segunda-feira, 29 de abril de 2013

CRIMINALIDADE - EMOÇÃO E RACIONALIDADE



O ESTADO DE S.PAULO - 29 de abril de 2013 | 2h 06

Carlos Alberto Di Franco *


Se dependesse apenas dos paulistanos, a maioridade penal no Brasil, que hoje é de 18 anos, seria reduzida para 16. Recente pesquisa Datafolha mostrou que 93% dos moradores da capital paulista concordam com a diminuição da idade em que uma pessoa deve responder criminalmente por seus atos. Outros 6% são contra e 1% não soube responder. Em consultas anteriores (2003 e 2006), a aprovação da medida pelos moradores da cidade foi de 83% e 88%, respectivamente.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, percorreu gabinetes do Congresso para apresentar proposta que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O texto prevê a possibilidade de um juiz determinar, após avaliação multiprofissional, a internação de até oito anos para jovens que cometem crimes. Hoje o tempo máximo é de três anos. O projeto prevê também maior punição para os adultos que usarem jovens para praticar crimes.

Segundo Alckmin, o ECA garantiu direitos aos menores de 18 anos, mas não consegue atender a novas demandas: "O Estatuto é da década de 1990. Muitas coisas mudaram. O crack, por exemplo, não existia há 23 anos". E observou que em São Paulo 11% dos crimes cometidos por menores reincidentes são homicídios.

O debate, frequentemente instrumentalizado por interesses políticos e ideológicos, foi intensificado após a morte do universitário Victor Hugo Deppman, de 19 anos, assassinado, sem reagir, durante um roubo. O criminoso tinha 17 anos.

Alguns, dominados por compreensível revolta, desejam a imediata redução da maioridade penal. Apostam na repressão como forma de defesa social. Outros, apoiados numa distorcida visão dos direitos humanos, transferem para a sociedade toda a culpa pela onda de crueldade que tem marcado as ações dos delinquentes juvenis. O chamado pecado social acaba apagando qualquer vestígio de responsabilidade individual.

A redução da maioridade penal é o recurso de uma sociedade acuada pela força da violência cotidiana. Ao completar 16 anos o adolescente brasileiro pode votar. Está capacitado para escolher o presidente da República, mas, paradoxalmente, não é considerado responsável por seus atos no campo criminal. Vive sob um regime penal diferenciado. Não é punido, na prática, pela barbaridade de um assassinato. E tem consciência disso. Porque era menor de idade, o assassino do jovem Victor Deppman vai ficar não mais que três anos internado. Trata-se de um absurdo que não se justifica e fomenta a espiral da criminalidade. Países civilizados, como Canadá, Inglaterra, Alemanha e outros reconhecidamente democráticos, têm limites de responsabilização penal bem inferiores. A criminalidade, por óbvio, também existe lá. Mas a percepção da punição exerce o papel de freio preventivo eficaz.

Os defensores da manutenção da atual legislação penal afirmam que não se deve legislar sob a influência da emoção provocada por um crime bárbaro. Nem sempre. A indignação pode ser positivamente transformadora. A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, só foi aprovada sob o impulso da revolta popular com os recorrentes escândalos de corrupção. A emoção, devidamente orientada pela racionalidade, costuma produzir bons resultados.

Reduzir a maioridade penal é uma proposta que emerge com o vigor incontido da revolta, da indignação e da dor. Tem forte carga emocional, reconheço. Funcionará? Sim, desde que articulada no contexto de políticas públicas sérias e de um verdadeiro esforço de recuperação. O problema é muito complexo. E não existem soluções milagrosas.

Se a exemplaridade da punição é incontornável, a possibilidade da recuperação deve ser encarada com seriedade. As drogas, em especial o crack, estão na raiz da imensa maioria dos homicídios. O empenho na recuperação deve ser a grande aposta que todos nós, governantes, cidadãos, jornalistas, formadores de opinião, devemos fazer. É preciso punir com firmeza. Mas é necessário investir na recuperação dos infratores.

Um tendão de Aquiles pode enfraquecer a melhor das intenções: a falta de um projeto consistente de recuperação de dependentes químicos. É elevadíssimo o número de delinquentes com problemas de dependência de drogas. Ora, dependência não tratada é recaída segura lá na frente. O que significa alto risco de retorno à criminalidade. O governo deveria firmar convênios com comunidades terapêuticas, sobretudo nas cidades que contam com algumas instituições idôneas.

Impõem-se também políticas públicas voltadas para educação, esporte, cultura e lazer. Juventude abandonada é uma bomba-relógio ativada. A preocupação social, felizmente, começa a mobilizar muita gente. Multiplicam-se iniciativas sérias de promoção humana e social. Sem um autêntico mutirão de inclusão social a simples punição não dará resultados sustentáveis. O crime deve ser punido. Mas é preciso diagnosticar as causas profundas da criminalidade. A injustiça, a falta de oportunidades e a péssima qualidade da educação, resultado acabado de tanto desgoverno, são o caldo de cultura da violência e da criminalidade. Não é possível olhar a pobreza como ferramenta de marketing político ou com o distanciamento de uma pesquisa acadêmica.

Os bandidos juvenis são criminosos perigosos. Frequentemente, mais violentos que os adultos. Matam. Roubam. Estupram. Precisam ser retirados do convívio social. Imediatamente. Vamos reduzir a maioridade penal. É um passo importante. Deixemos que a sadia indignação detone o processo de mudança. Mas, ao mesmo tempo, não abandonemos a racionalidade. Para além da mudança na legislação, urgente e necessária, é preciso investir pesado na recuperação e no resgate social. Só isso, de fato, conseguirá virar o jogo da delinquência alucinada.


* Carlos Alberto Di Franco é doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra e diretor do departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais.



sexta-feira, 26 de abril de 2013

SITUAÇÃO DOS MENORES INFRATORES NO BRASIL

G1 - JORNAL HOJE, Edição do dia 01/08/2012


Câmera do JH mostra a situação dos menores infratores no Brasil. Reportagens mostram o perfil de crianças e adolescentes que cometem crimes, como eles estão sendo recuperados e o drama das famílias.




Os menores que cometem delitos e crimes são o tema do Câmera do JH do mês de agosto.

Em todo o Brasil, quase 36 mil menores estão cumprindo medidas sócio-educativas. "Nós temos uma sociedade que descuidou em grande medida da sua infância e adolescência, então esse descuido de um passado nem tão distante, ele ferou agora uma consequência", avalia Mário Sérgio Cortella, educador.

Reportagens mostram o desespero de pais de adolescentes envolvidos com drogas. Uma mãe chegou a entregar cartazes no bairro, pedindo aos vizinhos que liguem para ela se virem o garoto nas ruas. "É uma atitude de desespero, eu já fiz tudo o que eu podia fazer", declara.


Na primeira reportagem (veja o vídeo ao lado), o quadro mostra o drama que envolve duas famílias: a de Brendo, o atendente de uma locadora que aos 17 anos morreu trabalhando, depois de ser baleado por um adolescente de 16 anos; e a da família do menor que cometeu o crime.

O menor, que está detido, conta que resolveu roubar a locadora, pois queria uma moto, que seu pai e seu avô negaram comprar. "Pedi a moto pro meu avô, ele não me dava. Pedi a moto pro meu pai, ele não me dava. Eu ainda avisei pra eles: 'se não me dá, então eu vou roubar'", afirma.

O bandido diz que se assustou com Brendo e o revólver disparou sozinho. "Agora eu tô lá, preso por nada e fiz a família sofrer à toa", diz.

"Parte dos jovens hoje são formados sozinhos. Eu sempre digo: o mundo que nós vamos deixar para os nossos filhos, depende muito dos filhos que nós vamos deixar para esse mundo", diz o educador Mário Sérgio Cortella.


Um adolescente apreendido pode ficar de seis meses a três anos sem liberdade. Quando o portão da unidade de internação se abre, a vida dele se transforma. A segunda reportagem mostra como é o primeiro e o último dia de um adolescente que tem que cumprir uma medida sócio-educativa. (Veja a reportagem completa ao lado).

A rotina pesada e rígida do início da internação diminui com o tempo, e o jovem pode voltar a estudar e também a aprender em oficinas.Uma equipe de pedagogos e psicólogos acompanham os adolescentes até o último dia. "Este trabalho que é realizado dentro da unidade de internação é parte do trabalho. É importante que a comunidade e a sociedade esteja preparada para receber este adolescente, pra que ele tenha também oportunidade e acesso à educação, à saúde, ao mercado de trabalho", ressalta Rodrigo Trindade, gerente de uma unidade de internação para menores infratores.


Para recuperar um adolescente que rouba, se mete em encrencas e se envolve em delitos, voluntários trabalham com eles para que consigam mudar de vida. Foi o que aconteceu com Vinicius Oliveira, que foi internado três vezes na Fundação Casa por roubo. “Queria carro, casa, festa, balada. Você vê o outro tendo alguma coisa e você não. Eu pensava ‘eu também quero ter, então eu vou pegar de algum jeito”, diz.

Durante a terceira internação, Vinicius fez um curso de instalação elétrica e hidráulica. Quando saiu da Fundação Casa, começou a trabalhar e hoje faz faculdade de engenharia elétrica.

Veja no vídeo acima exemplos de iniciativas que visam recuperar jovens infratores em todo o Brasil.


A maioria dos jovens que cumprem medidas socioeducativas no Brasil foi apreendida porque se envolveu com drogas. Os casos mais graves de homicídio e latrocínio representam a minoria desses menores.


“Até quatro anos atrás, o roubo representava 55,56% dos adolescentes e o tráfico 16,18%. Hoje o roubo representa 8,39% e o tráfico 42%. Quer dizer, mais do que dobrou o envolvimento de jovens na fundação por problema de droga”, afirma Berenice Gianella, presidente da Fundação Casa de São Paulo.

Veja no vídeo ao lado histórias de menores que estão internados.

Atualmente, 60 mil jovens cumprem medidas sócio-educativas em todo o Brasil. Só no estado de São Paulo, o número de internações subiu 35% nos últimos três anos.


A lente da Câmera do JH mostrou durante o mês a realidade desses jovens infratores. Após ouvir educadores e voluntários, uma das grandes conclusões é que o destino destes jovens só muda com a parceria da família, da escola e da sociedade. (Veja a matéria completa no vídeo ao lado).

terça-feira, 23 de abril de 2013

PROTEÇÃO INTEGRAL


TEMA EM DISCUSSÃO: Redução do limite de idade penal previsto no ECA

OUTRA OPINIÃO

FERNANDO DRUMMOND
O GLOBO
Atualizado:22/04/13 - 0h00



Sempre que um fato envolvendo adolescente infrator é noticiado surgem os arautos do poder punitivo clamando pela redução da idade penal, desconsiderando a complexidade da situação da criança e do adolescente.

As propostas de redução da maioridade penal em geral são justificadas por discursos emergenciais, tais como a alarmante escalada da criminalidade, a utilização cada vez mais intensa da participação de menores de 18 anos de idade, seja na prática de delitos, seja no seio do crime organizado, ou ainda a possibilidade de o menor de 16 anos votar, e, se estão habilitados a decidir o destino da pátria, deveriam responder pelos próprios atos.

No Direito comparado existe um equívoco conceitual, que falseia a realidade, acerca da idade mínima de responsabilidade penal, uma vez que grande parte de países adota a nomenclatura de responsabilidade penal juvenil para se referir à mesma responsabilidade prevista no Estatuto da Criança e Adolescente, que não usa a expressão penal, embora as medidas socioeducativas tenham as mesmas finalidades de reprovação social das penas do adulto, conforme dados no relatório da Unicef (2007) — “Por que dizer não à redução da idade penal”.

O Brasil adotou a doutrina da proteção integral, o que significa a obrigatoriedade de efetivar políticas universais de proteção às crianças e aos adolescentes sem qualquer restrição. Apesar de a Constituição, no seu artigo 227, declarar que a criança e o adolescente são titulares de direitos fundamentais, estes ficaram no papel sem uma efetiva política governamental de implementação destes direitos. A opção por expressar constitucionalmente a idade da maioridade penal em 18 anos, e não apenas em diplomas legais infraconstitucionais, se traduz em direito e garantias fundamentais.

O artigo 60, parágrafo 4º, IV da Carta vedou qualquer alteração referente aos direitos e garantias individuais. Este tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal, e está expresso no parágrafo 2º do artigo 5º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados...”, dando a correta extensão dos direitos e garantias.

A revisão da Constituição baseia-se nela própria, e negar seu dispositivo para transformá-lo em outro é negá-la também como princípio de validade.

A hermenêutica não é difícil; neste caso está no texto constitucional, não havendo como recusá-la, senão por expressa violação à Constituição Federal. Portanto, compromete a democracia a emenda que altera o artigo 228 da CF, configurador de garantia fundamental do indivíduo em face do poder punitivo do Estado, inserido entre as cláusulas pétreas, emanado do legítimo detentor da soberania por meio da intervenção do poder constituinte originário.

Fernando Drummond é diretor da Associação Internacional de Direito Penal, seção Brasil

COBRAR RESPONSABILIDADE


TEMA EM DISCUSSÃO: Redução do limite de idade penal previsto no ECA


NOSSA OPINIÃO
O GLOBO
Atualizado:22/04/13 - 0h00



No início do mês, um assaltante matou um jovem em São Paulo com um tiro na cabeça, mesmo depois de a vítima ter lhe passado o celular. Identificado por câmeras do sistema de segurança do prédio do rapaz, o criminoso foi localizado pela polícia, mas — apesar de todos os registros que não deixaram dúvidas sobre a autoria do assassinato — não ficará um único dia preso. Menor de idade, foi “apreendido” e levado a um centro de recolhimento. O máximo de punição a que está sujeito é submeter-se, por três anos, à aplicação de medidas “socioeducativas”.

Não é um caso isolado na crônica de crimes cometidos por menores de idade no país. Mas houve, nesse episódio de São Paulo, uma circunstância que o transformou em mais um exemplo emblemático do equivocado abrigo legal que o Estatuto da Criança e do Adolescente confere a criminosos que estão longe de poderem justificar suas ações com o argumento da imaturidade: ao disparar friamente contra o estudante paulista, o assaltante estava a três dias de completar 18 anos. Pela selvageria do assassinato, o caso remete à barbárie de que foi vítima, no Rio, o menino João Hélio, em 2007. Também nesse episódio, um dos bandidos que participaram do martírio do garoto estava a pouco tempo de atingir a maioridade.

Nos dois casos, convencionou-se, ao anteparo do ECA, que a diferença de alguns dias — ou, ainda que o fosse, de alguns meses — teria modificado os padrões de discernimento dos assassinos. Eles não saberiam o que estavam fazendo. É um tipo de interpretação que anaboliza espertezas da criminalidade, como o emprego de menores em ações — inclusive armadas — de quadrilhas organizadas, ou serve de salvo-conduto a jovens criminosos para afrontar a lei.

O raciocínio, nesses casos, é tão cristalino quanto perverso: colocam-se jovens, muitos dos quais mal entraram na adolescência, na linha de frente de ações criminosas porque, protegidos pelo ECA, e diante da generalizada ruína administrativa dos órgãos encarregados de aplicar as medidas socioeducativas, na prática eles são imputáveis. Tornam-se, assim, personagens de vestibulares para a entrada em definitivo, sem chances de recuperação, numa vida de crimes.

É dever do Estado (em atendimento a um direito inalienável) prover crianças e adolescentes com cuidados, segurança, oportunidades, inclusive de recuperação diante de deslizes sociais. Neste sentido, o ECA contém dispositivos importantes, que asseguram proteção a uma parcela da população em geral incapaz de discernir entre o certo e o errado à luz das regras sociais. Mas, se estes são aspectos consideráveis, por outro lado é condenável o viés paternalista de uma lei orgânica que mais contempla direitos do que cobra obrigações daqueles a quem pretende proteger.

O país precisa rever o ECA, principalmente no que tange ao limite de idade para efeitos de responsabilidade criminal. É uma atitude que implica coragem (de enfrentar tabus que não se sustentam ao confronto com a realidade) e o abandono da hipocrisia (que tem cercado esse imprescindível debate).

domingo, 21 de abril de 2013

PENSAMENTO MÁGICO

ZERO HORA 21 de abril de 2013 | N° 17409 ARTIGOS


Marcos Rolim*



A cada vez que um crime abala a opinião pública, a maioria dos políticos repete que é preciso aumentar as penas. Duas são as razões esboçadas: combater a impunidade e desencorajar a prática delituosa. Infelizmente, a impunidade não guarda relação com a gravidade das penas. Aperfeiçoar regras processuais pode ser útil, mas aumentar ou diminuir penas em nada altera as taxas de esclarecimento dos crimes. A impunidade é o resultado da ausência da prova robusta, sem a qual magistrado sério não condena. Por isso, para superar a impunidade é preciso investir em inteligência policial e em perícia técnica. Imaginar que penas mais graves possam alterar condutas, por outro lado, é sobrevivência de pensamento mágico. As razões são conhecidas há 250 anos, desde que Beccaria assinalou que “não é o rigor do suplício que previne os crimes, mas a certeza do castigo”. Ora, se há Estados onde as taxas de esclarecimento de homicídios estão abaixo de 5% (em cada cem homicídios, mais de 95 permanecem sem indiciamento), então de que adiantaria aumentar as penas para homicídio? Os potenciais infratores são desencorajados quando percebem que as chances de serem identificados são grandes. Quando intuem que dificilmente serão descobertos, isto os estimula. É o que ocorre amiúde no Brasil; não porque faltem penas, mas porque falta investigação de qualidade (outra razão, aliás, pela qual a PEC 37, que pretende que só as Polícias Civis e a Polícia Federal possam realizar investigação criminal é um equívoco histórico).

O tema da maioridade penal é um dos momentos em que o pensamento mágico se acasala com a demagogia. Os que propõem a redução da idade penal deveriam começar por explicar por que a curva de crimes violentos alcança seu pico entre 21 e 24 anos em todos os países, independentemente da idade penal.

Ou seja: se o início da responsabilização penal contribuísse para reduzir as práticas delituosas, seria de se esperar, logicamente, que houvesse menos crimes a partir daquele ponto (18 anos no Brasil e na grande maioria dos países). O que ocorre é exatamente o inverso. Os crimes seguem aumentando após os 18 anos até um ponto entre os 21 e 24 anos, quando, então, caem consistentemente. Reduzir a idade penal só faria com que os jovens que hoje encaminhamos para a Fase e suas congêneres fossem mandados para os “cuidados” das facções criminais que se organizam nos presídios, o que seria um serviço inestimável para o crime. Outra coisa, bem diversa, é aumentar o limite de internação para adolescentes de perfil agravado.

Nestes casos, o teto de três anos previsto pelo ECA não se sustenta; não parece justo diante dos fatos mais graves, agencia que adolescentes assumam crimes que não cometeram e não permite verdadeiro tratamento. Em países como Espanha, Alemanha, Chile e Colômbia, os limites de privação de liberdade juvenil alcançam oito e 10 anos, com a devida separação dos jovens adultos. Por este caminho, seria possível corrigir determinadas distorções, especialmente se investirmos na socioeducação. Depois, poderíamos retomar o debate sobre o que é mais importante.


*JORNALISTA

sexta-feira, 12 de abril de 2013

CRIME REABRE DEBATE SOBRE PUNIÇÃO DE ADOLESCENTES




ZERO HORA 12 de abril de 2013 | N° 17400

O ESCUDO DA LEI

Suspeito de matar universitário durante assalto em São Paulo completa 18 anos três dias após o ataque


A suspeita de que um adolescente reincidente de 17 anos matou um universitário durante um roubo em São Paulo reacendeu as propostas de endurecimento da legislação contra infratores. Vitor Hugo Deppman, 19 anos, morreu com um tiro na cabeça na terça-feira à noite, em frente ao prédio onde morava, depois de ser abordado e entregar seu celular sem reagir. Segundo a Polícia Civil, um garoto que completa 18 anos hoje confessou o crime.

Osuspeito foi entregue à Justiça pela própria mãe horas depois de supostamente atirar contra a cabeça de Victor no assalto no bairro do Belém, zona leste da capital paulista. O adolescente já havia sido apreendido ao menos outras três vezes desde 2011.

Ontem, amigos do universitário se reuniram em frente à Faculdade Cásper Líbero, onde ele estudava, e fizeram um protesto na Avenida Paulista com cartazes em defesa de mudanças na legislação. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) repetiu um discurso semelhante ao que havia já feito em novembro.

– Defendemos mudar a legislação. Em 15 dias vamos apresentar um projeto no Congresso Nacional.

Alckmin é a favor de duas alterações no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente): penas maiores para adolescentes que cometerem delitos graves. E a transferência dos infratores para uma prisão comum, quando completarem 18 anos.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pediu cautela em relação a tentativas de mudanças na lei para dar respostas a crimes violentos – sob risco de sobrecarregar e piorar as prisões.

– Acho que os projetos de lei que respondem a determinadas situações têm que ser muito bem analisados. Temos que tomar muito cuidado, às vezes, com o calor do momento – afirmou.

Secretário disse que se sente seguro em SP

No protesto de ontem, a namorada de Deppman, Isadora Dias, 19 anos, também cobrou leis mais enérgicas:

– Ele sabia o que estava fazendo e é adulto o suficiente para se entregar dois dias antes de completar 18 anos, por conhecer as brechas da lei.

A morte do universitário ocorreu um dia depois do secretário da Segurança Pública paulista, Fernando Grella, declarar que se sente seguro em São Paulo.

SÃO PAULO

O que prevê a legislação

- A internação máxima, prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é de três anos. Uma pessoa pode ficar internada até os 20 anos e 11 meses, se ela for pega na véspera de completar 18 anos.

- A redução da maioridade penal sempre ganha força no Congresso quando há um caso de apelo social, mas, diante da falta de acordo, está longe de conseguir avançar.

- Na Câmara, tramitam mais de 30 propostas que pedem mudanças na maioridade penal.

A FASE E A MALDIÇÃO DE SÍSIFO

ZERO HORA 12 de abril de 2013 | N° 17400 ARTIGOS


Carmem Maria Craidy*



Trabalho há mais de 30 anos, como educadora e pesquisadora, com adolescentes que praticam atos infracionais. Ao ler na Zero Hora de domingo mais uma denúncia sobre os problemas da Fase – Fundação Socioeducativa de privação de liberdade para adolescentes, tive a sensação de estar diante da maldição de Sísifo, personagem da mitologia grega, condenado a repetir sempre a mesma tarefa de empurrar uma pedra de uma montanha até o topo só para vê-la rolar para baixo novamente. Não tenho dúvida sobre as boas intenções e o esforço da atual direção da Fase em melhorar o atendimento. Tenho também consciência de que uma tradição repressiva mantém aberrações como as celas de isolamento (proibidas por lei) como medida disciplinar e mesmo como forma de recepção e triagem(!) dos adolescentes que ingressam nas unidades da Fase de Porto Alegre.

Durante as últimas décadas, estas celas foram suprimidas e reativadas mais de uma vez. A Fase avança nas medidas educacionais e torna a regredir para medidas repressivas. Cabe perguntar por que, como Sísifo, volta sempre ao ponto de partida. Há certamente várias explicações de ordem política, cultural, administrativa, enfim, de diversas ordens. Há uma que me parece evidente: a sociedade clama por repressão. É mais fácil encarcerar que educar, excluir que integrar. As escolas excluem sistematicamente os adolescentes “difíceis” ao mesmo tempo em que a legislação garante o direito e o dever de estar na escola dos quatro aos 17 anos. Os que trabalham com jovens drogaditos encontram enormes dificuldades para conseguir tratamento mesmo para os que desejam se tratar e ao mesmo tempo se propõe a “internação compulsória” que neste quadro faz a função de “limpeza social” ou de livrar a cidade do incômodo dos drogaditos sem se perguntar o que lhes será oferecido.

A mesma sociedade que clama pela construção de mais casas de internação, ou presídios, não aceita que as mesmas sejam construídas nos bairros residenciais. Há uma espécie de limbo, ou quem sabe inferno, como proposta para a juventude que não teve oportunidades de se realizar e ser feliz. É preciso acabar com o cinismo e tomar consciência de que o problema não é só da Fase, é de todos nós. Ou investimos numa educação libertadora e oferecemos possibilidades de realização pessoal e social à juventude, ou estaremos condenando-a ao inferno aqui mesmo, em vida.


*PROFESSORA TITULAR APOSENTADA DA UFRGS, DOUTORA EM EDUCAÇÃO

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A FASE VERDADEIRA

ZERO HORA 08 de abril de 2013 | N° 17396 ARTIGOS


 Fabiano Pereira*


Nos últimos dois anos, a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) vem realizando investimentos que, até agora, somam R$ 6,5 milhões, principalmente em reformas de unidades. Realizamos um concurso público para contratação de 85 servidores, mas, em um esforço de governo, já nomeamos 117. Também implantamos políticas de valorização dos servidores, reduzimos o ócio e a medicalização entre os adolescentes e implementamos um programa inédito de profissionalização e geração de oportunidades.

Portanto, esta é, sim, uma nova Fase. Uma Fase que em nenhum momento cogita soluções mágicas, como a venda da área do Morro Santa Tereza, para promover esses significativos avanços. Nosso trabalho se norteia pela transparência, por investimentos e pelo respeito aos adolescentes, aos servidores e ao patrimônio público.

Já a “velha” Fase investiu apenas R$ 3,5 milhões em oito anos, ou seja, pouco mais da metade do valor aplicado pela atual gestão. A falta de medidas pontuais para resolver problemas históricos na instituição ao longo desse período resultou no sucateamento de unidades de internação, déficit de pessoal – já que não realizou nenhum concurso público (o último foi em 2002) –, ócio e contenção química de adolescentes. Esses gargalos da fundação, aliás, são de conhecimento e, inclusive, acompanhados há muitos anos por diversos poderes.

A manchete publicada pela Zero Hora de ontem, “Falsas promessas”, não condiz com os resultados obtidos pela fundação e, de forma contraditória, nem com o próprio conteúdo da reportagem. Todas as questões apontadas na matéria estão em andamento, incluindo o financiamento de R$ 56 milhões (US$ 28 milhões) com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O financiamento total é de US$ 56 milhões e contempla, além da construção de três unidades e de um centro de profissionalização, ações de prevenção à criminalidade entre jovens.

Reafirmamos nosso compromisso com os jovens gaúchos, independentemente de classe social. Todos merecem ser tratados com respeito e dignidade. No caso dos adolescentes na Fase, é a geração de oportunidades – e não o preconceito – que irá oferecer, após o cumprimento da medida socioeducativa, uma melhor perspectiva de vida para esses jovens.

*SECRETÁRIO DA JUSTIÇA E DOS DIREITOS HUMANOS

domingo, 7 de abril de 2013

ECA: PACOTE DE FALSAS PROMESSAS


ZERO HORA 07/04/2013


Meninos condenados

Pacote de falsas promessas



Medidas prioritárias para melhoria do atendimento de adolescentes infratores da Fase seguem no papel

Adriana Irion e José Luís Costa



No começo de 2012, uma avalanche de cobranças desabou sobre a Fundação de Atendimento Socieducativo (Fase). Falhas estruturais e nos serviços de saúde apontados pelo Ministério Público e pelo Judiciário ganharam ênfase com a publicação por Zero Hora, em janeiro, da série Meninos Condenados. As reportagens revelaram que a Fase era impotente para recuperar jovens  infratores, baseadas em um levantamento que  mapeou a trajetória de 162 deles a partir de  2002. O grupo estava internado na Comunidade Socioeducativa (CSE) – a unidade com adolescentes de perfil mais agravado.

Sob pressão, autoridades estaduais e federais elencaram prioridades para melhorias no atendimento. Mas, passado mais de um ano, o cenário desalentador pouco se alterou. O destino prioritário dos adolescentes retratados por ZH segue sendo, como adultos, a prisão ou a morte, e a maioria das promessas não foi cumprida (veja quadro na página a seguir).

De um conjunto de oito medidas, apenas uma se concretizou por completo – a redução de uso de psicotrópicos para “acalmar” os jovens que viviam no ócio. A aplicação de medicação psiquiátrica, considerada abusiva, é alvo de um processo de apuração de irregularidade pela 2ª Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude da Capital.

As promessas que permanecem no papel começam com o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo. Questionada sobre o tema, emjaneiro de 2013, a ministra Maria do Rosário, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, admitiu atrasos.

– Em fevereiro, vamos apresentar uma minuta do plano para os gestores estaduais analisarem. Temos urgência – afirmou.

Instituído por lei, o plano deve nortear planos estaduais e municipais – com compromisso de estarem prontos em 360 dias. Mas, é claro, sem o projeto maior, os demais não existem.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Este fato é mais um que prova um "apadrinhamento velado" entre os poderes de Estado estimulando a inoperância, as promessas não cumpridas e a impunidade dos responsáveis. Há o problema, aparecem as promessas, mas estas nunca sofrem a fiscalização devida e nem a intervenção coativa de quem deveria supervisionar e exigir o cumprimento de dispositivos legais e de obrigações inerentes ao poder administrativo. Como todos fazem de conta que cumprem suas funções e deveres, as consequências estão no abandono, na morte prematura e na violência nas ruas.