que a Febem segue existindo é compartilhada também pela presidente da hoje Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), Joelza Mesquita.
Um dos exemplos dos vícios nefastos da antiga Febem que ainda permeiam as unidades é o excesso de medicação, conforme tem sido constatado por levantamentos mensais da Justiça.
– Tenho dados que me assustam, principalmente quando olho para o resto do país, onde não encontramos adolescentes tão medicados como em Porto Alegre. Existe uso abusivo de medicação como forma de controle de conduta – afirma a juíza Vera Lúcia Deboni, do 3º Juizado da Vara Regional da Infância e Juventude.
Em dezembro, foi detectado que 98% dos internos da Comunidade Socioeducativa (CSE) estavam sob medicação.
– Não temos resposta técnica que nos diga que essa medicação está correta. E a situação também não avança para além da medicação. Pois se tem questão psiquiátrica a ser tratada, que tipo de terapia está sendo oferecida? – questiona Vera.
A falta de um plano efetivo – ou de vontade – para construção de novas unidades e para realização de concurso é destacada como exemplo de promessas que se perdem.
– Todos os governos vão fazer tudo, mas todos não têm dinheiro suficiente para fazer. E as coisas podem ser adiadas e dependem de um governo que entra e leva não sei quanto tempo para tomar pé da situação, porque não são os filhos deles que estão lá internados – avalia o juiz João Batista Costa Saraiva, que atua junto ao Centro Integrado da Criança e do Adolescente.
Juíza diz que investir é opção ideológica
Quanto à eterna justificativa de “falta de recursos”, Saraiva relembra o debate travado no governo passado sobre a venda da área em que está a sede da Fase, na Avenida Padre Cacique:
– Não sei se era a solução adequada. Mas se há patrimônio que não está sendo útil, tem de dar destinação diferente e utilizar esse recurso. Do que adianta eu ter no meu cofre uma pedra preciosa, e meus filhos passando fome e sem poder estudar e eu dizendo: “essa pedra eu não vendo”. A roda não precisa ser inventada, tem de rodar.
Uma das unidades da Fase funciona em um prédio do século 19. A última casa construída data do final do governo Olívio Dutra (PT), sendo que, desde então, mesmo com a mudança do modelo de Febem para Fase, não foi feito concurso.
– Temos casas com modelo prisional, superlotadas e deficiência de pessoal. Isso passa por opção ideológica, ou seja, vão colocar dinheiro nisso ou não? – provoca a juíza Vera.
Coordenadora do Centro de Apoio à Infância e à Juventude do Ministério Público, a procuradora Maria Regina Fay de Azambuja aposta no investimento em educação, esporte e lazer como medida urgente para atender aos infratores privados de liberdade:
– O Estado devia oferecer o que deixou de oferecer antes, mas o faz (dentro da Fase) de forma muito aquém do que está previsto. Minha impressão é de que trabalhamos – inclusive nós, do MP – apenas remendando o que está insuportável. Se os filhos da classe média e rica chegassem à internação, talvez o investimento lá fosse outro.
Para a procuradora, o Estado deveria ter como regra a produção permanente de dados que pudessem avaliar a eficácia do trabalho dentro da Fase e orientar correção de rumos.
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