ZERO HORA 8 de outubro de 2013 | N° 17577
PAULO SANT’ANA
Menino de rua
Há incontáveis milhares de meninos de rua em todas as cidades brasileiras.
Posso considerar que fui menino de rua na minha infância. Pelo mesmo motivo por que tantos são meninos de rua: maltratado por meu pai, expulso por ele da minha casa por vezes, noutras fugido de casa com medo de meu pai, o fato é que fui menino de rua durante muitos anos.
Ser menino de rua é uma desgraça. Lembro-me da profunda e sofrida incerteza que tinha sobre meu futuro. É muito triste uma criança não ter futuro.
E mais grave ainda se torna esse infortúnio. Um menino de rua não sabe se terá como alimentar-se durante o dia e não sabe onde vai dormir, pior ainda se houver chuva e frio.
*
Quando me lembro desse terrível destino do qual pude fugir, as lágrimas tomam conta de meus olhos.
Perto do que fui, penso agora, sou muito mais do que eu era. Não sou rico, mas me considero rico por ter sido menino de rua.
Era desastroso não poder voltar à noite para a casa de meu pai. Quando uma criança sente que é indesejada no seu lar, acho que nisso é que reside uma das grandes aflições do ser humano.
*
Dou até um conselho que pode parecer tolo aos meus leitores, mas que para mim tem profundo significado: sempre que um leitor ou uma leitora minha se defrontar com um menino de rua, ajude-o de alguma forma, dando-lhe alimento ou alguma pequena quantia em dinheiro para que alivie sua enorme dificuldade.
No tempo em que fui menino de rua, não existiam as drogas de hoje.
Fatalmente, um menino de rua de hoje apelará para as drogas e mergulhará num ainda mais profundo abismo dificilmente retornável.
*
Já dormi em porões, entre ratos e baratas, sem fósforo para iluminar o meu ambiente.
Já dormi sem cobertas, tendo como travesseiro apenas o chão de terra, nem sei como sobrevivi a esse desterro.
*
A miséria e o abandono, ao lado da fome, são os sofrimentos mais pérfidos da condição humana.
Se já é triste que um homem não tenha amigos, mais arrasador ainda se torna que, sendo criança, não tenha como fazê-los. Isso é a mais desalentadora solidão.
Com esta coluna, pretendo apenas daqui lançar minha homenagem aos meninos de rua, implorar para que possam talvez os meus leitores lançar sobre os meninos de rua que avistem, se é que já não o fazem, seu olhar de piedade e alcançar-lhes por alguma forma uma ajuda, mesmo que signifique materialmente pouco, muito será para esses seres desanimados que vagam pela cidade na busca desesperada por uma mudança para melhor do seu destino.
Até hoje tenho medo das ruas: elas reservaram para mim durante muito tempo um atroz sofrimento.
Foram tempos de atroz sofrimento.
PAULO SANT’ANA
Menino de rua
Há incontáveis milhares de meninos de rua em todas as cidades brasileiras.
Posso considerar que fui menino de rua na minha infância. Pelo mesmo motivo por que tantos são meninos de rua: maltratado por meu pai, expulso por ele da minha casa por vezes, noutras fugido de casa com medo de meu pai, o fato é que fui menino de rua durante muitos anos.
Ser menino de rua é uma desgraça. Lembro-me da profunda e sofrida incerteza que tinha sobre meu futuro. É muito triste uma criança não ter futuro.
E mais grave ainda se torna esse infortúnio. Um menino de rua não sabe se terá como alimentar-se durante o dia e não sabe onde vai dormir, pior ainda se houver chuva e frio.
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Quando me lembro desse terrível destino do qual pude fugir, as lágrimas tomam conta de meus olhos.
Perto do que fui, penso agora, sou muito mais do que eu era. Não sou rico, mas me considero rico por ter sido menino de rua.
Era desastroso não poder voltar à noite para a casa de meu pai. Quando uma criança sente que é indesejada no seu lar, acho que nisso é que reside uma das grandes aflições do ser humano.
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Dou até um conselho que pode parecer tolo aos meus leitores, mas que para mim tem profundo significado: sempre que um leitor ou uma leitora minha se defrontar com um menino de rua, ajude-o de alguma forma, dando-lhe alimento ou alguma pequena quantia em dinheiro para que alivie sua enorme dificuldade.
No tempo em que fui menino de rua, não existiam as drogas de hoje.
Fatalmente, um menino de rua de hoje apelará para as drogas e mergulhará num ainda mais profundo abismo dificilmente retornável.
*
Já dormi em porões, entre ratos e baratas, sem fósforo para iluminar o meu ambiente.
Já dormi sem cobertas, tendo como travesseiro apenas o chão de terra, nem sei como sobrevivi a esse desterro.
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A miséria e o abandono, ao lado da fome, são os sofrimentos mais pérfidos da condição humana.
Se já é triste que um homem não tenha amigos, mais arrasador ainda se torna que, sendo criança, não tenha como fazê-los. Isso é a mais desalentadora solidão.
Com esta coluna, pretendo apenas daqui lançar minha homenagem aos meninos de rua, implorar para que possam talvez os meus leitores lançar sobre os meninos de rua que avistem, se é que já não o fazem, seu olhar de piedade e alcançar-lhes por alguma forma uma ajuda, mesmo que signifique materialmente pouco, muito será para esses seres desanimados que vagam pela cidade na busca desesperada por uma mudança para melhor do seu destino.
Até hoje tenho medo das ruas: elas reservaram para mim durante muito tempo um atroz sofrimento.
Foram tempos de atroz sofrimento.
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