terça-feira, 8 de outubro de 2013

A MISÉRIA E O ABANDONO, AO LADO DA FOME, SÃO OS SOFRIMENTOS MAIS PÉRFIDOS DA CONDIÇÃO HUMANA

ZERO HORA 8 de outubro de 2013 | N° 17577

PAULO SANT’ANA


Menino de rua
Há incontáveis milhares de meninos de rua em todas as cidades brasileiras.

Posso considerar que fui menino de rua na minha infância. Pelo mesmo motivo por que tantos são meninos de rua: maltratado por meu pai, expulso por ele da minha casa por vezes, noutras fugido de casa com medo de meu pai, o fato é que fui menino de rua durante muitos anos.

Ser menino de rua é uma desgraça. Lembro-me da profunda e sofrida incerteza que tinha sobre meu futuro. É muito triste uma criança não ter futuro.

E mais grave ainda se torna esse infortúnio. Um menino de rua não sabe se terá como alimentar-se durante o dia e não sabe onde vai dormir, pior ainda se houver chuva e frio.

*

Quando me lembro desse terrível destino do qual pude fugir, as lágrimas tomam conta de meus olhos.

Perto do que fui, penso agora, sou muito mais do que eu era. Não sou rico, mas me considero rico por ter sido menino de rua.

Era desastroso não poder voltar à noite para a casa de meu pai. Quando uma criança sente que é indesejada no seu lar, acho que nisso é que reside uma das grandes aflições do ser humano.

*

Dou até um conselho que pode parecer tolo aos meus leitores, mas que para mim tem profundo significado: sempre que um leitor ou uma leitora minha se defrontar com um menino de rua, ajude-o de alguma forma, dando-lhe alimento ou alguma pequena quantia em dinheiro para que alivie sua enorme dificuldade.

No tempo em que fui menino de rua, não existiam as drogas de hoje.

Fatalmente, um menino de rua de hoje apelará para as drogas e mergulhará num ainda mais profundo abismo dificilmente retornável.

*

Já dormi em porões, entre ratos e baratas, sem fósforo para iluminar o meu ambiente.

Já dormi sem cobertas, tendo como travesseiro apenas o chão de terra, nem sei como sobrevivi a esse desterro.

*

A miséria e o abandono, ao lado da fome, são os sofrimentos mais pérfidos da condição humana.

Se já é triste que um homem não tenha amigos, mais arrasador ainda se torna que, sendo criança, não tenha como fazê-los. Isso é a mais desalentadora solidão.

Com esta coluna, pretendo apenas daqui lançar minha homenagem aos meninos de rua, implorar para que possam talvez os meus leitores lançar sobre os meninos de rua que avistem, se é que já não o fazem, seu olhar de piedade e alcançar-lhes por alguma forma uma ajuda, mesmo que signifique materialmente pouco, muito será para esses seres desanimados que vagam pela cidade na busca desesperada por uma mudança para melhor do seu destino.

Até hoje tenho medo das ruas: elas reservaram para mim durante muito tempo um atroz sofrimento.

Foram tempos de atroz sofrimento.

FOCO NAS CRIANÇAS

ZERO HORA 08 de outubro de 2013 | N° 17577

EDITORIAIS



A semana da criança é uma oportunidade para o Rio Grande do Sul recolocar no foco de suas preocupações a proteção à infância. Uma data com tal apelo somente terá real significado se propiciar intervenções substantivas na realidade. E a realidade da população infantil no Estado é preocupante, pelas deficiências crônicas do suporte social e por fatos recentes. Os gaúchos estão se descuidando em relação a um problema de extrema gravidade, caracterizado por agressões e abusos a crianças e adolescentes. De acordo com o Centro de Referência no Atendimento Infantojuvenil do Hospital Presidente Vargas, houve um aumento de 25% nos casos de agressão a crianças em 2013.

É apenas um referencial pequeno no universo estadual, mas deve servir de alerta, porque temos outros exemplos recentes de verdadeira barbárie: os abusos sexuais praticados por dois homens contra um menino de oito anos na zona norte de Porto Alegre, o estupro de uma menina de sete anos na Zona Sul e a agressão seguida de morte de um bebê, também na Capital. Não há, nesses episódios lamentáveis, como recorrer-se à desgastada desculpa de que se trata de problemas eventuais ou localizados. As agressões estão dentro de um contexto de omissões da sociedade e do setor público.

O Rio Grande do Sul é relapso em relação a medidas de prevenção e à estrutura socioeducativa. Como exemplo do descaso, registre-se a vergonhosa negligência governamental na área da educação pré-escolar. As virtudes da pré-escola, como mostram especialistas, não estão apenas na possibilidade de convivência e aprendizado entre as crianças. Estruturas públicas de acolhimento infantil, desde berçários e creches, significam que as crianças estarão menos expostas a toda espécie de riscos e violência enquanto seus pais trabalham. Mas cuidar das crianças é tarefa bem mais ampla que não se restringe apenas aos governos. É, antes, um dever constitucional e moral de todos – família, escola e comunidade.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

ESMOLA FINANCIA O USO DE DROGAS DAS CRIANÇAS DE RUA

FANTÁSTICO Edição do dia 06/10/2013

Pesquisa mostra que esmola financia o uso de drogas das crianças de rua. Em um grande mutirão nacional, 565 crianças foram ouvidas em 10 capitais, no mais profundo retrato sobre meninos de rua já feito no país.



Quantas são? Quem são? Por que elas abandonaram a casa, a família? Você também já se fez essas perguntas diante de uma criança de rua. O assunto é comovente, importante e tema da reportagem especial de Marcelo Canellas.

Acho que viver na rua é você sentir na pele que você não tem mais nada, que você tá no fundo do poço.

Não há uma única grande cidade brasileira que não conviva com essa vergonha.

Saem das suas comunidades e vêm refugiar-se nesse grande campo de refugiados aqui que é o centro de São Paulo.

“Por isso que a gente considera que eles são refugiados urbanos”, explica Lucas Carvalho, psicólogo do projeto Quixote.

Crianças ainda, ou mal saídos da infância, e já sem esperança alguma.

Fantástico: Que que cê acha que vai tá fazendo com 18 anos?
Jovem: Com 18 ainda é de menor ou maior?
Fantástico: Se fizer 18 já é maior. Até 18 é menor.
Jovem: Vai pro presídio.
Fantástico: presídio? Você acha que vai pra lá?
Jovem: Vai, tio. Ó, ou vai para o presídio ou morre!

Por que eles estão na rua?

Fantástico: Você tá com 14 anos, né? Com quantos anos você saiu a primeira vez de casa?
Jovem: Com nove, dez, por aí.
Fantástico: Você lembra como é que foi esse dia?
Jovem: Eu fugi.

Quantos são? Quem são? O que querem?

Fantástico: Você não quer ficar na rua, quer?
Jovem: Não! Quero parar, quero mudar minha vida.

A ONU já falou em cinco milhões. O IBGE nunca contou. O fato é o que o número de meninos e meninas de rua ainda é um grande mistério.

“Nós não sabemos quantas crianças, quem são elas, onde estão”, afirma Manoel Torquato, coordernador da campanha ‘Criança não é de rua’.

Em 2011, o governo pagou R$ 1,5 milhão para um instituto de pesquisa contá-los.

Mas no Maranhão, por exemplo, só acharam 23 meninos. E o número apurado no Brasil inteiro, 23.973, caiu em descrédito.

Fantástico: Não adianta um pesquisador chegar com uma prancheta na mão e fazer perguntas convencionais pra uma criança de rua?

“Não adianta. Os educadores sociais, os técnicos, as equipes que acompanham esses garotos e essas garotas, esses sim conseguem se aproximar”, responde Manoel.

O projeto ‘Criança não é de rua’ preferiu uma pesquisa qualitativa, por amostragem, feita justamente por educadores. Num grande mutirão nacional, 565 crianças foram ouvidas em 10 capitais, no mais profundo retrato sobre meninos de rua já feito no país.

A plataforma digital rua Brasil sem número, validada pela Universidade Federal do Ceará, descobriu que 87 % das crianças e adolescentes de rua são negros ou pardos. E 77% são do sexo masculino.

Quem está na rua, deixa de ir à escola. 11% são analfabetos e 47% não completaram o quinto ano do Ensino Fundamental.

Fantástico: Você sabe ler?
Criança: Não.
Fantástico: Sabe escrever?
Criança: Não.
Fantástico: Você tem documento?
Criança: Não. Vou tirar ainda.

Qual o motivo de ir para a rua?

Seis por cento dizem que é a violência doméstica. 9,8% fogem da miséria. 23% relatam conflitos na família. E 37% são atraídos pelas drogas. As drogas também são o principal motivo da permanência nas ruas para 54% dos meninos. Depois vem os conflitos na família: 18%.

Criança: Uso só quando eu tenho dinheiro. Quando eu não tenho eu não uso não.
Fantástico: E você consegue o dinheiro aonde?
Criança: Ah, eu peço aos outros.

A pesquisa confirma: 53% dos meninos conseguem dinheiro pedindo esmolas. 11%, vendendo mercadorias no sinal.

O que significa que a esmola financia o uso de drogas, pois 63% dos meninos gastam o dinheiro em bocas de fumo. E só 22% comprando comida. Mas a grande surpresa da pesquisa rompe um preconceito.

“A população em geral acredita que esses meninos ou são órfãos, ou foram abandonados pelos pais, ou têm situações graves de violência praticada no contexto familiar. Na verdade são conflitos apenas. Existe uma família ali”, afirma Manoel.

Só 8% são órfãos. 92% têm família. E 77% consideram a mãe a pessoa que mais amam.

Depois vem a avó, com 10% e o pai, com 7%.

Esse dado objetivo mostra claramente a importância da família. Ao contrário do que se pensava, nem todo menino sem casa é um menino sem lar. Existe alguém esperando por ele, existe alguém procurando por ele. Existem laços de afeto que nem a violência, nem a miséria e nem o desinteresse dos políticos conseguem romper.

“Quando eu acordo com o coração muito aflito, que é quando eu levanto e não falo pra ninguém aonde eu vou. Eu saio em busca dele”, conta a mãe de um jovem.

Dez, doze horas por dia, zanzando por São Paulo.

Fantástico: Onde que você procura?
Mãe: Na cracolândia, no meio dos viciados.
Fantástico: Você encontra ele ali?
Mãe: Às vezes, sim.

Mas nem todos os argumentos do mundo evitam mais uma viagem perdida.

“Ele já escapou pelos meus dedos que não dá para segurar mais. Ele já conheceu esse mundo de louco aqui fora”, conta a mãe de um menor de São Paulo.

Mesmo assim, ela voltará amanhã para alimentar a mesma esperança de sempre.

“Que ele desperte, acorde, abra os olhos e fale assim: ‘não, hoje eu vou embora para a minha casa de vez’”, completa.

“Às vezes eu piro, sabe? Às vezes eu fico falando sozinha. Por quê? Eu me pergunto: no que eu errei? O que eu tenho de fazer? Entendeu? Eu fico perdida”, diz a mãe de um jovem do Rio de Janeiro.

Outra mãe já perdeu a conta das noites em claro.

“Ela é menina. Eu não consigo dormir, eu não consigo comer, pensando onde está a minha filha”, lamenta.

Os educadores da Associação Amar estão tentando ajudá-la.

Eles trabalham junto aos meninos que dormem na rua, e tentam convencê-los a voltar para casa.

Mas são muitos os casos em que crianças pequenas são informalmente adotadas por moradores de rua adultos.

“São laços muito tênues, que se rompem muito fácil. Basta acontecer um problema maior”, explica Roberto José dos Santos, coordenador da Associação Amar.

Por isso o esforço de recompor as famílias de fato, que ainda preservam laços de afeto, como o da adolescente que está sendo procurada pela mãe.

Há cinco anos vivendo na rua, a garota de 14 anos diz que não usa mais drogas.

Menina: Eu não tenho vício de nada, eu tenho vício de rua.
Fantástico: Vício de rua? O que é vício de rua?
Menina: É querer, você querer ficar na rua, viver na rua.

Ela acha que vício de rua se perde com a maior paixão:

Fantástico: Se eu fosse jogar basquete, aí eu ia me distrair.
Menina: Ah, esporte?
Fantástico: É. Me distrair com alguma coisa. Porque se eu ficar em casa só, vou pensar nas pessoas da rua, na rua.

O sonho dela é jogar com o ídolo Michael Jordan, o Pelé do basquete americano.

Menina: Pra mim, parece que ele é feliz.
Fantástico: Parece que ele é feliz, né? E você é?
Menina: Não.
Fantástico: Não? Por quê?
Menina: Porque a rua não traz felicidade.

A mãe, artesã que dá duro, mas ganha muito pouco, mora numa comunidade que não tem nem água potável, que dirá quadra de basquete.

“Eles precisam colocar coisas na cabeça desses jovens, entendeu? Um esporte, alguma coisa concreta, entendeu? Alguma coisa concreta”, diz a mãe de uma jovem do Rio.

Há carinho e reconhecimento de parte a parte. E cada uma sabe de seus erros e fraquezas.

“Eu que fui desobediente. Não foi minha mãe. Minha mãe falou pra mim, minha mãe fala. Eu que vou e fujo dela”, confessa uma menor.

“Tudo o que eu preciso é que ela segure mais na minha mão, sabe? Fica comigo. Às vezes eu falo com ela como eu estou chorando agora: ‘fica comigo. Que aqui você está protegida. Aqui eu posso te agarrar e falar: não, aqui ninguém vai tocar em você’”, conta outra mãe.

Talvez a saída esteja nelas mesmo.

Aí está, para os coordenadores da pesquisa ‘Criança não é de rua’, um caso em que um empurrãozinho do Estado teria recomposto a família com facilidade.

“Dado uma atenção maior às famílias, esse motivo de ida para a rua vai diminuir drasticamente. E essa atenção à família não é foco das políticas públicas praticadas hoje”, analisa Manoel Torquato.

As iniciativas de estado têm se restringido ao recolhimento forçado e o envio das crianças de rua
para abrigos mantidos pelas prefeituras.

“Nós não queremos ninguém dormindo nas ruas do Rio de Janeiro. Nós achamos que a rua não é lugar para ninguém dormir, seja criança ou adulto. E a gente quer que as pessoas recebam do poder público uma oferta de solução para esse problema, digna, e que respeite o seu direito”, diz Adilson Pires, Secretário de desenvolvimento social do município do Rio de Janeiro .

O Projeto Quixote, de São Paulo, prefere apostar no convencimento como estratégia de recomposição das famílias. Foi assim que conseguiu algumas vitórias.

“Ele não pensa mais em droga, ele não pensa mais em fugir”, diz a mãe de um jovem.

O garoto fez questão que a mãe conversasse conosco. Ficou ao lado dela durante a entrevista, foi carinhoso o tempo todo, mas ainda mantém a temporada na rua na sombra do silêncio.

Fantástico: Por que você resolveu sair?
Jovem: Não quero falar.
Fantástico: Não quer? Tá bom. Não quer, não precisa falar.

Também não é pra menos.

“Era 24 horas na Luz, procurando ele. Uma vez um usuário ia me furando, do cabo de um cachimbo, porque eu achei ele no meio do usuário”, desabafa a mãe do jovem.

Foram quatro anos de insistência.

“Teve um dia que o pai dele, no Natal do ano passado, o pai dele passou o ano novo na rua, procurando ele, na Luz. Muito Natal e Ano Novo. Ele nunca passava com a gente”, lembra a mãe.

Ficou três meses em uma clínica de desintoxicação. E já está há seis meses sem fugir de casa.

“Sempre eu pedia, né? Meu Deus, para guardar meu filho. E ele me deu ele de volta, agora, são e salvo”, comemora a mãe.

Talvez a solução esteja nas próprias crianças. E em não aceitar mais como normal que elas não vivam a plenitude da infância.

“Não é porque estamos lidando com vidas secas que sejam vidas ocas. As crianças têm, sim, muita potência. Chega do que tá acontecendo, não é mais possível continuar acontecendo o que está”, diz o Lucas Carvalho, do Projeto Quixote.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

NÃO SILENCIAR





ZERO HORA 04 de outubro de 2013 | N° 17573



EDITORIAIS


É alarmante o aumento da violência contra crianças e adolescentes no Estado, evidenciado não apenas por recentes episódios de verdadeira barbárie como também por estatísticas oficiais. Só nos últimos dias, o Estado registrou a morte de um menino de um ano, o estupro de uma menina de sete e o caso de abuso contra um garoto de nove anos. Essa dura realidade é confirmada por estatísticas oficiais como as do Centro de Referência no Atendimento Infanto-Juvenil (Crai), que só neste ano, até setembro, registrou 1.399 ocorrências de agressão a crianças e jovens até 18 anos, quando no ano passado o total havia ficado em 1,5 mil. Um quadro dessa gravidade exige reação rápida e eficaz, não apenas por parte do setor público, mas de todos os organismos da sociedade civil que, de alguma forma, podem contribuir para uma mudança cultural capaz de revertê-lo.

O aumento do número de ocorrências pode ser atribuído, em parte, à maior preo-cupação com o registro de fatos que, até recentemente, tinham repercussão restrita a quatro paredes. A mudança foi acelerada a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da estruturação de uma ampla rede de apoio. As causas, porém, são múltiplas, indo desde a falta de planejamento sobre o número de filhos pretendidos pela família até o envolvimento de jovens e, muitas vezes, dos próprios pais com drogas.

Como a maioria dos atos de violência contra a infância e a adolescência ocorre na casa das vítimas e têm o envolvimento direto de familiares, essa é uma questão cuja responsabilidade não pode simplesmente ser transferida para os organismos governamentais. O enfrentamento precisa envolver profissionais de múltiplas áreas nas quais devem ser buscadas as causas dessas atrocidades, como sociologia, psicologia, economia, política e urbanismo, entre outras.

Seja qual for o caso, o aumento no número de agressões a seres humanos ainda em fase de formação física e psicológica precisa de uma reação à altura, que vá além da indignação e da pressão por pena máxima para os criminosos. Todas as pessoas atentas e responsáveis precisam se unir em favor da causa, pois não silenciar é uma premissa básica para o combate a essa covardia.







quinta-feira, 5 de setembro de 2013

INSALUBRIDADE NUM TERÇO DAS UNIDADES

ZERO HORA 09/08/2013 | 01h25

Estado tem um terço das unidades de internação e semiliberdade insalubres. Relatório do Conselho Nacional do MP não aponta superlotação como um problema do Estado


Case POA 1 é uma das unidades que passa por reformaFoto: Adriana Franciosi / Agencia RBS


Eduardo Rosa


Pelo menos um terço das unidades de internação no Rio Grande do Sul são insalubres, atesta um relatório do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgado nesta quinta-feira. Por outro lado, o índice de superlotação nas casas gaúchas que abrigam adolescentes e jovens infratores não é um problema constatado pelo documento — fica 1,5% acima do limite no que se refere a internação e 40% abaixo quando se fala em semiliberdade.

O estudo Um Olhar Mais Atento às Unidades de Internação e de Semiliberdade para Adolescentes reúne dados coletados por promotores de Justiça em inspeções realizadas entre março de 2012 e março de 2013. Foram visitadas 88,5% das unidades de internação e de semiliberdade para adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas em todo o Brasil.

Em 12 unidades de internação no Rio Grande do Sul, com 734 vagas, foram contabilizados 745 adolescentes e jovens. Quanto à semiliberdade, 101 das 172 estavam ocupadas. O promotor Júlio Alfredo de Almeida, da 8ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude, acredita que o dado sobre superlotação esconde a realidade de falta de vagas em Porto Alegre, uma vez que há sobra em parte do Interior. Almeida destaca, no entanto, que o grande problema do Estado está ligado à infraestrutura.

— O Rio Grande do Sul precisa tomar uma decisão política, de melhorar as unidades e acabar com a violação do que determina a lei. É preciso construir mais unidades. Em Porto Alegre, estão bastante ruins, o que gera insalubridade — afirma, acrescentando que a pior situação é a do Centro de Atendimento Socio-educativo (Case) POA 1, na Vila Cruzeiro, que teve uma rebelião em maio.

Governo do Estado entregará unidades reformadas neste mês

De acordo com a Secretaria Estadual da Justiça e dos Direitos Humanos, R$ 6.459.786,32 foram investidos na área desde 2011, R$ 2.912.698,59 a mais do que entre 2003 e 2010. Entre as iniciativas para melhorar a situação, são citadas as reformas na Unidade de Internação Provisória Carlos Santos, na Capital, e no próprio Case POA I, que devem ser entregues no dia 19. No ano passado, o Ministério Público formalizou à Justiça um pedido de intervenção imediata e de solução definitiva para a superlotação de ambas. O governo estadual também salienta a contratação de 318 servidores (167 estão trabalhando) de concurso realizado em 2012 e a construção de mais quatro casas da Fundação de Atendimento Socio-educativo (Osório, Santa Cruz do Sul e duas na Região Metropolitana, incluindo a zona sul de Porto Alegre).

Conforme o relatório, o sistema oferece 15.414 vagas no Brasil, mas abriga 18.378 internos. Em alguns Estados, a superlotação supera os 300%. Dos 443 estabelecimentos no país, 392 foram visitados — 287 unidades de internação e 105 de semiliberdade. A situação mais crítica no que diz respeito a higiene, conservação, iluminação e ventilação adequadas foi verificada em Roraima, Piauí e Sergipe, onde todas as unidades de internação visitadas foram consideradas insalubres. São Paulo e Ceará apresentaram o melhor quadro: 91,3% e 89,9% foram apontadas como salubres.

— Dos resultados obtidos é possível identificar as linhas de ação prioritárias, de que se devem ocupar, em conjunto, os órgãos que compõem o Sistema de Garantia de Direitos e toda a sociedade, no esforço permanente de tornar efetivo o primado da proteção integral. O quadro aqui revelado representa o Brasil de hoje. E é sobre os jovens de hoje que a sociedade deve estar debruçada — diz a conselheira do CNMP Taís Ferraz, presidente da Comissão de Infância e Juventude, na abertura do relatório.

REBELIÃO NA FASE DE PELOTAS

ZERO HORA 04/09/2013 | 22h14Atualizada em 05/09/2013 | 03h19

Brigada Militar controla rebelião dentro de unidade da Fase em Pelotas, sul do RS. Adolescente teria liberado os internos dos dormitórios do Case e iniciado a revolta antes das 20h


PMs controlaram a rebelião por volta das 22h de quarta-feiraFoto: Jerônimo Gonzalez / Especial


Júlia Otero | Pelotas

A Brigada Militar controlou a rebelião provocada por internos do Centro de Atendimento Sócio-Educativo (Case) de Pelotas, no sul do Estado, por volta das 22h desta quarta-feira. Apesar de inicialmente a corporação ter divulgado que não havia fugitivos nem feridos, a reportagem flagrou um adolescente da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase) chegando ao Pronto Socorro da cidade com o olho esquerdo machucado.

Outro adolescente deixou o Case em ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). De acordo com a direção da unidade, ele sofreu um ataque epilético durante a revista dos PMs, após a rebelião ter sido controlada.

O diretor Tiago Fernandes afirma que a confusão começou após uma revista de rotina — diariamente, dois dormitórios são revistados aleatoriamente. Foram encontradas seis armas de fabricação caseira e pequena quantidade de crack e maconha dentro dos quartos. A partir de então, um adolescente de 17 anos teria roubado de um funcionário as chaves dos dormitórios e liberado 37 internos — outros seis estavam em uma área isolada e não participaram da rebelião.

— Tentei entrar para conversar com eles (adolescentes) e chegar a um acordo. Quando vi que não havia diálogo e só consegui ver fumaça, liberei a entrada da Brigada Militar — disse o juiz da Vara de Infância e Juventude da Comarca de Pelotas, Alan Tadeu Soares Delabary Junior.

Para controlar a situação, foi necessário cerca de 50 policiais militares. A Cavalaria, brigadianos de folga e o Batalhão de Operações Especiais (BOE), que estava no Estádio da Boca do Lobo, na partida entre Pelotas e Lajeadense, foram chamados ao local. Bombas de efeito foram utilizadas.

O motorista Alex Sandro de Quevedo Valadão, 33 anos, reclamou da falta de informação sobre o filho, internado no Case há cinco meses:

— Estou com medo da situação do meu filho. Nos falaram por cima que ele estaria bem, mas informações concretas só amanhã (quinta-feira).


01/03/2013 | 18h52

Adolescentes apreendidos do Centro de Atendimento Socioeducativo de Pelotas faziam necessidades no dormitório, segundo MP. Diretor interino da instituição admite fato e Justiça revela que os menores eram mantidos fechados em seus quartos, sem ir à escola ou ter qualquer lazer


Com a interdição, ficou vedada a entrada de novos menores apreendidos por pelo menos 30 diasFoto: Júlia Otero / Agência RBS


Júlia Otero


O Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Pelotas foi interditado nesta sexta-feira. Os 60 adolescentes em cumprimento de medida no Case de Pelotas faziam as necessidades nos dormitórios em recipientes inadequados, revela o pedido de interdição do local formulado pelo Ministério Público (MP). O próprio diretor interino da instituição, Tiago Fernandes, admite o fato, mas destaca que desde que assumiu o cargo — em 5 de fevereiro — a atitude não ocorre mais.

— O problema é que o banheiro fica em um corredor fora do quarto. Um funcionário tem que abrir a porta toda vez que um deles quer ir ao banheiro e como há poucos funcionários, a situação se complica — revela o juiz da Vara de Infância e Juventude da Comarca de Pelotas, Alan Tadeu Soares Delabary Junior.

O juiz ainda explica que os adolescentes são mantidos praticamente o tempo todo no dormitório: não vão à escola ou têm atividades de lazer. O dormitório, segundo ele, tampouco oferece a opção de assistir TV ou ler um livro.

— Tivemos um motim há 40 dias e desde então estamos com a rotina alterada, pois preciso manter a segurança dos meus funcionários. Mas estamos nos ajustando para tudo voltar ao normal — justifica Fernandes.

Na terça-feira, o juiz fez uma inspeção no local e também constatou que as estruturas do prédio estavam precárias, e havia mais adolescentes no local do que a capacidade permite — 60 para uma lotação de 40 e, ainda, havia falta de funcionários. Segundo Fernandes, há 28 funcionários, quando o ideal, de acordo com ele, é 40.

Por todas as precariedades, Delabary emitiu uma decisão na quinta-feira à noite, cumprida nesta sexta-feira, de interdição do Case. Com isso, nenhum outro adolescente poderá entrar na casa, precisando ser transferido para um Case de outra região. A exceção fica por conta dos adolescentes retidos provisoriamente. Esses poderão ficar no máximo por cinco dias no local e, caso sejam internados definitivamente, terão também que ser deslocados para outro Case. A medida tem caráter preliminar e será reavaliada em 30 dias para ver se a instituição melhorou as condições que oferece.Nota oficial

Em nota oficial, a Fase não se manifestou sobre a hipótese dos internados fazerem as necessidades nos dormitórios. E informou que mantinha um quadro funcional de 60 servidores ativos. Também acrescenta que estão sendo convocados 15 novos funcionários. Com relação à questão estrutural, afirma que várias medidas estão sendo tomadas, como a realização de pintura interna do banheiro, da sala de estar e das alas, além de troca de fechaduras, cadeados e equipamentos de segurança. Sobre a rotina, garante que está reorganizando gradativamente as atividades pedagógicas e profissionalizantes.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

ADOLESCENTES INCENDIÁRIOS PODEM PASSAR 45 DIAS NA FASE

ZERO HORA 23 de agosto de 2013 | N° 17531

EDUARDO TORRES

RECOLHIDOS À FASE. Fogo em escola leva a punição

Nove adolescentes suspeitos de incêndio em Eldorado do Sul foram apreendidos em operação inédita


Com tom disciplinador e inédito em casos de vandalismo contra escolas, a juíza da Infância e Juventude Luciane di Domenico Haas determinou as internações provisórias de nove adolescentes, em Eldorado do Sul. Os garotos foram apontados pela polícia como responsáveis pelo incêndio da Escola Municipal de Ensino Fundamental La Hire Guerra, no bairro Sans Souci, na madrugada de 12 de agosto.

Nas primeiras horas da manhã de ontem, agentes da Delegacia da Polícia Civil de Eldorado desencadearam a Operação Educare. Uma garota de 13 anos e sete adolescentes entre 13 e 17 anos foram apreendidos nas suas casas. Apenas um deles, de 17 anos, jamais estudou na instituição. Todos moram próximo à escola.

– A internação é a única forma de fazer com que os adolescentes repensem suas ações e reflitam sobre a necessária mudança de comportamento – escreveu a juíza Luciane, na ordem que determinou as apreensões.

Não houve resistência mas, durante os depoimentos de mais de 20 pessoas nos últimos dias, nenhum dos envolvidos mostrou arrependimento.

– Era necessária uma reação dura diante da gravidade dos fatos, porque eles se mostraram adolescentes frios – comenta o delegado Alencar Carraro.

A operação não seguiu os moldes tradicionais das ações policiais. Os agentes foram acompanhados por oficiais do juizado e por conselheiros tutelares.

Segundo o delegado, as famílias de dois envolvidos já deixaram o bairro, alegando terem sofrido ameaças:

– São adolescentes de classe média, filhos de trabalhadores. Todos na comunidade se conhecem. Precisávamos ter certos cuidados para proteger essas pessoas de uma reação popular.

Internados provisoriamente na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), os adolescentes poderão ficar na instituição até 45 dias. É o período máximo para que a Justiça encerre o procedimento pelos atos infracionais de incêndio doloso, formação de quadrilha e dano ao patrimônio. Nesta etapa, as condutas de cada um serão individualizadas. E as penas, que podem ir da prestação de serviço à internação, dependerão de uma análise.

Conforme a investigação, a ação se deu por puro vandalismo. Nenhum deles apontou um motivo aparente. Três pavilhões foram arrombados e incendiados. Cerca de 700 alunos ficaram uma semana sem aula. O prejuízo estimado chegou a R$ 1 milhão.

Na madrugada do ataque, dois adolescentes foram apreendidos no local e confessaram participação. Eles apontaram outros dois garotos, também ouvidos horas depois. Mas, de acordo com o delegado Alencar Carraro, nem todas as informações correspondiam ao que a polícia encontrou na escola.



Filho grita com o pai durante o depoimento

A conclusão da polícia é que o grupo se reuniu na noite do domingo, dia 11, para beber em local próximo da casa de um dos suspeitos. Embriagados, dois deles teriam dado a ideia de invadir a escola.

Mesmo negando que os filhos tenham participado, entre os pais houve uma unanimidade: a dificuldade de impor limites aos filhos.

Em um depoimento essa constatação se materializou. Um adolescente gritou com o pai diante dos policiais. Outro, ao receber a intimação em casa para prestar depoimento, mesmo depois da confirmação da mãe de que ele compareceria, deu de ombros: “Não sei se vou”.

– Não é um grupo com histórico de antecedentes policiais. Quem não é aluno da escola, já foi. E eles compartilham de um perfil periférico nesse ambiente. São repetentes, com alto índice de evasão e faltas, além de problemas disciplinares que envolvem até mesmo agressões – diz o delegado Alencar Carraro.

Dois meninos admitiram que, em duas ocasiões, tentaram furtar no bar da escola. O único que não era estudante da La Hire Guerra, de 17 anos, envolveu-se neste ano em um roubo a ônibus, com um disparo, que deixou uma pessoa ferida.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

NOVE MENORES SERÃO RESPONSABILIZADOS POR INCÊNDIO EM ESCOLA

CORREIO DO POVO 19/08/2013 14:14

Polícia responsabilizará nove menores por incêndio em Eldorado do Sul. Fogo destruiu parte da escola La Hire Guerra e prejuízo atingiu R$ 1 milhão



Fogo destruiu parte da escola em Eldorado do Sul
Crédito: Divulgação / CP


A Polícia Civil ouviu na manhã desta segunda-feira o último jovem suspeito de envolvimento com o incêndio de uma escola em Eldorado do Sul na semana passada. A polícia acredita que nove adolescentes, entre 13 e 16 anos, tiveram efetiva participação no ato de vandalismo que destruiu parte da escola La Hire Guerra.

O delegado Alencar Carraro vai encaminhar o procedimento judicial ao Ministério Público de Eldorado, enquadrando os nove por formação de quadrilha, incêndio qualificado e dano ao patrimônio qualificado. Entre as medidas solicitadas por Carraro, está a reparação ao dano destruído que, em uma avaliação preliminar da polícia, atinge R$ 1 milhão. “Foi apenas vandalismo”, acrescentou.

Carraro disse que, apesar das mais de 20 pessoas ouvidas durante esta semana de investigação, a principal suspeita é que os adolescentes tenham destruído a escola sem motivação específica. Conforme Carraro, oito jovens são alunos ou ex-alunos da escola. Entre os adolescentes, dois já têm histórico de tentativa de arrombamento à cantina da instituição de ensino.


Fonte: Gabriel Jacobsen / Rádio Guaíba

SOLTOS NA REDE


ZERO HORA 19 de agosto de 2013 | N° 17527

RÓGER RUFFATO | CAXIAS DO SUL

Descontrole dentro do Case de Caxias. Jovens em cumprimento de medidas acessam a internet no alojamento


Longe dos monitores e sem a ameaça de revistas rígidas, jovens do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) seguem o exemplo que vem dos presídios gaúchos. Eles acessam a internet via celular e se exibem em fotos ou debocham do frágil controle da instituição nas redes sociais. Pior: têm a opção de contato direto e sigiloso com integrantes de bondes e comparsas em liberdade.

Assim, combinam vingança contra desafetos e projetam ações para a hora em que ganharem a liberdade. Um desses internos é um rapaz de 18 anos. Após passagens pelo Case por tráfico de drogas, entre 2009 e 2011, ele ganhou semiliberdade, mas voltou a ser recolhido ao local em julho deste ano, também por envolvimento na venda de entorpecentes. De dentro do Case, o interno mantém a página no Facebook atualizada com recados e fotos.

Os posts são curtidos e comentados por amigos, a quem o adolescente não demonstra arrependimento por se envolver com a criminalidade.

Assim como esse infrator, internos de outras unidades do Estado também se comunicam com o mundo externo via aparelho celular. Na última quarta-feira, um adolescente de 17 anos modificou a foto de capa do perfil no Facebook. Ele cumpria medida em Caxias do Sul por homicídio, mas foi transferido para outra unidade em janeiro deste ano, de onde mantém fazendo as atualizações na rede.

De acordo com o diretor do Case, Cláudio Gonçalves, a instituição tem a meta de padronizar as buscas por celulares:

– Antes, tínhamos dificuldades em fazer as revistas uniformemente por falta de servidores. Com a chegada dos novos socioeducadores, no último mês, poderemos rever esses procedimentos. Vamos intensificar as buscas, principalmente em dias de visitas, quando entra muita coisa.


Monitores com medo das ameaças


Acuados por ameaças recorrentes que chegaram a se concretizar em julho – quando um monitor foi ferido nas costas com arma artesanal por um interno – servidores do Case denunciam o total descontrole sobre o que entra ou sai da instituição. Em 26 de julho, interromperam as atividades em protesto.

Segundo relatos de servidores ao Pioneiro, internos percebem a fragilidade do sistema e tentam fugas.

– Temos encontrado grande quantidade de drogas e celulares com eles. Esse material vem parar dentro do Case por visitas ou é jogado pelos muros. Não temos condições de revistá-los todos os dias – relata um servidor.

Para o juiz da infância e juventude Leoberto Brancher, o acesso de celulares e drogas no Case reflete a pouca vontade dos socioeducadores em manter as revistas constantes.

– Eles (os monitores) não estão fazendo o trabalho direito. Mas essa é uma questão que deve ser resolvida internamente. Como juizado apenas não posso permitir que brigadianos substituam socioeducadores e uma casa para o cumprimento de medidas se transforme em presídio – sustenta Brancher.

Conforme o diretor do Case, Cláudio Gonçalves, a unidade apresentará um plano de ação ao Ministério Público em 30 dias.

Reprodução Facebook

NO FACEBOOK - Alguns comentários, transcritos na linguagem dos adolescentes

- Após postar foto na quinta
“Olha come q nós tamo fikam na fé ai vagabundagem sabe o jeito logo é nós de novo”.
- Ameaça a grupos rivais pelo controle do tráfico, após foto publicada antes de adolescente ser apreendido.
“Manda vim que nois destroi”.

- Na sequência
“hoje mira atira mais amanha vai se alvo so nao deche pra para so quando tive cheio de buraco”

- Sem arrependimento
“Crime finalcia o seu sonho e depois cobra um alto preço mais não da nada é a nossa profisão”

- Desabafo
“Meu pior veneno cunpri a p... da pena mais sei q logo vo sai”

MENORES INFRATORES SÃO ESPANCADOS NA FUNDAÇÃO CASA EM SP


G1 GLOBO TV, FANTÁSTICO 19/08/2013 00h21

Imagens mostram funcionários da Fundação Casa espancando menores
Em uma unidade da Fundação Casa, a antiga Febem, na capital paulista, dois funcionários espancam seis adolescentes com muita violência.




O Fantástico mostrou imagens inéditas e chocantes. Em uma unidade da Fundação Casa, a antiga Febem, na capital paulista, dois funcionários espancam seis adolescentes, com muita violência.

Socos e tapas. Depois, uma sequência de chutes e também cotoveladas. Essa sessão de espancamento é recente. Aconteceu em maio, no Complexo Vila Maria da Fundação Casa, antiga Febem, na zona norte da capital paulista.

“Eu me surpreendi com essa imagem. Me impressionei. Uma imagem muito forte. Eu não tinha visto uma imagem como essa. São agressões físicas, que ofendem também a dignidade”, afirma Matheus Jacob Fialdini, promotor de Justiça da Infância e da Juventude.

As agressões, sofridas por seis adolescentes infratores, aparecem em filmagens, obtidas com exclusividade pelo Fantástico, que você vê no vídeo acima.

“É a primeira vez em 18 anos de atuação, visitando unidades da Fundação Casa, é a primeira vez que eu assisto essas cenas. E isso choca pela covardia com que os torturadores agiram nesses casos”, diz Ariel de Castro Alves, do grupo Tortura Nunca Mais e Movimento Nacional de Direitos Humanos.

Em uma semana, é a segunda vez que a Fundação Casa aparece com destaque no noticiário. A primeira foi segunda-feira (12). Dezenas de internos pularam o muro e chegaram a usar uma árvore para fugir da unidade Itaquera, na Zona Leste de São Paulo. Quarenta e nove jovens conseguiram escapar. Vinte e dois foram recapturados.

No mesmo dia, também houve rebelião na Vila Leopoldina, zona oeste. Somando esses distúrbios em duas unidades, 41 funcionários foram mantidos reféns e oito ficaram feridos.

“Muitas das vezes, o funcionário é vitima de um trauma dentro da unidade. Nós temos trabalhador com transtorno bipolar, trabalhadores com esquizofrenia, trabalhadores com síndrome do pânico”, destaca Júlio da Silva Alves, presidente Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Casa.

O que estaria acontecendo por trás destes muros? A violência - tão comum na época da Febem - estaria de volta, agora na Fundação Casa?

“Que tipo de tratamento, que tipo de medida que a gente está oferecendo para os nossos adolescentes?”, questiona Matheus Jacob Fialdini, promotor de Justiça da Infância e da Juventude.

O Complexo da Vila Maria, onde as agressões foram gravadas, abriga atualmente 521 adolescentes. Para a promotoria da Infância e da Juventude, o ideal seria ter bem menos, cerca de 320.

O complexo é dividido em 8 casas, como são chamados os centros de atendimento socioeducativo. Uma delas é a João do Pulo, onde foram feitas as filmagens das surras que os seis menores levaram. Na unidade João do Pulo, a capacidade é para 40 adolescentes, segundo o Ministério Público. Mas hoje, estão lá dentro 64 jovens infratores, entre 12 e 18 anos, que participaram principalmente de roubos e tráfico de drogas.

Em um vídeo, do dia 18 de maio, dois menores usam telefones celulares dentro da unidade, o que é proibido.

O promotor Matheus Jacob Fialdini faz visitas frequentes ao centro de atendimento João do Pulo e acompanha o processo de reabilitação. "É uma unidade de primários. Eles apresentam um comportamento melhor que em muitas unidades que concentram reincidentes. Uma unidade como essa, em tese, é considerada uma unidade relativamente mais fácil de administrar”, diz Fialdini.

Imagens foram gravadas logo depois de uma tentativa de fuga, no centro de atendimento João do Pulo. É noite de sexta-feira, 3 de maio passado. Na quadra, os jovens ficam sentados, só de cuecas. Wagner Pereira da Silva, o diretor da unidade, acompanha a situação. Ele é formado em direito e seguiu carreira em educação. Perto do diretor, um funcionário repreende os menores pelo motim.

“Exijo respeito e o cidadão vai ser respeitado. Não quero zona na minha casa. Eu estou dizendo a minha parte. Os senhores não estão fazendo a dos senhores”, diz o funcionário.

A direção da unidade deixou registrado, na lista de ocorrências que, nesse dia, nove adolescentes foram capturados antes que conseguissem pular o muro para rua. E que um grupo pôs fogo em alguns objetos.

“Fala a verdade. Você quebrou tudo. Você quer que dê beijo?”, pergunta o funcionário.

O funcionário, que ainda não foi identificado, faz ameaças de matar os menores e levar os corpos ao Instituto Médico Legal. Ele usa a expressão "dar boi", que significa "facilitar".

“Vou falar para os senhores: a mãe dos senhores vai visitar os senhores lá no IML. Lá no IML. Vai visitar no IML, porque eu não vou 'dar boi'. Muitos aí não têm nem a idade que eu tenho de fundação. Senhores, não vai sobrar nada dos senhores”, ameaça o funcionário.

“O que eu percebo hoje são funcionários completamente desqualificados, despreparados, que não recebem uma capacitação permanente”, avalia Fialdini.

A conversa com os jovens continua dentro de um quarto. Depois, em uma sala onde existe um quadro negro, começam as agressões. Primeiro, contra três adolescentes. Numa sequência: um deles leva um tapa e vai para o chão. Outro jovem recebe cotoveladas e socos.

Cerca de 20 segundos depois, as imagens mostram outros três menores apanhando.

“Um rosto de pavor, de medo, de agonia mesmo, com aquele espanto: ‘o que vai me acontecer?’ Com certeza, são ofensas que estão sendo proferidas. Olha o constrangimento: o adolescente acuado, bem no canto da sala”, destaca Matheus Fialdini.

No vídeo, aparecem dois agressores. Eles já foram identificados. São Mauríco Mesquita Hilário e José Juvêncio, coordenadores de área, responsáveis pela segurança no Complexo Vila Maria.

O espancamento durou cerca de cinco minutos. Nas imagens, 20 segundos depois, o diretor da unidade João do Pulo - Wagner Pereira da Silva - aparece do lado de fora da sala.

Ele fica em silêncio por alguns instantes. E vê quando os dois agressores - Maurício e José Juvêncio - falam com um adolescente que tinha acabado de apanhar.

“O que eu vejo: uma sensação de um diretor constrangido, incomodado. Mas até que ponto ele é conivente ou não com esse tipo de prática, só realmente a investigação vai poder apontar”, diz o promotor.

Quanto ao espancamento, o promotor da infância afirma: “É um crime de tortura, é gravíssimo. Isso dá cadeia. A pena é de reclusão. Pena mínima de dois anos de reclusão”.

Na sexta-feira (16), o promotor esteve na Unidade João do Pulo e conversou com vários menores. “O relato deles converge no sentido de que agressões estão sendo praticadas dentro dessa unidade. Eles narraram agressões muito similares a essas que na imagem a gente consegue ver”, afirma Matheus Jacob Fialdini.

O Fantástico mostrou as agressões sofridas pelos seis adolescentes para Berenice Gianella, presidente da Fundação Casa.

Ela relata como viu as imagens: "Repulsa total e absoluta. Isso é uma covardia. Isso é uma agressão gratuita, isso é um ato de tortura que é absolutamente abominável", avalia Gianella.

Berenice Giannella está no cargo desde que a Fundação Casa foi criada, em 2006, para substituir a Febem.

"Isto era o que se via antigamente na Febem. E apesar de serem os mesmos funcionários que já estavam aí antes, a gente fez todo um trabalho para que isso não acontecesse novamente", explica a presidente da Fundação.

Ela diz que uma tentativa de fuga, como a que aconteceu na Unidade João do Pulo, não justifica esse tipo de punição: “A fundação tem instrumentos para punir atos de indisciplina dos meninos. Ele pode até ficar cinco dias no dormitório, só saindo para escola e para as atividades educacionais. Então, não há necessidade e você vê que não é uma situação de confronto”, diz Berenice Gianella.

Na noite de sábado (17), os seis jovens agredidos foram identificados. Por questões de segurança, todas as informações deles - como nome, idade e motivo da internação - serão mantidas em sigilo.

“Nós vamos tirá-los dessa unidade e colocá-los em outro local que a gente possa resguardar a integridade física deles”, garante Berenice Gianella.

Assim que viu as imagens do espancamento, a presidente da Fundação Casa tomou a decisão de afastar dos cargos o diretor da unidade João do Pulo e os dois coordenadores de segurança, que aparecem nas imagens agredindo os adolescentes.

"Vamos também informar o caso à policia para instauração de inquérito policial porque isso se configura crime de tortura. Isso também precisa ser apurado na esfera criminal. Daria como punição demissão por justa causa imediatamente. É que eu não posso fazer isso. Se eu pudesse, eu o faria", ela afirma.

Como são servidores públicos, eles só podem ser demitidos depois de responder a um processo administrativo.

Também já foi afastado do cargo o coordenador de equipe Edson Francisco da Silva, que cuida da segurança na unidade João do Pulo. No vídeo, ele aparece assistindo às agressões e chega a empurrar um adolescente.

O Fantástico tentou falar com os funcionários da Fundação Casa citados nesta reportagem, incluindo o diretor Wagner Pereira da Silva. Mas a assessoria da instituição informou que eles não querem se manifestar.

“Esses funcionários serão, sim, não tenha dúvida disso, serão punidos em todas as esferas: administrativa, civil e criminal. Esses adolescentes serão protegidos”, garante Matheus Jacob Fialdini.

A Fundação Casa atende hoje a 9.236 menores infratores, em 148 unidades espalhadas pelo estado de São Paulo.

“Cada adolescente custa uma média de R$ 7,1 mil por mês. Eles têm psicólogos, assistentes sociais. São quatro refeições por dia. Tem escola, curso de educação profissional, esporte, cultura. E uma segurança que tem que funcionar 24 horas por dia”, destaca Berenice Giannella.

“É claro que nós temos que reconhecer que mudanças ocorreram. Várias grandes unidades foram desativadas e foram construídas pequenas unidades. Mas de qualquer forma, esse vídeo demonstra que nós temos ainda situações extremamente graves que precisam ser enfrentadas pela instituição”, afirma Ariel de Castro Alves, do grupo Tortura Nunca Mais e Movimento Nacional de Direitos Humanos.

Segundo o sindicato que representa os funcionários, 12,4 mil pessoas trabalham na fundação.

“É preciso que o estado invista mais na capacitação, na formação desses servidores e, por que não dizer, uma formação mais técnica. Um treinamento de gerenciamento de conflito, um treinamento de defesas pessoais. Isso é feito de uma forma bem superficial”, ressalta Júlio da Silva Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Casa.

Nos últimos cinco anos, 65 funcionários foram demitidos por agredir adolescentes.

“A formação, a capacitação é dada. Mas, infelizmente, o desvio de caráter não é possível capacitar”, destaca Berenice Giannella.

“Nós temos que lembrar que esse jovem que é torturado vai sair da instituição. Eles podem se vingar de qualquer um de nós, na medida em que eles saem muito piores do que eles entraram”, completa Ariel de Castro Alves.



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

REBELIÃO E REFÉNS EM UNIDADE INFRACIONAL

FOLHA.COM 12/08/2013 - 09h56

Menores mantém 12 funcionários como reféns em rebelião em SP

DE SÃO PAULO


Menores da Fundação Casa deflagraram na manhã desta segunda-feira (12) uma rebelião na unidade Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo. O motim começou por volta das 9h20 após uma suposta tentativa de fuga.

Cerca de 12 funcionários da unidade são mantidos como reféns pelos jovens. Agentes da corregedoria da fundação bem como da superintendência de segurança da unidade estão no local e negociam com os internos.

A unidade da Vila Leopoldina tem capacidade para 150 internos e 100 adolescentes estão no prédio.

Os menores queimaram objetos dentro no pátio da unidade e escreveram frases como "Paz e justiça" no chão. Não há informações sobre feridos.

A Polícia Militar foi acionada e está em frente à Fundação Casa para tentar coibir qualquer possibilidade de fuga dos internos.

Esta rebelião acontece a menos de um mês um outro motim que aconteceu em uma unidade da Fundação Casa, na Grande São Paulo. No último dia 18 de julho, 17 funcionários da unidade Tapajós, em Franco da Rocha, foram mantidos reféns pelos internos. Três deles ficaram feridos.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

UNIDADES INSALUBRES

ZERO HORA 09 de agosto de 2013 | N° 17517

EDUARDO ROSA

JOVENS INFRATORES
RS tem um terço de unidades insalubres. Relatório do MP não aponta superlotação em casas de internação no Estado


Pelo menos um terço das unidades de internação no Rio Grande do Sul são insalubres, atesta um relatório do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgado ontem. Por outro lado, o índice de superlotação nas casas gaúchas que abrigam adolescentes e jovens infratores não é um problema constatado pelo documento – fica 1,5% acima do limite no que se refere a internação e 40% abaixo quando se fala em semiliberdade.

O estudo Um Olhar Mais Atento às Unidades de Internação e de Semiliberdade para Adolescentes reúne dados coletados por promotores de Justiça em inspeções entre março de 2012 e março de 2013. Foram visitadas 88,5% das unidades de internação e de semiliberdade para adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas no Brasil.

Em 12 unidades de internação no RS, com 734 vagas, foram contabilizados 745 adolescentes e jovens. Quanto à semiliberdade, 101 das 172 vagas estavam ocupadas. O promotor Júlio Alfredo de Almeida, da 8ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude, acredita que o dado sobre superlotação esconde a realidade de falta de vagas em Porto Alegre, uma vez que há sobra em parte do Interior. Almeida destaca, no entanto, que o grande problema está ligado à infraestrutura.

– É preciso construir mais unidades. Em Porto Alegre, estão bastante ruins – afirma, dando como exemplo o Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) POA 1, na Vila Cruzeiro, que teve uma rebelião em maio.

De acordo com a Secretaria Estadual da Justiça e dos Direitos Humanos, R$ 6.459.786,32 foram investidos na área desde 2011, R$ 2.912.698,59 a mais do que entre 2003 e 2010. Entre as iniciativas para melhorar a situação, são citadas as reformas na Unidade de Internação Provisória Carlos Santos, na Capital, e no próprio Case POA I, que devem ser entregues no dia 19. No ano passado, o Ministério Público formalizou à Justiça um pedido de intervenção imediata e de solução definitiva para a superlotação de ambas. O governo estadual também salienta a contratação de 318 servidores (167 já estão trabalhando) e a construção de mais quatro casas da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Osório, Santa Cruz do Sul e duas na Região Metropolitana, incluindo a zona sul de Porto Alegre).

Conforme o relatório, o sistema oferece 15.414 vagas no Brasil, mas abriga 18.378 internos. Em alguns Estados, a superlotação supera os 300%. Dos 443 estabelecimentos no país, 392 foram visitados. A situação mais crítica foi verificada em Roraima, Piauí e Sergipe, onde todas as unidades de internação visitadas foram consideradas insalubres. São Paulo apresenta o melhor quadro: 91,3% foram apontadas como salubres.

– O quadro aqui revelado representa o Brasil de hoje. E é sobre os jovens de hoje que a sociedade deve estar debruçada – diz a conselheira do CNMP Taís Ferraz, presidente da Comissão de Infância e Juventude, na abertura do relatório.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O QUE MUDOU EM UM ANO? QUE RESULTADOS PRODUZIRAM O PEDIDO DO MP AO JUDICIÁRIO EM 2012 NA MELHORIA DAS CONDIÇÕES EM 2013?


G1 17/05/2012 13h15

MP pede intervenção do Judiciário em casa de menores infratores no RS. Fase tem unidades de internação e semiliberdade na capital e no interior. Secretário diz que medidas serão tomadas para melhorar as condições.

Tatiana LopesDo G1 RS


Infiltrações causam problemas na estrutura dos dormitórios nas unidades (Foto: Divulgação/MP RS)

O Ministério Público do Rio Grande do Sul entrou com um pedido no Poder Judiciário solicitando intervenção na Fundação de Atendimento Socioeducativo do estado (Fase), com o objetivo de melhorar as condições da casa que abriga adolescentes autores de ato infracional em Porto Alegre. Tecnicamente, o MP pede apuração de irregularidades. Caso seja declarado pelo juiz que o local é irregular, um prazo para a correção dos problemas é estabelecido, com possibilidade de ser fechado parcialmente caso não sejam cumpridos pela Fase e pelo governo.

Imagem mostra a condição de um dos banheiros da Fase (Foto: Divulgação/MP RS)

Em contato com o G1 na manhã desta quinta-feira (17), o promotor Julio Almeida, da 8ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude, disse que o documento enviado para o Judiciário contém vídeos e fotos da casa que mostram, além de más condições, superlotação. "As condições são precárias, tem sujeira, mofo, as janelas não fecham. Tem até quatro adolescentes por quarto, os banheiros coletivos estão imundos, e há infiltração de umidade e urina", relatou.

Uma reunião nesta manhã entre representantes da fase e o promotor trata sobre o assunto. Julio Almeida explica que a medida é progressiva, já que não há como pedir uma intervenção total da Fase.

O documento fixa o prazo de três meses para a correção dos problemas de salubridade e higiene dos banheiros, reforma e reativação do refeitório; higienização, pintura e impermeabilização dos dormitórios (celas), no caso do Centro de Internação Provisória Carlos Santos; e salubridade e higiene dos banheiros, reforma integral e cessação das infiltrações; e higienização, pintura e impermeabilização dos dormitórios (celas) no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case-Poa 1).

O governo do estado, através de informações repassadas por sua assessoria, diz que já tem valores destinados a investimentos nas unidades da Fase.


Posição do governo do estado

O secretário da Justiça e dos Direitos Humanos, Fabiano Pereira, afirmou ao G1que a questão da superlotação da Fase preocupa, e que medidas serão tomadas para melhorar as condições dos abrigos. Segundo ele, o ideal seria a construção de uma nova casa, e é neste sentido que o governo trabalha. "Já temos uma área, e parte do recurso, que é de R$ 5 milhões, que vieram do Ministério da Justiça. As casas custam em torno de R$ 12 milhões, mas já é um auxílio. Esperamos também o recurso de um financiamento internacional com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), de US$ 28 milhões de dólares", destacou.

Além disso, o secretário garantiu que recursos já começam a ser aplicados nas reformas das unidades. Somente para os banheiros, o governo deve investir cerca de R$ 700 mil. "Respeitamos a autonomia do Ministério Público, e estamos trabalhando para mudar a situação", salientou. Conforme Fabiano Pereira, algumas melhorias como pintura de paredes já estão sendo feitas.

A situação da Fase

A unidade Carlos Santos, com capacidade para 60 adolescentes, abriga hoje 127. A casa foi inaugurada em 1989 e serve como local de internação provisória. Dali, os menores infratores partem para outras unidades, estabelecidas após julgamento. Na unidade Case-Poa 1, inaugurada em 1998, existem atualmente 134 adolescentes, onde a capacidade é para 62.

No total, em todo o estado, a Fase abriga 963 adolescentes. Em regime de internação são 873, e de semiliberdade, 90.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

RÉPLICA DE PRISÕES


Unidades para menor infrator são réplicas de prisões, com superlotação e insalubridade, diz MP. Vistoria revela ainda falta de capacitação e de espaço para salas de aula

CAROLINA BRÍGIDO
O GLOBO
Atualizado:8/08/13 - 8h54





BRASÍLIA — Levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) revela que as instituições de internação de menores infratores são réplicas das prisões brasileiras, com altos índices de superlotação e insalubridade, somados à falta de salas de aula e de espaços para capacitação profissional adequados. Também são escassos os locais destinados a esporte, lazer e cultura. Cabem nas unidades do país 15.414 adolescentes, mas hoje os reclusos somam 18.378 — 2.964 a mais, configurando 19% de superlotação. O número excessivo de internos atinge 16 estados.

Grande parte das unidades sequer separa os jovens nas celas de acordo com a faixa etária, compleição física e infração cometida, aumentando chances de conflitos e rebeliões. Segundo o CNMP, pelo menos 13% dos casos de rebeliões estão diretamente associados à estrutura física das unidades.

“Não se pode esperar ressocialização de adolescentes amontoados em alojamentos superlotados, e ociosos durante o dia, sem oportunidade para o estudo, o trabalho e a prática de atividades esportivas. Não admira, então, que o espaço físico insuficiente e a falta de infraestrutura adequada tenham sido indicados como a causa que isoladamente mais propiciou a deflagração de rebeliões nas unidades de internação”, diz o documento.

No Maranhão, 335 jovens detidos onde cabem 73

Das 321 unidades de internação no país, 287 foram inspecionadas (89,4% do total). Também foram visitadas 105 unidades de semiliberdade das 122 existentes (86,1% do total). Considerando jovens em semiliberdade, o sistema mantém 20.081 adolescentes. As visitas ocorreram em março deste ano sob supervisão da conselheira do CNMP Taís Schilling Ferraz, que preside a Comissão da Infância e Juventude do órgão.

A superlotação é mais crítica no Nordeste: há mais de quatro mil internos para um sistema capaz de acolher pouco mais de dois mil. Maranhão e Alagoas são os casos mais graves, com índices de ocupação de 458,9% e 324,7%, respectivamente. As cinco unidades do Maranhão têm 73 vagas, mas abrigam 335 jovens. Nas cinco unidades de Alagoas, era para ter até 154 menores, mas hoje há 500.

“Os espaços que deveriam ser de ressocialização mais se assemelham a presídios e penitenciárias, com altos índices de superlotação, em alguns Estados, e pouquíssimas oportunidades de formação educacional e profissional”, conclui o estudo.

No Rio Grande do Norte, a situação é peculiar. Não há superlotação: das 110 vagas distribuídas em seis unidades, apenas 61 estão ocupadas. Entretanto, as instituições têm estrutura tão precária, que todas estão interditadas pelo Judiciário. Nas regiões Sul e Sudeste, a relação entre número de internos e vagas está equacionada. No Rio de Janeiro, há sete estabelecimentos com 860 vagas, das quais 859 estão ocupadas. No Norte do país, a situação é inversa: na maioria dos estados, há vagas.

Mais da metade das unidades de internação do Centro-Oeste, Nordeste e Norte foi considerada insalubre — sem higiene, conservação, iluminação ou ventilação adequadas. No Piauí, em Roraima e em Sergipe, todas as unidades visitadas foram classificadas de insalubres. No Rio de Janeiro, 71,4% das unidades foram reprovadas. A melhor situação está em São Paulo, com 91,3% de salubridade nas instituições, e no Ceará, com 89,9%.

Também não há separação dos adolescentes por idade, compleição física ou infração cometida, conforme determina o ECA. Apenas 16% das unidades do Centro-Oeste têm este cuidado com relação à idade. No Sudeste e no Sul, 20% dos estabelecimentos fazem a separação etária. No Norte, 32,5%. E no Nordeste, 44%.

As inspeções também encontraram 99 adolescentes internados nas unidades com transtornos mentais graves. O CNMP deu prazo para as unidades retirarem os jovens das instituições e encaminharem para tratamento médico.
CNJ recomenda a cinco governadores fechamento de unidades de internação de menores. Alguns dos 59 locais visitados tinham superlotação e condições insalubres

O GLOBO
Atualizado:24/07/13 - 19h30


Projeto Justiça ao Jovem em Teresina, no Piauí Luiz Silveira/Agência CNJ


RIO - O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou a cinco governadores que desativem unidades de internação de menores infratores em que o órgão constatou superlotação e condições insalubres. Segundo informação publicada nesta quarta-feira no site do Conselho, a recomendação vale para os governos do Distrito Federal, do Piauí, do Amapá, da Bahia e do Espírito Santo.

O CNJ visitou os sistemas socioeducativos estaduais de todo o país em 2012 pela segunda fase do Programa Justiça ao Jovem. Na época, foram encontradas péssimas condições em várias das 59 unidades inspecionadas.

Durante visita ao Macapá, por exemplo, verificou-se que a unidade dedicada à internação provisória de adolescentes do sexo masculino do Amapá (CIP) mantinha, em agosto de 2012, os mesmos problemas apontados no relatório da primeira fase do Justiça ao Jovem, elaborado em 2010: ambiente insalubre, estrutura prisional e ociosidade. Em funcionamento no mesmo prédio que o CIP, a unidade de internação feminina (Cifem) tinha um “ambiente insalubre, abundância de mosquitos e até retorno de água do esgoto, por entupimento em uma das celas”, aponta o relatório.

Com relação ao sistema socioeducativo baiano, as juízas auxiliares da Presidência Cristiana Cordeiro e Joelci Diniz pedem a desativação da Comunidade de Atendimento Socioeducativo (Case Salvador). As magistradas criticaram o aspecto prisional das instalações, onde um pequeno alojamento é usado para todas as internas.

A demolição da Unidade de Internação Feminina (UFI), em Cariacica, no Espírito Santo, foi pedida pelo CNJ em 2010 e reiterada ano passado. Segundo o relatório, a UFI foi a unidade com pior estrutura física entre as que foram visitadas no estado.

“A parte administrativa está situada, em parte, dentro de contêineres, os quais, anteriormente, eram utilizados como alojamentos”, relataram as magistradas.


CNJ: 43% dos jovens internados são reincidentes. Infrações que os levam de volta costumam ser ainda mais graves do que as anteriores

CHICO OTAVIO
O GLOBO
Atualizado:8/04/12 - 23h25

Em Vitória, na Unidade de Atendimento Inicial, encontraram até 84 jovens num lugar para 30 Pastoral do Menor/07-04-2012


RIO - Foram 16 meses de pesquisa, com visitas a 320 unidades e quase duas mil entrevistas, para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) chegar a uma conclusão: quatro em cada dez crianças e adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em estabelecimentos com restrição de liberdade são reincidentes. E as infrações que os levam de volta costumam ser ainda mais graves do que as anteriores. Os casos de homicídio, por exemplo, foram muito mais frequentes na segunda internação, aumentando de 3% para 10%, em âmbito nacional.

Este é um dos resultados da pesquisa “Panorama Nacional, a Execução das Medidas Socioeducativas de Internação”, na qual o CNJ levantou, de julho de 2010 a outubro de 2011, as condições de internação de 17.502 jovens em conflito com a lei. Entre os adolescentes entrevistados (pouco mais de 10% do total), 43,3% já haviam sido internados ao menos uma outra vez. O percentual é ainda maior quando levados em conta os 14.613 processos de execução de medida socioeducativa, também analisados pelos técnicos do Conselho: há registros de reincidência em 54% dos casos.

O levantamento, feito pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ, exibe um retrato completo desse jovem. Famílias desestruturadas, defasagem escolar e relação estreita com substâncias psicoativas estão entre os traços marcantes desse perfil. Embora o percentual de analfabetos seja pequeno (8% do total), 57% dos jovens entrevistados declararam que não frequentavam a escola antes de ingressar na unidade.

Uma vez internado, o jovem encontra pouco estímulo à reinserção social. O sistema está operando acima da capacidade. E a superlotação não é o único problema. O apoio psicopedagógico, considerado pelo CNJ imprescindível para o acompanhamento de déficits de aprendizagem, foi constatado em apenas 24% dos estabelecimentos. Para complicar a situação, há relatos de castigos e agressões: 28% dos entrevistados declararam ter sofrido algum tipo de agressão física por parte dos funcionários, 10% pela Polícia Militar, após o ingresso na unidade, e 19% afirmaram ter sido alvo de castigo físico durante a internação.

Abusos sexuais em 34 unidades

A pesquisa revela ainda que, nos últimos 12 meses, pelo menos um adolescente foi abusado sexualmente em 34 estabelecimentos. Há também registros de mortes de adolescentes que cumpriam medidas socioeducativas em 19 unidades. Além disso, sete estabelecimentos informaram a ocorrência de mortes por doenças preexistentes, e dois registraram suicídios.

O objetivo do CNJ, ao esquadrinhar as 320 unidades do país, foi elaborar diagnósticos e orientar políticas públicas para o setor. Pelo estudo, é possível saber também que a maioria dos adolescentes cometeu o primeiro ato infracional entre 15 e 17 anos (47,5%). Mas em 9% dos casos, o delito ocorreu ainda na infância, entre os sete e os 11 anos. Como a idade média do entrevistados era de 16,7 anos, os pesquisadores constataram que, considerando-se o período máximo de internação, boa parte dos jovens infratores alcançaria a maioridade civil e penal durante o cumprimento da medida.

Mas o que leva esses jovens à perda da liberdade? O levantamento do CNJ revela que roubo é o ato infracional mais cometido, representando 36% do total, seguido de tráfico de drogas (24%) e de homicídio (13%). O roubo obteve o mais alto percentual no Sudeste (40% dos delitos praticados). O crime de homicídio apresentou-se expressivo em todas as regiões do país, com exceção da Sudeste, onde esse delito corresponde a 7% do total. Nas regiões Sul, Centro-Oeste, Nordeste e Norte, o percentual varia de 20% a 28% (Norte). No Norte, os homicídios representam 28% do total de casos.

A respeito das relações familiares, os dados obtidos, mesmo que não surpreendam, são eloquentes. Dos entrevistados, 14% têm filhos. Sobre as relações em família, 43% declararam ter sido criados apenas pela mãe, 4% só pelo pai, 38% por pai e mãe e 17% pelos avós. Aproximadamente 75% faziam uso de drogas ilícitas, sendo esse percentual mais expressivo na Região Centro-Oeste (80,3%).

Na análise do número de evasões, um dado alentador: o Sudeste, com o menor percentual de evasão do país (3%), é justamente a região com maior oferta de atividades externas aos jovens internados.


‘Aquilo não educa, não muda, não faz ninguém crescer’. No Nordeste, superlotação contribui para descumprimento de medidas socioeducativas

ADRIANO MUNIZ
LETÍCIA LINS
BRUNO DALVI
O GLOBO
Atualizado:8/04/12 - 23h25


FORTALEZA, CABO DE SANTO AGOSTINHO (PE) E VITÓRIA - Ao analisar a taxa de ocupação das 320 unidades destinadas a jovens em conflito com a lei no país, a pequisa do CNJ constatou que não cabe mais ninguém no sistema, pois elas estão com uma lotação de 102%. A situação mais grave é a do Nordeste, com seis estados acima do limite: Ceará (221%), Pernambuco (178%), Bahia (160%), Sergipe (108%), Paraíba (104%) e Alagoas (103%).

No Ceará, cinco das nove unidades da capital estão superlotadas. O caso mais crítico é o do Centro Educacional Patativa do Assaré. São 145 interno para 60 vagas, segundo a Secretaria do Estadual do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS). Para o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, a situação prejudica a recuperação dos adolescentes.

— As medidas socioeducativas acabam não sendo cumpridas porque o interno não tem o acompanhamento que deveria. Temos conhecimento que, em alguns centros, não há aula todos os dias. Outros têm, mas com a carga horária reduzida. Isso também é reflexo da superlotação — denuncia a assessora jurídica do órgão, Nadja Furtado.

Se em Fortaleza falta espaço, nas cinco unidades do interior há sobra: são 42 internos para 160 vagas. Vale ressaltar que 30% dos internos da capital vêm de outros municípios. Segundo a STDS, há uma “cultura” de enviar os infratores para Fortaleza, em vez de encaminhá-los para unidades do interior próximas à cidade onde aconteceu o delito.

Em Pernambuco, onde existem 1.430 internos ocupando 852 vagas, o quadro é grave. No Centro de Atendimento Socioeducativo do Cabo de Santo Agostinho, a 41 quilômetros da capital, por exemplo, três internos foram assassinados durante um motim, em janeiro último. O presidente da Fundação de Atendimento Socioeducativo, Alberto Nascimento, reconheceu, à época, o drama e disse que, após às 18h, imperava no local “a lei do cão”.

Relatório recente da Associação Metropolitana de Conselheiros e Ex-Conselheiros Tutelares de Pernambuco aponta problemas na Santo Agostinho, como atendimento médico e odontológico precários, comida de péssima qualidade e alojamentos úmidos. Na última quarta-feira, havia no local 340 internos comprimidos em 166 vagas

O documento relata ainda que, na Abreu e Lima, a 18 quilômetros de Recife, existem 311 internos em ambiente com capacidade para 98. Acusa uma “estrutura de espantar”, esgotos mal vedados de onde saem “baratas, ratos e escorpiões”, além de castigos e entrada de drogas com ajuda de agentes.

Alecsandra da Silva sabe o que é isso. Ao descobrir que o filho estava envolvido com o tráfico, resolveu denunciá-lo, acreditando que ele mudaria de vida. Nunca se arrependeu tanto:

— Lá na Abreu e Lima, ele apanhou muito e sofria ameaças dos agentes, que acobertavam o tráfico. Saiu pior do que entrou e foi assassinado após ganhar a liberdade. Aquilo não educa, não muda, não faz ninguém crescer — desabafa ela, que fundou uma associação para denunciar os abusos.

O governo de Pernambuco prometeu abrir 600 vagas, e Conselho de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente aprovou um plano de reordenamento do sistema socioeducativo.

No Espírito Santo, segundo o Instituto de Atendimento Socioeducativo, não há superlotação: são 655 internos para 882 vagas. Mas nas unidades de primeiro atendimento o quadro é desolador:

— O problema está na unidade onde os menores têm o primeiro atendimento — alerta o coordenador da Pastoral do Menor, padre Xavier Paoliello.

No último domingo, uma comissão de direitos humanos fez uma vistoria na Unidade de Atendimento Inicial (Unai), em Vitória, e encontrou as celas superlotadas, com menores algemados uns aos outros. Fotos mostravam 84 adolescentes num espaço que comporta, no máximo, 30.

Secretário de Estado da Justiça, Angelo Roncalli condenou o uso das algemas e abriu sindicância sobre o caso. Ele diz reconhecer os problemas, mas afirma que a superlotação é pontual e promete uma nova unidade até o fim deste ano.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

SAÚDE MENTAL DOS INFRATORES

ZERO HORA 05 de julho de 2013 | N° 17482

SAÚDE MENTAL. Fase é pressionada a criar área para tratar infratores

Por descumprir determinação judicial, MP pede afastamento provisório da presidente da fundação


BRUNA VARGAS

O pedido de afastamento provisório da presidente da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), Joelza Mesquita Andrade Pires, por descumprimento da decisão judicial que determinava a implantação de programa para atendimento de adolescentes com doenças mentais graves até maio deste ano acionou um alerta na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Além de provocar a ação do Ministério Público contra a dirigente, o descumprimento da medida acumulou uma multa de R$ 24 milhões, cujo valor poderá ser aplicado no programa.

– O tratamento adequado é obrigação do Estado e direito do adolescente. Se o dirigente não atende (à decisão), uma das medidas é seu afastamento. Existe a possibilidade de abono desse valor após o cumprimento da determinação. Caso a multa seja mantida, o valor deverá ser utilizado para a implantação do programa – disse o promotor Júlio Almeida.

A Justiça determinou que a Fase instituísse um programa para atendimento de adolescentes com doença mental ou transtornos psiquiátricos, com atendimento individual e especializado, em local adequado, com a criação de novo espaço físico ou com a adequação de locais existentes nas unidades de Porto Alegre. O pedido do promotor dá prazo de 10 dias após a citação para que Joelza apresente proposta para adequação da Fase à decisão judicial. O secretário Fabiano Pereira disse que a determinação deverá ser cumprida nas próximas semanas:

– É uma ação de 2004. Naquela época, o MP agiu bem, pois não existia nada na Fase para atuar neste sentido, e começaram a chegar, também, os primeiros internos usuários de crack. Hoje, os internos vão ao CAP (Centro de Atenção Psicossocial) e têm o Programa Individual de Atendimento, que já conseguiu redução da medicalização em muitos casos. Mas vamos cumprir a decisão judicial.

Segundo Pereira, a Fase estuda a utilização da Ala D da Comunidade Socioeducativa (CSE) para a implantação do espaço determinado pela Justiça. Procurada por ZH, Joelza disse, por meios de sua assessoria de imprensa, que deverá se manifestar apenas após a notificação judicial.


Modelo de atendimento é criticado por entidade

A implantação de um programa para tratar infratores com doenças mentais graves é questionada por entidades como o Conselho Regional de Psicologia que, em janeiro, divulgou em seu site uma carta de repúdio à decisão judicial. De acordo com a presidente da entidade, Loiva dos Santos Leite, profissionais da área entendem que a criação de um espaço específico para atender esses adolescentes agravaria o estigma com o qual já sofrem os internos da Fase.

– Existe um grupo de trabalho que congrega várias entidades discutindo alternativas a esta decisão. Avaliamos que a criação de uma instituição dentro da instituição não favorece o cuidado desses jovens nem leva a sociedade a pensar estratégias de inclusão – defende Loiva.

Por meio de nota, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos demonstrou contrariedade com a decisão. O texto sustenta que a medida contraria uma lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e recomendações dos órgãos representativos da psicologia e da psiquiatria, além de ferir dispositivos da lei antimanicomial. Ao criticar o modelo de tratamento de saúde mental determinado pela Justiça, a nota divulgada pela secretaria utiliza termos como “segregação e isolamento” para definir o espaço destinado ao atendimento de adolescentes com transtornos psiquiátricos em unidades da Fase.

A implantação do Programa de Atendimento Individual foi uma das tentativas da secretaria de ação alternativa à determinação judicial, apresentada e rejeitada durante o processo.

Antropóloga aponta risco de duplo estigma

Doutora em antropologia social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Patrice Schuch acredita que o problema desses internos deveria ser tratado fora da instituição.

– O adolescente que passar por esse programa terá de lidar com dois estigmas: o de infrator e de louco. Profissionais de saúde mental já procuram realizar este tipo de tratamento privilegiando vínculos, junto à comunidade. O modelo sugerido para a Fase hoje não é o único existente para que os adolescentes possam receber este atendimento.


terça-feira, 4 de junho de 2013

OS JOVENS NO MERCADO DAS DROGAS

O SUL, 04/06/2013

WANDERLEY SOARES

Em minha torre, este tema só entra em pauta com a eliminação da hipocrisia


A atração dos jovens e, em escala crescente, também das mulheres de todas as idades, pelo tráfico de drogas, é simplesmente mercadológico.

A procura dos produtos é intensa e os consumidores existem nas mais diferentes faixas de poder aquisitivo.

Nem tanto de forma velada, alguns setores da mídia, contando até mesmo com uma discreta desatenção de autoridades, promovem eventos onde as drogas são tão consumidas como o ar que se respira.

O lucro é fácil e irrecusável até mesmo para a classe média.

Acrescente-se a isso que sobre os jovens recai, com gravidade, os fracassos dos governantes na política da educação. Sobre os riscos que correm os traficantes - que estão na faixa de viver ou morrer - há o detalhe, nem sempre anotado, de que todo o jovem se considera imortal.

Em minha torre, só é aceita a discussão sobre este tema se, como ponto primeiro, for eliminada a hipocrisia



segunda-feira, 3 de junho de 2013

TRIPLICA O NÚMERO DE INTERNOS POR TRÁFICO

ZERO HORA 03 de junho de 2013 | N° 17452

PERFIL DA FASE


O número de adolescentes internados na Fundação de Atendimento Socioeducativo por envolvimento no mercado de entorpecentes cresceu 192% de março de 2008 até o mesmo período deste ano


Um fenômeno semelhante ao percebido nas cadeias gaúchas se repete dentro das unidades da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase): o aumento brusco, em poucos anos, de internos envolvidos com o tráfico de entorpecentes.

O número de adolescentes internados cumprindo medida socioeducativa por envolvimento com a venda de drogas cresceu 192% entre março de 2008 e março dete ano, segundo dados da Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos. No mesmo período, o total de internos da Fase caiu 19,3%.

Para especialistas e autoridades, o aumento está relacionado à penetração do mercado ilícito em comunidades pobres que mudou também a situação nos presídios. Conforme dados da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), no final de 2008, um em cada três (33%) detentos estava na cadeia por tráfico. Em junho de 2012, o número chegou a 60% do total de presos.

– O tráfico recruta adolescentes para funções na ponta da rede. Além de vender entorpecentes, eles são responsáveis, muitas vezes, pelas execuções de integrantes de grupos rivais – explica o delegado Heliomar Franco, coordenador de investigações do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfco (Denarc).

Se mantida a tendência, em breve o tráfico será a principal causa de internação de adolescente. Em 2008, era o quinto motivo, agora já é o segundo, perdendo apenas para o roubo. Apesar de continuar no topo da lista, no entanto, o crime contra o patrimônio com uso da violência segue caminho inverso: hoje são 354 internos na Fase contra 538 em 2008, redução de 34%.

– Penso que exista uma certa migração do roubo para o tráfico, pois o adolescente acredita correr menos risco e o resultado em termos de ganhos é mais previsível – acredita o juiz Angelo Furian Pontes, que atua no projeto Justiça Instantânea no Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca).

O índice se torna ainda mais expressivo quando se leva em consideração o fato de que o Judiciário gaúcho tem seguido uma orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que desaconselha a internação do adolescente na primeira vez que for flagrado vendendo drogas. Com exceção de casos onde o adolescente está envolvido também em outros atos infracionais, como porte de arma, os magistrados tendem a se guiar pela súmula 492 do STJ, de agosto do ano passado. A adoção da súmula freou o ritmo de crescimento de internos por tráfico, que chegou a 226 adolescentes em abril do ano passado.

– Damos uma chance para ele pensar no que está fazendo. É um divisor de águas. Explicamos que, na próxima vez, ele será internado, no mínimo, por 45 dias – explica Pontes.

Um perfil cada vez mais juvenil

Convicto de que o tráfico se tornou uma opção ilícita de renda em comunidades da periferia, o magistrado explica que a maioria das audiências que conduz com infratores é por envolvimento no comércio de entorpecentes. Na segunda-feira passada, por exemplo, das 20 audiências com adolescentes, oito eram por suspeita de tráfico, duas por posse de entorpecentes e duas por homicídios relacionados a disputas por bocas de fumo.

– A primeira vez que chegam aqui, eles parecem não ter muita noção do que está acontecendo. Acreditam no “não vai dar nada” – conta o juiz.

Mesmo sem uma estatística precisa, o magistrado estima que boa parte dos adolescentes acaba retornando à sala de audiência meses depois. Em alguns casos, envolvidos com crimes mais graves como homicídios.

– A maioria dos casos de homicídios cometidos por adolescentes é relacionada à disputa entre quadrilhas – conta o juiz.

O dia a dia do magistrado indica ainda o perfil cada vez mais juvenil dos cooptados pelo tráfico. Segundo o juiz, são adolescentes pobres que abandonaram a escola com idades entre 14 e 15 anos, alguns portando armas:

– Um garoto de classe média, quando para aqui (unidade da Fase), é, geralmente, por bullying. E mesmo assim é um em cada 50, 60 infratores. Adolescente no tráfico é um problema de segregação social – avalia o magistrado.

A posição é compartilhada pelo professor do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), Juan Mario Fandiño Mariño. Segundo o doutor em Sociologia, o tráfico acaba por oferecer a adolescentes excluídos uma oportunidade ilícita de ganhos.

Com isso, o narcotráfico teria se tornado o principal impulsionador da criminalidade nas últimas duas décadas no Brasil.

Para o professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) Rafael Canterji, o crescimento no número de internações por tráfico indica que a estratégia de combate ao narcotráfico não é a mais correta.

– O Estado permaneceu inerte por anos, permitindo que a criminalidade ocupasse os espaços físicos e preenchesse a vida dos jovens. Reverter a situação demandará investimentos sociais cujos resultados podem demorar a aparecer, mas não há alternativa. Quanto mais insistirmos apenas em repressão, mais espaço perderemos e mais violência geraremos – avalia.

FRANCISCO AMORIM



Um programa que ajuda a reduzir retorno para a unidade


Por trás da queda de 19% no número de internos da Fase está a combinação de duas medidas. Uma judicial – a adoção da súmula do STJ que sugere a não internação no primeiro flagrante por tráfico – e outra de acompanhamento após a internação.

Criado durante o governo de Yeda Crusius, o programa de acompanhamento de egressos da fundação foi ampliado pelo atual secretário da Justiça e dos Direito Humanos, Fabiano Pereira. A proposta é simples: ao terminar o tempo de internação, o adolescente pode optar por continuar sendo acompanhando pelo Estado por mais um ano.

– Neste período, ele tem a chance de fazer cursos profissionalizantes e trabalhar como aprendiz, por exemplo. Ele ganha metade de um salário mínimo, descobre que pode ter um futuro diferente – explica o secretário.

Além do trabalho, ele continua recebendo atendimento psicossocial durante o período.

– Todo mundo que retorna para casa, quer retornar bem. Tem de estar com a autoestima alta, com boas perspectivas de futuro. No caso dos envolvidos pelo tráfico, eles precisam ter uma alternativa viável, concreta de trabalho – ressalta Pereira.

Chance de livrar jovens do crime

Os resultados chamam a atenção. Dos adolescentes que aceitam ser acompanhados neste programa, apenas 9,5% voltam a cometer atos infracionais. O índice, geralmente, oscila no Brasil, ficando entre 70 e 90%.

A aposta na ideia é bem vista pelo professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) Rafael Canterji:

– Começamos a ter oportunidade de retirar jovens da criminalidade quando o Estado neles investir. Os resultados aparecem, nem sempre em curto prazo, mas não há outra alternativa – argumenta o professor.

sábado, 1 de junho de 2013

A DISCUSSÃO DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

CONGRESSO EM FOCO 31/05/2013 07:20


“Propugno um conjunto de medidas cujo foco de intensidade deve ser reduzir a violência e dar mais segurança ao cidadão nas ruas e em casa. E também fazer com que todos assumam as responsabilidades e consequências de seus próprios atos”

POR ALFREDO SIRKIS |


A Rede travou essa semana um intenso debate sobre a questão da redução da maioridade penal. Participei dessa polêmica com uma posição considerada por alguns “conservadora”. Não me surpreende o adjetivo que naturalmente recuso. Venho defendendo há muito tempo uma posição radicalmente crítica à leniência brasileira com a criminalidade violenta. A noção do bandido como “vítima da sociedade”, por cujas injustiças devemos todos pagar por submissão a essa violência enquanto tentamos “reeducar” os criminosos.

Defendo o fim da “progressão de pena” e penas longas sem remissão para autores de crimes violentos. Por outro lado defendo que delitos sem violência sejam prioritariamente tratados com penas alternativas e sou favorável a legalização controlada das drogas – de forma internacionalmente concertada — para quebrar a logística dos cartéis e do narcovarejo armado, e esvaziar as prisões de traficantes sem violência, ao acabar com a figura do traficante. Não tenho ilusões, parte migrará para outros delitos e se forem de violência devem ser punidos com longas penas e prisão.

Finalmente: que a função primordial da prisão não é “punir” muito menos “vingar a sociedade” nem – embora isso seja um objetivo importantíssimo - “recuperar” ou “reeducar”. Para mim a sua prioridade absoluta é proteger as pessoas da violência mantendo os perigosos fora de circulação.

Também venho defendendo uma reforma radical das polícias com a dedicação exclusiva e o fim da profissão como “bico” induzido pelos baixos salários junto com as “escalas de serviço” que levam o policial a trabalhar apenas uma ou duas vezes por semana, na polícia.

Não tenho autorização dos que comigo polemizaram para reproduzir os seus textos e nem tudo que foi polemizado na Rede deve ser publicamente divulgado pois pode dar lugar a distorções e explorações malévolas como as que temos sofrido. Vou reproduzir minhas posições na discussão contextualizando o tópico ao qual se referem, na forma de entrevista.

Você votará a favor da redução da maioridade penal?

Não sou favorável à proposta de baixar a maioridade penal, neste momento.

Mas fique claro: não é porque seja moralmente contrário ou porque ache que ela constituiria um terrível atentado aos direitos humanos ou algo que o valha, mas porque de forma prática me parece um caminho ineficaz para o que considero a prioridade: reduzir a criminalidade violenta e os riscos enfrentados pela população.

Moralmente, penso que todos temos direitos e deveres e se existe o direito de voto aos 16 anos também podemos perfeitamente sermos criminalmente responsáveis aos 16 anos. Em outro países democráticos há limites mais baixos ou outras formas de tratar a criminalidade violenta de menores e nem por isso são países menos democráticos ou respeitosos dos direitos humanos que essa nossa terra do faz-de-conta chamada Brasil.

A questão para mim não é tanto da maioridade penal mas de medidas que isolem os menores violentos das suas vítimas em potencial, protegendo-as. Isso pode ser obtido ampliando os prazos de internação para além dos atuais três anos em situações de comprovada periculosidade.

Mexer agora na maioridade penal é contraproducente e de difícil implementação. Haverá uma interminável discussão no STF se trata-se de “clausula pétrea” da Constituição ou não.

Penso que não vai ao cerne da questão que é a criminalidade violenta. O que estou afirmando da forma mais enfática e brutal possível é: quem assalta de forma reincidente, mata, estupra, deve ficar longos anos impedido de continuar fazendo-o e isso se aplica também, embora de forma diferenciada, aos menores de idade que o façam. Defendo, portanto, novos mecanismos incorporados ao próprio Estatuto ampliando o tempo de detenção para uma pequena minoria de menores violentos que cometeram crimes graves como os que menciono acima.

Esses que são muito perigosos precisam ser mantidos fora de circulação por períodos superiores aos atuais três anos. O critério não é punitivo, é defensivo. Estou me referindo aos menores que representam uma ameaça direta e imediata porque repetidamente assaltaram a mão armada, mataram, estupraram ou feriram pessoas inocentes.

Afirmam que esses seriam apenas 1,5% ou 0,9% dos menores infratores. Ok, então fique claro que me refiro especificamente a estes. É indispensável a criação de um mecanismo capaz de mantê-los presos porque sua periculosidade é, de fato, altíssima. A probabilidade de um deles te matar durante um assalto é muito maior do que isso acontecer com um bandido experiente. Atualmente eles voltam rapidamente às ruas da forma porque na doutrina vigente se assume que a “sociedade” é culpada e deve que ser submetida a eles enquanto tenta “reeduca-los”.

Enquanto permanecem isolados eles devem receber a melhor assistência para a recuperação que se possa se dar mas não essa tolerância culposa, moralmente covarde, que lhes permita voltar rapidamente às ruas para fazer mais do mesmo. Fique claro: se eu tiver que escolher entre um deles ficar mais anos fora das ruas ou alguém correr o risco de ser vítima de latrocínio, prefiro a primeira hipótese.

Dirão: “As instituições que temos não conseguem recuperar!” Bem, as prisões para os maiores de idade também não e nem por isso vamos botar os assaltantes, estupradores e assassinos de volta na rua. Concordo que os atuais sistemas de atendimento a menores infratores são horríveis, mas isso não justifica soltar os violentos.

Essa ínfima minoria de altíssima periculosidade – volto a afirmar, têm muito mais probabilidade de matar alguém que um bandido mais rodado – não pode ser tratada soltando-se no dia seguinte do assassinato que cometeram a espera que se dê a “redução das desigualdades sociais”.

Precisamos, sim, melhorar muito essas instituições e, infelizmente, não será do dia para a noite. Podemos manter a maioridade penal atual desde que se possa conservar os violentos realmente perigosos afastados de suas vítimas em potencial por mais tempo e se possa dispor desse tempo para tentar recupera-los.

Se os “direitos” de menor violento e perigoso vão sofrer com isso, francamente, paciência. No final das contas, mantê-los presos talvez não os recupere – embora haja mais chance disso acontecer do que quando soltos no dia seguinte num desfecho de onírica impunidade! – mas protege mais as vítimas, em potencial.

Mas em que exatamente diminuir a idade penal, como proposto, seria contraproducente?

Pela mesma razão que votei conta do agravamento de pena para traficantes na Lei de Drogasque foi aprovada: aumentará a população carcerária de pessoas não envolvidas em violência e irá torna-las mais susceptíveis de se transformarem em violentas na escola de crime que são essas prisões.

É conveniente manter os menores presos, separados dos maiores. Isso melhora suas chances de uma eventual recuperação mas não pode ensejar a impunidade absurda que existe hoje.

Por outro lado, a grande maioria dos menores hoje presos por tráfico de drogas, sem armas nem violência, simplesmente não deveriam estar presos! Inclusive acho não deveriam estar presos nem internados os traficantes sem uso de violência maiores ou menores de idade que constituem atualmente uma grande parte da população carcerária. É uma das razões pelas quais sou favorável à legalização da droga ainda que nesse caso uma parte seja plausível de migrar par outros delitos.

Sou favorável à legalização controlada das drogas justamente para combater a violência da criminalidade armada que perderia sua melhor base logística e de controle sobre contingentes de população e territórios. Defendi isso na tribuna da Câmara mesmo sabendo que 85% da opinião pública e todos os deputados com exceção em uns cinco ou seis, são contra.

Com as leis de drogas que temos – inclusive com a recente decisão da Câmara, caso seja mantida – combinadas com a eventual redução da maioridade penal para 16 anos, o efeito prático seria o de aumentar a população carcerária de presos não envolvidos com crimes violentos!

Meu ponto é: por um lado, muito menos presos mas, por outro, penas mais longas para os violentos, perigosos, que no Brasil voltam às ruas mais rápido do que em qualquer outro país que conheço!

Nenhum outro país é tão leniente! No Brasil mata-se, corta-se em pedacinhos, queima-se no pneu e sai-se da prisão em quatro, cinco, anos como a maior parte dos assassinos do jornalista Tim Lopes, por exemplo. Em nenhum outro país um criminoso cruel desse ficaria menos de 20 anos cumprindo pena. Aliás, um dos assassinos já tinha se beneficiado anteriormente de outra “progressão” anterior.

Temos um imenso problema de segurança cujo foco é a violência e os crimes contra a vida e a integridade física das pessoas (não seu patrimônio). Com boa políticas públicas, mobilização e foco poderemos gradualmente diminuir o grau de exclusão social e humana que estimula (mas não provoca diretamente nem inevitavelmente) a violência.

É preciso diferenciar de maneira clara delitos violentos de delitos sem violência inclusive para menores porque eles são perfeitamente capazes de raciocinar em termos de custo/benefício. Sendo o custo da violência muito maior a tendência é evita-la na medida do possível. Pelo menos alguns o farão e isso já será um ganho para a sociedade.

O foco da repressão não deve ser a droga – um beco sem saída – comportamentos ou mesmo delitos contra o patrimônio sem violência, o foco devem ser os crimes contra a vida. Matar precisa virar um mau negócio.

O discurso que se contrapõe a isso ressalta as injustiças sociais sustenta que a repressão jamais deve ser a resposta pois apenas combate os efeitos de problemas de sociedades muito desiguais. A solução seria educação e redução das desigualdades sociais nunca a repressão.

Penso ser desastroso politicamente esse discurso pobre-bandido-vítima-da-sociedade. É um desrespeito a dezenas de milhões de pessoas pobres que vivem honesta e humanamente e nunca cometem crimes. Responsabilizar “a sociedade” pelos crimes mais bárbaros cometidos por indivíduos em nome de um discurso supostamente “de esquerda” nos deixa na contramão do que sente e pensa a esmagadora maioria do população brasileira.

Nos torna incapazes de fazer frente ao seu mais grave problema: o de não se sentir-se seguro, de estar privado ter o direito de ir e vir, de não ter a garantia da própria vida e da dos seus filhos.

Considero fatal para a Rede a eventual adoção de um discurso de leniência com a criminalidade violenta, apanágio de um certo tipo de esquerda que cultiva a figura do “marginal-herói”, do bandido-vítima-da-sociedade, do traficante Robin Hood e pratica a sistemática satanização da polícia, em qualquer circunstância. Ela simplesmente despreza a preocupação de segurança das pessoas comuns consideradas fazendo parte de uma “sociedade injusta” e, portanto, merecedoras de padeceram das suas “consequências”.

O exemplo mais eloquente disso é a explosão da criminalidade violenta na Venezuela, apesar dos relativos avanços sociais do estado assistencialista-clientelista. Se formos tomar esse caminho iremos nos divorciar duradouramente da imensa maioria da população brasileira que vê cada vez mais a sua própria segurança como um dos seus maiores problemas.

Percebemos nas ruas os assaltantes “de menor” grandes, fortes, ameaçadores, semeando o medo, debochando dos transeuntes na hora da prisão pois sabem que vão estar fora de novo para assaltar em pouquíssimo tempo. Cada vez mais as quadrilhas utilizam “de menores” para cometer toda sorte de crimes, inclusive assassinatos, beneficiando-se das generosas brechas do Estatuto.

O que mais choca nessa visão é a ilusão de que o mal não existe. Que não há pessoas cruéis, perigosas, psicopatas das quais as pessoas inocentes precisam ser protegidas. Milhões que jovens passaram pelas privações sociais graves e nem por isso se tornam assassinos.

Portanto, esse discurso metido a “politicamente correto” é de avestruz. Soa bonitinho mas, na vida real, promove o contrário do que pretende. Problemas sociais graves sempre vão existir – até na Suécia, um dos países mais igualitários com um rede de assistência social fantástica – e sua melhoria no Brasil já está acontecendo, há uma década, e continuará acontecendo, gradualmente, ajudando como um pano de fundo, mas isso não incide direta, automática ou expeditamente sobre a problemática da violência como alguns tolamente acreditam.

Ao progresso social precisa corresponder maior eficiência da justiça e da polícia, da capacidade da sociedade organizada em proteger seus cidadãos da violência pela prevenção, repressão e, eventualmente, encarcelamento, não com o propósito de “vingar” mas proteger os inocentes.

Reeducar faz parte disso mas, atenção, nem todos são reeducáveis.

Estão criticando seu discurso como “conservador”…

Esse meu posicionamento de ampliação da detenção de menores autores de delitos graves com violência – uma alternativa à redução da maioridade penal – se articula com uma posição totalmente contrária a “progressão” de pena para assassinos, assaltantes e estupradores, que permite a autores de crimes bárbaros saírem da prisão em quatro anos – só no Brasil! - mas, também, com minha posição favorável à legalização controlada das drogas – dependendo de um mínimo de concertação internacional – para quebrar a melhor fonte logística da criminalidade violenta organizada ou semi-organizada e, em geral, o fim de todo tipo de repressão a delitos de natureza comportamental com penas alternativas ao encarceramento para delinquentes não-violentos.

O foco deve ser na criminalidade violenta. Devemos, sim, para tanto educar tanto os delinquentes quanto a polícia. Para uns, desestimular numa equação custo/benefício: por exemplo, o tráfico armado deve ter penas muito mais severas que o desarmado (enquanto não se legaliza a droga). No caso da polícia, ela precisa ser induzida a focar na prevenção e combate à violência e não como hoje agir erraticamente num leque disperso, com a prioridade frequentemente definida em função do delito mais susceptível de reverter no achacamento mais rentável e seguro.

A prevenção deve ser prioridade absoluta. Por exemplo, a ação que me parece a mais crucial de todas é um amplo programa para subsidiar a permanência do adolescente em situação de risco na escola, prevenindo a evasão, remunerando-o por estudar e valorizando ao máximo seu rendimento escolar. O mecanismo de bolsa-escola incorporado ao bolsa-família foca na criança, mas são raras as famílias, mesmo desestruturadas, que não garantem a matrícula dos filhos pequenos e sua permanência no ensino elementar. Já na adolescência, sobretudo no ensino secundário, há uma forte pressão familiar e social para que o jovem abandone a escola para gerar renda. É aqui que deve se dar uma intervenção poderosa para evitar a evasão escolar que muitas vezes é a porta de entrada para o delito e depois a criminalidade.

Ou seja, propugno um conjunto de medidas, algumas “duras”, outras liberalizantes, cujo foco de intensidade deve ser reduzir a violência e dar mais segurança ao cidadão nas ruas e em casa. E também fazer com que todos assumam as responsabilidades e consequências de seus próprios atos. Isso é um “discurso conservador”? Questão de ponto de vista…


* Deputado federal pelo Partido Verde (RJ), do qual é um dos fundadores, tem 60 anos, e foi secretário de Urbanismo e de Meio Ambiente da cidade do Rio de Janeiro e vereador. Jornalista e escritor, é autor de oito livros, dentre os quais Os carbonários (Premio Jabuti de 1981) e o recente Ecologia urbana de poder local. Foi um dos líderes do movimento estudantil secundarista, em 1968, e viveu no exílio durante oito anos.