quinta-feira, 18 de setembro de 2014

CONSELHEIRA TUTELAR É INVESTIGADA POR ADOÇÕES SUSPEITAS

ZERO HORA 18/09/2014 | 07h05


Pelo menos três crianças de Esteio foram retiradas das famílias e entregues, de maneira irregular, por conselheira tutelar da cidade a outras pessoas. Polícia e Juizado da Infância e Juventude apuram possibilidade de que ela agenciasse adoções ilegais.

por Eduardo Torres



Foto: Eduardo Torres / Diário Gaúcho

Na oficina mecânica, um sapatinho infantil chama a atenção entre peças engraxadas. Junto com as fotografias, foi o que restou ao pai, um mecânico de 36 anos, para aliviar a angústia que vive nos últimos meses, afastado da filha, de dois anos, em Esteio. A menina teria sido entregue pela mãe - separada do mecânico - ao Conselho Tutelar. E uma das conselheiras, que agora é investigada pela polícia, entregou a criança a outra família sem o conhecimento do pai.

- A minha ex-mulher pediu para ficar um tempo com a menina. Não vi nada demais, achei que se acontecesse alguma coisa, iriam me avisar. Mas aí passou um, dois meses, e nada de notícias. Resolvi procurar o Conselho Tutelar e levei um choque - conta o mecânico.

Em abril, ele soube que a sua filha havia sido entregue a um casal, com a autorização da conselheira tutelar. Supostamente, em março, depois de um mês com a criança, a mãe a teria entregue no Conselho, alegando não ter condições para criá-la. Pelos relatórios do órgão, parecia que todo o processo dando início a uma adoção era regular. Porém, a coordenação do conselho foi surpreendida com o caso.

- Foi uma medida tomada pela conselheira sem o aval de ninguém. O pai, em nenhum momento foi procurado ou ouvido pelo Juizado para autorizar que essa criança fosse acolhida por outra família, sem nenhum vínculo anterior com a menina - explica a coordenadora do Conselho Tutelar, Vanessa Borges.

Pelo menos dois casos semelhantes já chegaram à polícia. E as denúncias não param. Mais dois inquéritos devem ser abertos nos próximos dias para investigar as ações da conselheira. De acordo com o delegado Leonel Baldasso, da DP de Esteio, há indícios de um esquema de adoções irregulares na cidade.

O mecânico ingressou na Justiça com um mandado de busca da filha e deu início ao processo para ter a guarda exclusiva da criança. Por enquanto, ela continua com a família para a qual foi entregue. O casal também quer a guarda da menina e apresentou um Termo de Responsabilidade, assinado pela conselheira que está sob suspeita.

- Todos os casos suspeitos envolvem crianças que tinham ficha de acompanhamento pelo Conselho Tutelar. No entanto, nenhuma dessas decisões foi discutida com o colegiado de conselheiros. E boa parte nem foi anexada nos registros das crianças - aponta Vanessa.

Justiça mantém casos em sigilo

O Juizado da Infância e Juventude de Esteio apura os casos de suspeita contra a conselheira, mas a juíza Geovana Rosa não revela detalhes dos processos, que correm em segredo de justiça. Em pelo menos um deles, há indícios de que a conselheira atropelou o Judiciário e entregou um menino de dois anos a outra família. Quando o caso veio à tona, não haveria sequer um relatório do casa com as autoridades. O pai, que não vivia com o filho, não tinha conhecimento do seu paradeiro.

No começo do ano, durante um plantão, a conselheira teria atendido um caso de agressão da mãe contra o menino. A decisão foi de retirar a criança de casa, mas, a partir daí, ela não teria seguido os trâmites normais para esses casos.

- Tudo precisa ser comunicado ao Ministério Público e ao Juizado. E, quando se define que a criança vai ser acolhida, primeiro é preciso procurar os familiares mais próximos - explica Vanessa Borges.
Como medida liminar, para não prejudicar a criança, a juíza concedeu guarda provisória ao casal. O pai está em processo de adaptação ao convívio com o menino novamente.

Documentos estavam na casa da conselheira

Durante buscas na casa da conselheira, semana passada, a polícia encontrou documentos em branco, de uso exclusivo do Conselho Tutelar, assim como um carimbo oficial, que não pode ser usado fora do órgão.. Intrigou aos investigadores também a existência de algumas habilitações para adoção _ a maior parte em branco _ guardadas na casa.

- Ela retirou as crianças arbitrariamente das casas dos seus pais biológicos e as encaminhou, ao que tudo indica, sem seguir os trâmites normais para esses casos, para lares substitutos - diz o delegado Leonel Baldasso.

Segundo ele, por enquanto não há provas de que a conselheira tenha recebido dinheiro ou alguma outra vantagem para repassar as crianças, mas a possibilidade é apurada.

A conselheira é investigada pelos crimes de subtração arbitrária de crianças, prevaricação e supressão de documentos.

Suspensa do cargo

A reportagem do Diário Gaúcho tentou contato ontem com a conselheira tutelar, sem sucesso. Ela já atua há sete anos com crianças e adolescentes e, desde o começo do mês passado, cumpre suspensão de 60 dias enquanto é investigada.

A perspectiva, de acordo com o corregedor do Conselho Tutelar de Esteio, Afonso Tochetto, é de que essa suspensão seja prorrogada.

- Abrimos um processo para apurar a conduta da conselheira depois de recebermos duas denúncias.

Estamos ouvindo todas as partes para tomarmos uma decisão - explica.
Quando for concluído, o processo administrativo será encaminhado ao prefeito e ao Ministério Público. A conselheira pode ser até destituída do cargo.

Até o momento, ela foi ouvida pela polícia em apenas um dos inquéritos e negou qualquer irregularidade.

Como funciona a adoção

Todo atendimento do Conselho Tutelar precisa ser registrado em relatórios e, casos que envolvam a retirada de crianças do lar, passam por análise do colegiado.

Quando uma criança está sob ameaça e é retirada do lar pelo Conselho Tutelar para a sua proteção, o Ministério Público e o Juizado da Infância e Juventude precisam ser notificados.

O acolhimento da criança deve ser feito, preferencialmente, por parentes próximos, como pais, avós ou tios.

Quando não há possibilidade de encaminhamento da criança dentro da família, ela é acolhida a um lar e, depois de ouvidos os pais pelo Juizado da Infância e Juventude, uma família substituta pode acolher a criança, assinando, primeiramente, um Termo de Responsabilidade.

É este termo que dá início à Habilitação para Adoção e à concessão de guarda provisória para o processo de adoção.

Possíveis crimes:

Subtração arbitrária de criança ou adolescente (artigo 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente) _ Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda com o fim de colocação em lar substituto.

Supressão de documentos _ Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outro, ou em prejuízo alheio, documento público. Prevaricação _ Deixar de praticar ato de ofício público, ou praticá-lo contra a lei para satisfazer interesse pessoal.

 Prevaricação _ Deixar de praticar ato de ofício público, ou praticá-lo contra a lei para satisfazer interesse pessoal.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

NOVE ANOS, FUMA CRACK E 20 OCORRÊNCIAS NO JUIZADO

GLOBO TV, FANTÁSTICO, Edição do dia 14/09/2014


Menino de 9 anos fuma crack e tem 20 ocorrências no Juizado de GO. Em quatro anos de convivência com bandidos, menino bebe cachaça, fuma crack e já está jurado de morte. Juíza quer recolher Mauro para um abrigo.




O Fantástico mostra uma história breve e cujo final caberá a cada um de nós escrever. É a história de um menino sem destino. Deram-lhe o nome de Mauro, mas não lhe deram futuro.

Tem 9 anos e, desde os 5, vive fugindo pelas ruas de Goiânia. Como aqueles brinquedos de corda que, desnorteados, batem e tropeçam nos obstáculos do caminho. Sempre em busca de um que esteja livre, uma saída, pelo menos enquanto corda houver.

O pai do Mauro foi assassinado quando o menino tinha apenas três meses. O Mauro tem um irmão mais novo e uma avó preocupada. Desde que o menino começou a apresentar problemas de comportamento na escola, a mãe diz que não tem interesse em ficar mais com ele.

Mãe: Eu queria colocar ele em um lugar, eu sei lá, para ele sair aos 18.
Fantástico: Sair aos 18 anos?
Mãe: Eu estou cansada de pedir isso.

E não teve muito tempo para sonhar e viver a inocência dos primeiros anos. Fugiu da escola, onde aprendeu a roubar. Ganhou as ruas. Foi criado nas calçadas. Ficou conhecido como o menino ladrãozinho do bairro. E começou a tomar cachaça. E começou a fumar crack. Ficou dependente. E entrou no crime.

Menino teria se desentendido com traficante e está ameaçado de morte

Os traficantes usavam o menino para entregar drogas na área do Estádio Serra Dourada. Traficando no estádio onde as crianças descobrem o futebol. E assim ele construiu uma extensa lista de delitos, uma lista de gente grande. Aos nove anos de idade, quatro de convivência com a bandidagem, mais de 20 registros de ocorrências no Juizado de Menores.

Uma gravação foi feita no fim do mês passado, quando a criança foi levada mais uma vez para o Conselho Tutelar. O menino teria se desentendido com um traficante no bairro onde mora e agora está ameaçado de morte.

Policial: Se ele sair da cadeia ele disse que vai fazer o que contigo?
Mauro: Mata.

O último acolhimento foi esta semana e mais uma vez o Juizado de Menores não sabe o que fazer com ele. Recolhido a um abrigo, certamente o Mauro voltará às ruas na segunda-feira.

Fantástico: Ele é um perigo a sociedade, na sua visão?
Dácio Oliveira, conselheiro tutelar: Eu acredito que ele não é um perigo à sociedade. Ele tem nove anos de idade. É uma criança. Mas ele pode se tornar um perigo. Hoje em dia ele não é um perigo. Mas se ele continuar com os mesmos atos, com as mesmas amizades, continuando com o uso de droga, eu acredito que ele possa se tornar um grande perigo para a sociedade.

Juíza quer recolher Mauro para um abrigo e fazer uma desintoxicação

A juíza da Infância e da Adolescência de Goiás Mônica Neves Gioia diz que tomou conhecimento do caso no final de junho. Ela quer recolher Mauro para um abrigo para fazer uma desintoxicação e tentar livrá-lo das drogas.

Fantástico: A senhora tem esperança de que esse menino consiga a recuperação?
Mônica Neves Gioia: Se a intervenção for feita nesse momento, em caráter, assim, de urgência, de forma efetiva, sim, eu acredito que ele tenha.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, menores de 12 anos não podem ser internados. A guarda dos pais deve ser mantida e a criança tratada. “Esse menino é resultado de uma omissão de projetos sociais, de ações governamentais, de todo um contexto. No fundo cada um de nós colocou ele nessa situação. A sociedade como um todo é responsável pela situação”, ressalta a juíza.

“Tem conserto se alguém ajudar. Meu maior sonho como avó é ver esse menino daqui uns anos bem estudado e ser um rapaz direito, para cuidar da mãe dele quando ela estiver mais velha”, diz a avó de Mauro.

E como em um jogo de tabuleiro, uma caça ao tesouro imaginário, é o peão que não consegue avançar. Vai ficando para trás. Perdeu qualquer chance. Perdeu. Mauro é uma criança de nove anos que perdeu a infância. E que a sociedade, o Estado, a Justiça, não sabem como tratar, como ajudar, como recuperar para a maior das brincadeiras: a vida.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

ABRIGOS INSEGUROS E INSALUBRES


ZERO HORA 02 de setembro de 2014 | N° 17910


FERNANDA DA COSTA 


INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA. MP avalia a interdição de abrigos

MOFO E FIAÇÃO EXPOSTA foram alguns dos problemas detectados durante inspeções. Das 47 casas mantidas com verba pública na Capital, apenas uma não apresenta ameaça à saúde dos abrigados



Se a situação dos 47 abrigos públicos de Porto Alegre que acolhem mais 806 crianças e adolescentes órfãos ou abandonados não melhorar até a próxima inspeção, prevista para novembro, o Ministério Público Estadual (MP) poderá pedir à Justiça a interdição dos estabelecimentos, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Entre os problemas encontrados pelo MP em vistoria feita em julho nos abrigos destinados a acolher crianças – muitas vezes retiradas de casa por estar sob risco –, estavam escapamento de gás nos fogões, presença de ratos, fiação exposta e esgoto a céu aberto. Ainda há goteiras, falta de medicamentos de uso contínuo, mofo nas paredes e móveis quebrados. Após ter acesso aos relatórios do MP, Zero Hora consultou Ércio Amaro de Oliveira Filho, diretor da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers). Segundo o especialista, ao menos 21 irregularidades apontadas oferecem risco à saúde dos acolhidos.

– Nossa intenção é que os problemas detectados sejam resolvidos sem a demora das ações judiciais. Pedimos reparos urgentes nas irregularidades que oferecem risco – informou a promotora Cinara Vianna Dutra Braga, responsável pela fiscalização dos abrigos na Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude da Capital.

No total, segundo o MP, existem em Porto Alegre 106 casas de acolhimento, sendo 47 mantidas só com verbas públicas, 54 auxiliadas por convênios entre prefeitura e entidades de assistência social e cinco mantidas por organizações não-governamentais. Esses locais acolhem 1.472 crianças e adolescentes. O acolhimento é feito por determinação da Justiça ou requisição do Conselho Tutelar. No Brasil, conforme o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), há pelo menos 2,3 mil casas de acolhimento, que abrigam 30 mil crianças.

Crianças e adolescentes deveriam receber proteção, mas são expostos a outros riscos


Aos dois anos, Maria* venceu a morte. Filha de uma viciada em crack, nasceu na rua e ficou ao relento, para morrer. Encontrada ainda com vida, foi levada a um abrigo. Mesmo sob a guarda do Estado, Maria vive em ambiente perigoso. Relatórios de vistorias recentes realizadas pelo Ministério Público Estadual (MPE), entre junho e julho, mostram que só em uma das 47 casas não havia risco à saúde dos acolhidos.

– Os abrigos estão em péssimas condições de segurança e habitabilidade. É uma omissão e um descaso – afirma a promotora Cinara Vianna Dutra Braga.

Em local úmido e com muita vegetação, o Núcleo de Abrigos Residenciais (Nar) Ipanema, mantido pela Fundação de Proteção Especial do Rio Grande do Sul (FPE), tem sete casas. A maioria está repleta de mofo, exalando cheiro tão forte que provoca dores de cabeça. Dos 47 abrigos, há mofo em 37 – em alguns casos, ao lado da cama das crianças.

Segundo o pediatra Ércio Amaro de Oliveira Filho, isso pode provocar crises respiratórias. Em uma das casas do Nar Ipanema, Ana*, 17 anos, relata a condição precária de seu colchão – um pedaço fino de espuma velho e sujo – e reclama de dores nas costas. O incômodo à noite é tanto que ela prefere passar frio e colocar o cobertor embaixo do colchão.

– Assim dói menos – explica.

*Os nomes foram trocados para proteger a identidade dos acolhidos



CONTRAPONTOS

O QUE DIZ A PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO ESPECIAL DO RIO GRANDE DO SUL (FPE), LUZIANE GALARRAGA - A rotina dessas casas, com muitas crianças, é muito dinâmica, então um fio que não estava solto ontem pode soltar hoje, e por isso precisam de manutenção constante. O caso do escapamento de gás no fogão foi sanado no mesmo dia da vistoria do Ministério Público, e todos os itens de segurança relatados pela promotoria, como fiação exposta, foram prontamente solucionados. Também adquirimos colchões novos. Várias situações foram resolvidas, e o cenário já é outro. Não estamos de braços cruzados ou acomodados. Sempre buscamos melhorar. Tudo o que foi apontado, não só pelo MP, mas pelos nossos diretores e por mim, que faço visitas em abrigos, é reparado. Já notificamos as empresas terceirizadas de limpeza. Nesses três anos e meio de gestão, o orçamento da FPE aumentou em R$ 132 milhões, destinando R$ 343 milhões à fundação, sendo R$ 98 milhões em 2014.

O QUE DIZ O PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E CIDADANIA (FASC), MARCELO MACHADO SOARES - Esse cenário não é de descaso. Estamos trabalhando em cada item apontado pelo MP, com prioridade para os emergenciais. As casas Sabiá 4 e Sabiá 9 mudarão de endereço em setembro. Três gerentes foram substituídos. Constituímos um comitê permanente para fiscalizar a qualidade do serviço prestado pelas empresas terceirizadas. Nos últimos anos, a demanda do Judiciá- rio por acolhimento institucional de crianças e adolescentes aumentou muito. Precisaríamos atender a uma criança por dia, o que corresponde a abrir mensalmente uma casa em Porto Alegre. Este ano, investimos R$ 28 milhões no acolhimento de crianças e adolescentes. A partir deste mês, vamos passar a contar com recurso federal, de R$ 165 mil mensais, uma conquista que contribuirá para melhoria das casas. Estamos em processo de compra, com mais de R$ 500 mil, de móveis e eletrodomésticos. E vamos contratar cerca de 70 profissionais no próximo ano.