sábado, 18 de fevereiro de 2012

ADOLESCENTE INFRATOR - PREVENÇÃO POSSÍVEL?

Lina Aparecida Zardo**Pediatra e professora universitária aposentada. ZERO HORA 17/02/2012

Impossível não ficarmos tocados com a série de reportagens sobre os adolescentes infratores. A análise sobre os péssimos desfechos de um grupo, após dez anos de atendimento socioeducativo, nos horrorizou. A pediatra Joelza, guerreira no assunto de maus tratos infanto-juvenis e diretora da Fase, mostra-se apreensiva e fala que muitas mudanças precisam ser feitas. Um psiquiatra do mesmo serviço manifesta total descrença sobre as chances de cura ou reabilitação dos internos infratores. Trago, então, o tema tentando repensar a prevenção, em como evitar o nascimento de jovens delinquentes.

Quando iniciamos os estudos sobre adolescência aqui no Rio Grande do Sul, nos anos 80, buscamos subsídios de várias fontes: no Rio e em São Paulo já existiam serviços vinculados às Faculdades de Medicina e alguns países já possuíam tradição de atendimento clínico nesta área da Pediatria. Porém, nossa maior fonte de conhecimentos foi a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esta instituição prima por normatizar ações educativas e preventivas em saúde. Pois a OMS enfatiza que na adolescência a prevenção tem de ser primordial, isto é, ela tem de anteceder os fatos, ela tem de ser realizada na origem dos problemas, muito precocemente. Então, para não delinquir na infância/adolescência é preciso ter um bom começo de vida.

Felizmente no Brasil a gestação na adolescência tem diminuído nas últimas décadas, embora ainda preocupe. A taxa era de 20% do total de gestações e agora, no estudo de Pelotas está em 14,5%. O bebê tem de nascer onde houver um par de bons cuidadores. A mãe deve fazer um pré-natal completo, deve preferir um parto natural numa maternidade qualificada. O hospital deve possuir o título de "Hospital Amigo da Criança", que significa estar preparado para prestar bons cuidados e ser um incentivador de aleitamento materno. Os vínculos criados entre mãe-bebê nos primeiros meses vão deixar marcas indeléveis na mente do bebê e serão marcadores de bom futuro. Outros vínculos também são fundamentais, como ter endereço fixo, pais trabalhando, ter avós, ter histórias de família.

Durante a primeira infância, que são os dois primeiros anos, é essencial pertencer a um grupo familiar. A família atual é variável. Ótimo se forem pai e mãe juntos. Poderá também ser uma avó, a mãe sozinha, outro familiar, mas é imprescindível que o cuidador seja protetor e que a criança possa ainda frequentar creche, se for preciso. Nos anos pré-escolares deverá estar vigiada pelos familiares e pela escolinha, devendo brincar muito. No período escolar os pais devem compartilhar sua evolução e a escola, ser acolhedora e estimulante. Nesta trajetória ideal, ao surgirem problemas de saúde ou de conduta, é preciso que exista um acesso fácil e seguro a um local de atendimento multiprofissional. Sabemos que os serviços são insuficientes! Há poucos pediatras, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais na rede pública e os casos não encontram acolhimento ou são atendidos com deficiências.

Diz a ministra Maria do Rosário que é preciso envolver a família, a sociedade e o poder público nas medidas preventivas. Todos temos uma parcela de responsabilidade. Lembro um filme de Ingmar Bergman sobre uma aldeia norueguesa onde havia um menino órfão com conduta antissocial. O que fazer com o menino era resolvido numa reunião da comunidade onde era decidido, em grupo, qual a família o acolheria e por quanto tempo. Com a descontrolada urbanização, impossível medidas deste tipo entre nós. Pode-se, entretanto, repensar em cada caso de distúrbio familiar e/ou infantil, as possibilidades de diagnóstico e de atendimento e lutar para que se concretizem as medidas necessárias e para que toda criança tenha um lar (talvez adotivo) para vivenciar sua infância de modo saudável. Se assim se fizer, será difícil transgredir socialmente na adolescência.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

CÂMARAS FLAGRAM SUPOSTA AGRESSÃO A MENINO DE 8 ANOS

Sob suspeita. Câmeras flagram suposta agressão a menino de oito anos. Mãe grava possível caso de maus-tratos ao filho em Viamão - ZERO HORA, 17/02/2012 | 03h09

Por meio da instalação de câmeras, a mãe de um menino de oito anos flagrou a suposta agressão de uma técnica de enfermagem e entregou o vídeo para a 1ª Delegacia de Polícia (DP) de Viamão, na Região Metropolitana, na tarde de terça-feira.

As imagens, exibidas na quinta-feira pela RBS TV, mostram a técnica de enfermagem puxando o menino pelos cabelos e pelas pernas e o jogando na cama.

Em entrevista quinta à noite para Zero Hora, o delegado Cleiton de Freitas, da 1ª DP de Viamão, disse que o inquérito é incipiente, mas que é investigada a suspeita de maus-tratos.

João Pedro é o terceiro filho de Uliana Prates de Prates. Nasceu em 16 de janeiro de 2004, apresentando um caso raro na medicina, uma alteração genética ainda não descrita na literatura. Por conta disso, possui várias más-formações. Os médicos dizem à mãe que não sabem como será o seu desenvolvimento físico, neurológico e motor.

A família, desde o nascimento de João Pedro, passa por dificuldades financeiras, em razão do tratamento caro — são exigidos equipamentos hospitalares, transporte para fisioterapia e médicos. Uliana, porém, conseguiu na Justiça que ele receba assistência médica em casa.

Desconfiada do tratamento dispensado ao filho — frequentemente surgiam hematomas no corpo do menino —, ela decidiu instalar as câmeras no quarto. Ao ver as filmagens, se disse revoltada em entrevista a RBS TV.

Técnica foi contratada por meio de empresa

A técnica em enfermagem ainda não foi ouvida pela polícia.

— O inquérito foi instaurado apenas ontem (quarta-feira). Ela será a última a ser ouvida — disse o delegado.

ZH não conseguiu contato com a mulher. O nome dela não foi informado pela polícia.

— Precisamos saber se esse é um caso isolado — adiantou Freitas.

A empresa para a qual a técnica em enfermagem trabalha é a Essencial Care. Em nota, a empresa afirma que já foi intimada a depor, mas que só se pronunciará após tomar conhecimento do inquérito. Depois disso, serão “tomadas as medidas pertinentes”, diz a nota.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

BOICOTE ÉTICO À FASE

MENINOS CONDENADOS. Sindicato sugere boicote ético à Fase - ADRIANA IRION, ZERO HORA 07/02/2012

Suspeitas de irregularidades no atendimento psiquiátrico na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) motivaram ontem nova manifestação de uma entidade médica.

O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) pediu a interdição ética da Fase, ou seja, a proibição de que médicos prestem atendimento na fundação porque os internos estariam submetidos a “condições desumanas”.

O presidente do Simers, Paulo de Argollo Mendes, foi contundente ao cobrar ações imediatas do governo:

– A presidente (da Fase, Joelza Mesquita) diz que 90% dos adolescentes são dependentes de drogas, então eles têm direito a tratamento. Temos 200 leitos ociosos no Hospital Espírita. Hoje, os adolescentes são obrigados a ficar em reclusão solitária e em condições inadequadas de lazer e de esporte.

O secretário da Justiça e dos Direitos Humanos, Fabiano Pereira, disse que a medida é um direito do Simers:

– Nós vamos continuar trabalhando. Temos absoluta confiança nos servidores da Fase, nos profissionais da área de saúde e acreditamos na recuperação dos adolescentes.

A medida anunciada pelo Simers, no entanto, não tem nenhum efeito prático imediato, pois é preciso que o Conselho Regional de Medicina (Cremers) – órgão que recebeu o pedido – decida se vai acatar ou não. Na semana passada, a partir de reportagens publicadas por Zero Hora sobre suspeitas de que medicação está sendo aplicada de forma excessiva a internos, o Cremers abriu procedimento para apurar as circunstâncias do atendimento médico na fundação.

Na tarde de ontem, durante quase duas horas, o presidente do Cremers, Rogério Wolf de Aguiar, esteve reunido com a presidente da Fase, Joelza Mesquita, e com representantes dos psiquiatras que atendem na fundação.

– Nós vamos seguir o nosso protocolo. Estamos coletando depoimentos e informações. Não podemos tomar atitude precipitada, pois o Conselho precisa sustentar suas medidas, justificar atitudes – explicou Aguiar.

O Conselho pretende fazer uma fiscalização oficial na Fase até sexta-feira. A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa também definirá, na quarta-feira, uma medida para acompanhar a situação da fundação.

– Já conversei com alguns deputados sobre a visita que devemos fazer lá e vamos discutir se criaremos uma subcomissão ou a própria comissão fará esse acompanhamento – disse o deputado Miki Breier, presidente da comissão.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

MEDICAÇÃO EXCESSIVA NA FASE

MENINOS CONDENADOS. Governo promete acabar com medicação excessiva na Fase - ADRIANA IRION, ZERO HORA 04/02/2012

Ao definir como “problema histórico” a suspeita de que internos da Fase recebem medicação excessiva, a Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos (SJDH) prometeu ontem uma solução imediata. Até o fim do mês, será implantado um plano de atendimento psiquiátrico uniforme em todas unidades de internação. A medida deve eliminar distorções como o “se necessário”, termo registrado por psiquiatras em receituários e que permite que outra pessoa defina quando um adolescente deve receber o remédio.

– O “se necessário” vai acabar. Toda medicação terá de ter indicação clínica ou diagnóstico de uma necessidade – afirmou Tâmara Biolo Soares, diretora de Direitos Humanos da SJDH.

A promessa ocorreu no dia em que ZH publicou um ofício assinado pelo psiquiatra Jose Pedro Godoy Gomes Neto em que ele afirmava, entre outras coisas, que a “Fase medica pelo ÓCIO”. Há nove anos atuando na Comunidade Socioeducativa (CSE), unidade sobre a qual pairam suspeitas de excesso de medicação, Gomes Neto disse a ZH que, se os internos tivessem mais atividades, o uso de remédios poderia ser reduzido.

Cremers apura irregularidade nas prescrições médicas

O documento escrito pelo psiquiatra foi uma resposta ao 3º juizado da Vara Regional da Infância e Juventude, que havia questionado o motivo de adolescentes comparecerem a uma audiência “visivelmente medicados.”

– Ele (o psiquiatra) só trouxe à tona o que já era de conhecimento de todos, das gestões anteriores, do Judiciário, e que pela primeira vez está sendo enfrentado por uma gestão de forma aberta e honesta. São problemas históricos cujas soluções estão sendo buscadas por nós de forma séria e cautelosa – disse Tâmara.

Em reunião ontem com a cooperativa Mais Saúde, terceirizada que presta serviço de psiquiatria, a Fase acertou a contratação de mais quatro psiquiatras em fevereiro. Com isso, até o final do mês, a CSE terá um psiquiatra em cada uma das cinco alas. Atualmente, a Fase tem 19 psiquiatras para atender 942 adolescentes. A Fase também solicitou à cooperativa o afastamento de Gomes Neto. Ele não vai mais atender internos da fundação.

O Conselho Regional de Medicina (Cremers) abriu expediente preliminar para verificar se há irregularidades na prescrição de medicamentos na instituição. O presidente do Cremers, o psiquiatra Rogério Wolf de Aguiar, disse que a entidade já vinha acompanhando com preocupação os dados revelados pela série “Meninos Condenados”, em que ZH apresentou, em janeiro, o alto índice de reincidência criminal de jovens que saíram da Comunidade Socioeducativa em 2002, 2009 e 2010.

– Vamos fazer uma apuração geral, verificar como o trabalho dos médicos se insere nesse processo de recuperação, cujos números são decepcionantes de maneira geral. Não vamos descuidar da questão específica do psiquiatra (Gomes Neto) também, que será chamado a depor, assim como outras pessoas que têm falado sobre o assunto – explicou Aguiar.

O DOPING E O ÓCIO


EDITORIAL ZERO HORA 04/02/2012

As declarações do psiquiatra Jose Pedro Godoy Gomes Neto de que aplica medicamentos em jovens para aquietá-los em função do ócio, além de estarrecer a comunidade gaúcha, é mais uma prova do fracasso da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) na sua missão de ressocializar infratores. Como esperar que adolescentes, rotineiramente entorpecidos por calmantes devido à falta de atividades esportivas e recreativas para liberar as energias próprias da juventude, tenham lucidez e disposição para estudar e retomar o caminho do bem?

Reportagem exclusiva publicada ontem em ZH revelou que o psiquiatra, desde 2003 atuando na Comunidade Socioeducativa, relatou por escrito e sem rodeios ao 3º Juizado da Vara Regional da Infância e Juventude: “Pelo ÓCIO, é por isto que se medica na Fase”. Note-se que ele, para ressaltar a prática, grafou a palavra em maiúsculas. No mesmo ofício que abismou a juíza Vera Deboni, e para não deixar dúvida sobre o seu trabalho, acrescentou que os próprios internos pedem um remedinho, de tão impacientes que ficam.

Ora, não se pode tolerar que a principal instituição gaúcha para jovens infratores, a Fase, utilize o doping como terapia. Não é preciso ser especialista para saber que ociosidade se resolve com esportes, recreação, diversão, estudo, leitura, artes e oficinas profissionalizantes. Já diziam os antigos que o tempo vago é mau conselheiro.

É promissor que a atual presidente da Fase, Joelza Mesquita, pretenda eliminar a utilização de ansiolíticos e outras drogas. Deve-se acompanhar esses esforços, para verificar se não estacionarão no plano das boas intenções. Se não vão esbarrar nos obstáculos de sempre, que remontam à época da extinta e nada saudosa Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor, a Febem. O curioso é que a primeira reação da direção da Fase foi antecipar o afastamento do médico Jose Pedro, que expôs a situação cruamente, sem hipocrisia. O que se espera é que a Fase ataque o problema, e não apenas o seu mensageiro. Se o psiquiatra errou, que seja julgado. Mas a receita do medicamento para controlar os malefícios do ócio certamente não foi introduzida por ele. Também não seria o responsável único pelo método de amolecer os arroubos juvenis via fármacos. Então, a correção do problema tem que ser mais abrangente.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É mais uma prova de que os Poderes não exercem seus deveres, não cumprem a constituição, não aplicam as leis, nem fiscalizam seu atos e nem responsabilizam quem se omite ou descumpre a lei. A desarmonia entre os Poderes não atinge a conivência e o corporativismo entre eles. As consequências desta "negligência" de não tratar e abandonar os infratores e apenados à própria sorte se refletem na insegurança nas ruas, no retrabalho policial e na perda de vidas e patrimônios.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

FASE DO ÓCIO


MENINOS CONDENADOS. Médico vincula medicação de internos da Fase ao ócio. Psiquiatra que fez relato sobre funcionamento da CSE a uma juíza deve ser demitido hoje - ADRIANA IRION, ZERO HORA 03/02/2012

Intrigada com a presença de 12 internos da Comunidade Socioeducativa (CSE) “visivelmente medicados” em uma audiência judicial realizada em janeiro, a juíza Vera Deboni, do 3º Juizado da Vara Regional da Infância e Juventude, questionou, por ofício, a direção da casa pertencente à Fase sobre o porquê da medicação aplicada nos jovens.

A resposta, assinada pelo psiquiatra Jose Pedro Godoy Gomes Neto, 58 anos, e por um assistente de direção da unidade, estarreceu a magistrada: “Pelo ÓCIO, é por isto que se medica na Fase”.

Por considerar graves as informações que constam do documento, a juíza instaurou processo para responsabilizar a presidente da fundação, Joelza Mesquita, por eventuais irregularidades ou excessos. Joelza disse ontem que pretende demitir o psiquiatra e apurar se o servidor da CSE leu o ofício antes de assinar:

– Médico está lá para medicar pela doença, não pelo ócio. E não pode medicar porque o monitor pede ou o menino pede. Quero acabar com isso. E se o funcionário que assinou leu e concordou, é conivente. Não pode continuar.

Conforme a juíza, os infratores enrolavam a língua ao falar durante a audiência na Justiça.

No documento de três páginas e meia, o psiquiatra Gomes Neto tenta dar uma resposta à exigência que a Justiça tem feito de que os internos tenham diagnóstico para receber a medicação. O psiquiatra escreveu:

“...por que medicar se em sua maioria não são doentes? Não há como colocar que nossa clientela é doente mental em proporcionalidade maior que a preconizada pela OMS (Organização Mundial de Saúde). Então por que se medica tanto na Fase? A resposta é simples e definida em uma única palavra: ÓCIO.”

No texto, o médico fala de outros problemas, como a “escola fraca” e “ausência de conduta uniforme de funcionamento institucional com cada ala funcionando de acordo com a chefia daquele turno”.

Em outro trecho, o psiquiatra, que trabalha na CSE há nove anos, também revela descontentamento com práticas da instituição.

Reclama que há uma cultura de que se o jovem “pedalar” (termo usado para quando os internos se revoltam e chutam portas, janelas, grades), ele vai receber o que deseja. Segundo ele, essa não é uma atitude de boa educação e não seria aplicada nos lares. “Imaginemos que qualquer de nossos filhos, ao ser proibido de sair, pedalasse a porta de seu quarto, qual seria nossa atitude?”, pondera o médico no ofício.

O relato escrito do psiquiatra reforçou as suspeitas da juíza de que há excesso de medicação na CSE, unidade que reúne os jovens de perfil mais agravado da Fase.

Ela determinou a apuração de eventuais irregularidades, já que o médico afirmou que os internos são medicados por causa do ócio, ou seja, pela falta de atendimento e de atividades determinadas em lei.


Diretor de unidade diz que 70% dos internos recebem remédios

Um levantamento do 3º Juizado da Vara Regional da Infância e Juventude, em dezembro, indicou que 98% dos internos da Comunidade Socioeducativa (CSE) estavam sob medicação. O diretor da unidade, Alexandre Santana, contesta o dado, afirmando que 70% recebem remédios.

O tema da medicação causa polêmica entre servidores. Desde que integrantes do Judiciário passaram a fazer questionamentos, têm havido reações internas por parte de funcionários que defendem não ser possível tirar a medicação dos jovens. Há monitores que entendem que, se o adolescente quer dormir, deve receber o remédio para isso.

– Em parte, o que o médico diz é verdade. Mas não deveria ter dito, pois sabe que a gestão está trabalhando para acabar com isso. Não é uma realidade de agora. Além disso, a resposta dele deveria ter passado pelo setor jurídico e pela presidência. Agora, eu vou responder a processo – disse ontem a presidente da Fase, Joelza Mesquita.

Joelza voltou a ressaltar que a prescrição de remédios tem de vir acompanhada por um diagnóstico e que vai aumentar o número de psiquiatras na Comunidade Socioeducativa.

– Não é certo medicar porque o menino pediu. Isso tem de acabar.

No começo da semana, em entrevista a Zero Hora, a ministra Maria do Rosário, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, classificou como “crime de tortura” a aplicação de medicamentos de forma excessiva.

ENTREVISTA. “Há coisa mais importante do que medicação para se preocuparem”. Jose Pedro Godoy Gomes Neto, psiquiatra

Zero Hora – O senhor disse à juíza Vera Deboni que, na Fase, os meninos são medicados por causa do ócio.

Jose Pedro Godoy Neto – É. A medicação tem suas indicações, mas haveria uma redução se as pessoas tivessem mais atividades. E não pense que a medicação é feita toda ela contra a vontade. Eles pedem muita medicação também.

ZH – Por que eles pedem?

Godoy – Por ansiedade, mal-estar, é muita pressão. Então, complica. Imagina as pessoas que têm uma certa idade, muitos têm mulheres, famílias, num sistema fechado e com atividade restrita. Tem um futebol lá e uma escola. É complicado. Na minha visão, se eles tivessem outras atividades, haveria redução na necessidade de medicação na CSE, onde atuo desde 2003.

ZH – O senhor fala que os internos pedem a medicação. É uma prática aceitável, dentro da lei, medicar porque o jovem pede?

Godoy – Se tem ansiolítico, se é para ansiedade, é permitido. Não tem problema.

ZH – É alto o índice dos internos que pedem?

Godoy – É alto, sim. Se tu pegares os meninos que fazem o tratamento externo (que estão internados com possibilidade de atividade externa), recebem muito menos medicação do que os meninos que não saem. Por uma obviedade.

ZH – O senhor quer dizer que há outras alternativas além do remédio?

Godoy – Sim. Se tu ajudares, melhorares a vida de uma pessoa, de qualquer doente, vais ver que os sintomas dele vão diminuir automaticamente até sem o uso da medicação. Se medicares, vai melhorar mais.

ZH – O senhor acredita que a medicação pode ser reduzida desde que entrem outros elementos, como escola e mais atividades?

Godoy – Antigamente, não existia medicamento psiquiátrico. As coisas foram mudando, vieram os ansiolíticos porque as pessoas ficavam ansiosas. Já não se toma mais. As pessoas estão tomando medicação para ficar acordadas, trabalhar mais, as ritalinas. Vou dar um exemplo clínico: se tu tens hipertensão, tens de comer pouco, caminhar bastante, não pode te incomodar, tudo que a gente não consegue fazer. Se a gente fizesse tudo isso, não tomava remédio para pressão alta. Passa isso para a psiquiatria, e eu entendo que seja muito parecido.

ZH – Autoridades dizem que, na prescrição, é escrito o “se necessário”. Existem diagnósticos ou se usa o “se necessário” indiscriminadamente?

Godoy – O “se necessário” é assim: imagina o cara vindo algemado, eu chego na frente e ofereço uma medicação. Normalmente, o cara quer me mandar para o inferno. Não quer saber de mim. É feita a medicação para acalmá-lo. Mas podem distorcer, dizer que medicam para fazer mal. Não. Sinceramente, não tenho isso dentro do meu coração. A medicação é feita como forma protetiva.

ZH – O senhor fala em medida protetiva. Autoridades dizem que o excesso de medicação pode fazer mal, prejudicar a pessoa.

Godoy – Quem fala em excesso?

ZH – Integrantes do Judiciário.

Godoy– Se o Judiciário diz que há excesso, eu diria que o Judiciário tem outras medidas que também são um excesso, mas não é da minha área.

ZH – Então existe mesmo o “se necessário”?

Godoy – O “se necessário” existe.

ZH – O “se necessário” não é um risco por permitir que uma pessoa decida quando vai medicar?

Godoy – Toda a medicação é feita pela enfermagem e normalmente ocorre nos momentos de agitação, de ansiedade e com pedido. Até bolei uma ideia em cima dessa história toda: quando o interno quiser medicação, achando que está muito ansioso, ele vai escrever de próprio punho porque está solicitando medicação. Isso é importante, porque ninguém recebe medicação dormindo. Não existe tortura com medicação.

ZH – O senhor diz que não há tortura com medicação. A ministra Maria do Rosário disse que se medicação está sendo ministrada com o “se necessário” e com excesso, isso é crime.

Godoy – Em relação à medicação, estou autorizado a fazer porque tenho um curso. Acho que há coisa mais importante que a medicação para se preocuparem.

ZH – O quê?

Godoy – Está escrito no meu texto (a resposta dirigida à juíza) que tem coisa mais importante, coisas que talvez diminuíssem a necessidade de medicar.

ZH – Um assistente da direção da CSE assina o documento com o senhor. Ele concorda com sua opinião.

Godoy – Ele assina? O que escrevi, escrevi por mim. Fiz essa resposta para a juíza que me perguntava porque alguns internos estavam sendo medicados. Coloquei caso a caso e a minha opinião de por que se medicava dessa forma na Fase.

ZH – O senhor está há três governos na Fase. Nota mudanças?

Godoy – Temos reuniões e tal. Mas do ponto de vista de um real resultado, de mudança, bom, vocês estão vendo aí (faz referência à série de matérias “Meninos Condenados”).

O DRAMA DA JUVENTUDE BRASILEIRA


CARMEM MARIA CRAYDY, PROFESSORA FACED/UFRGS - ZERO HORA 03/02/2012


Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. (Paulo Freire, 2000-Terceira carta – Do assassinato de Galdino, o índio Pataxó)

A série de reportagens sobre os meninos condenados, de ZH, trouxe em boa hora a discussão sobre as políticas de e para a juventude no Brasil. Não temos dúvida de que a Fase deve passar por profundas transformações, que, cabe salientar, têm sido buscadas já há alguns anos sem o devido sucesso. As causas desta dificuldade de transformar-se de presídio degradador em instituição educacional estão merecendo uma análise cuidadosa.

O mais importante é salientar que o problema da violência da e na juventude brasileira, vastamente analisada no Mapa da Violência, certamente é um problema complexo, não redutível a um único fator.

Segundo o Mapa da Violência 2011 (Waiselfisz/Instituto Sangari/Ministério da Justiça), dividindo a população em dois grande grupos: os jovens, 15 a 24 anos, e os não jovens, de 0 a 14 e 25 anos e mais, na população não jovem, 9,9% do total de óbitos são atribuíveis a causas externas. Já entre os jovens, as causas externas são responsáveis por 73,6% das mortes: homicídio, com 39,9%; acidentes de trânsito, 19,3%; e suicídios, 3,9%.

Face a estes dados assustadores, que superam até os de países em guerra declarada, cabe perguntar: por que a juventude está se matando? A resposta talvez seja: por não ter razões suficientes para viver, ou, ainda, porque não aprendeu a resolver conflitos com o diálogo. Como diz Hannah Arendt, a violência surge onde não há a palavra, e a superação da violência jamais é atingida através de respostas violentas. O contrário da violência é a palavra, e não a violência.

Outro aspecto fundamental a ser considerado é que só é possível aprender a respeitar os direitos dos outros pela vivência de direitos na própria experiência. Aqui vai outra pergunta: como são respeitados os direitos desses meninos condenados em toda a cadeia de opressões a que estão submetidos? Como são tratados pela polícia? Como são recebidos nas escolas? Como são submetidos a julgamento? Têm sempre o direito de defesa garantido e a apresentação de provas consistentes? Conversam com seus advogados antes das audiências? Como são olhados por nós, pela sociedade em geral, os jovens que moram na periferia, sobretudo se são negros? Não haverá um olhar estigmatizante que os considera perigosos mesmo sem que nada tenham feito de mal?

Para concluir, gostaria de chamar a atenção para o fato de que as medidas socioeducativas são diversas. Não existe apenas a condenação à Fase para os que cometerem atos infracionais. Há as medidas de meio aberto (sem privação de liberdade) como a prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida. Essas medidas têm recebido pouco financiamento e pouca atenção das políticas públicas. Seria importante avaliar também os egressos dessas medidas em comparação aos egressos da Fase. Registro que executamos, na UFRGS, um programa de prestação de serviços à comunidade subordinado ao Pemse/Fasc.

Esse programa é executado na UFRGS desde 1997, sem interrupção, no início vinculado diretamente ao Juizado da Infância e da Juventude. Por ele já passaram cerca de 1,4 mil adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Em todos esses anos, nunca houve um ato de violência cometido por eles no âmbito da universidade, e os problemas de pequenas transgressões não passaram muito de uma dezena.

Talvez seja o momento de prestar mais atenção a formas alternativas à privação de liberdade para a chamada “recuperação” dos adolescentes e promover políticas de e para a juventude que abram mais possibilidades à realização pessoal. Valeria a pena perguntar aos próprios jovens o que eles pensam e propõem. Estou convencida de que as respostas poderão surpreender e ser mais lúcidas do que podemos imaginar.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

PLANO PARA CONTER O RETORNO DE JOVENS AO CRIME

Meninos condenados. Estado monta plano para conter retorno de jovens ao crime - ZERO HORA 01/02/2012

A ERA DOS DOIS LEÕES

WANDERLEY SOARES, O SUL
Porto Alegre, Quarta-feira, 01 de Fevereiro de 2012.


Muita coisa mudou para a gurizada. Sempre para pior.

Uma série de matérias elaboradas e editadas criteriosamente pelos coleguinhas do jornal Zero Hora sobre a questão dos menores infratores, que merecidamente ganhará alguns prêmios, foi fundamentada em dados oficiais e que, repetidas vezes, ao longo dos últimos anos, tenho aqui apontado e pautado, sem que os representantes do oficialismo tenham contestado uma só linha, mesmo de forma escorregadia, como é dos costumes de quem está no poder. Nas reportagens, nenhum mistério, nada surpreendente, embora tudo seja chocante. A Fase, ex-Febem (não duvido que a política da transversalidade descubra uma outra denominação antes que o mundo acabe) tem sido uma das usinas de criminosos que lotam os presídios de adultos. Para os recém-chegados, cumpre-me dizer que a Febem e a Fase tiveram seu embrião, há algumas décadas, no chamado Abrigo de Menores, um depósito fedorento de gurizada infratora instalado no Partenon, na avenida Bento Gonçalves, quase defronte de um cabaré chamado de "Dois leões". O portão do prostíbulo era guarnecido por duas feras moldadas em concreto. A partir da "era dos Dois leões" muita coisa mudou para a gurizada. Sempre para pior. Sigam-me

Teia de soluções

Irretocáveis as matérias que relataram, em linguagem jornalística, os dados oficiais. No entanto, se os apontamentos são oficiais, se estão vivos e entranhados na memória dos computadores do Estado, qual o motivo que teriam representantes do oficialismo para acordar agora para o problema se ele existe, em tremores sempre crescentes, desde o velho Abrigo de Menores da era dos Dois leões? Evidentemente que a busca desses personagens governamentais é, em primeiro plano, não perder o espaço na mídia e, mesmo que atabalhoadamente, oferecer uma teia de soluções para aproveitar a fase aquecida da discussão, pois logo pode aparecer um egoísta para levantar uma questão mais polêmica. Depois, ora depois, depois é só montar uma comissão para estudar o que haverá de se fazer. Um salto à frente.

Fenômeno

Parece-me que a tentativa mais estridente e afoita de montar no cavalo encilhado nessa questão dos menores infratores foi a da secretária especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, numa entrevista em que abraça uma tese a partir do que foi pensado há mais de 20 anos, época em que ela, a ministra, estava em seus sonhadores 25 anos de idade, avançou para um futuro absolutamente virtual, passou sem muita profundidade pelas coisas presentes e acenou com soluções que Vinicius de Moraes chamou, numa de suas composições, de "fenomenais". Dentro desta moldura, quando a presidente Dilma retornar de Cuba e falar com Maria do Rosário, certamente haverá de pensar: "Tendo Maria do Rosário aqui, o que tinha eu de me aconselhar com Fidel?"