TEMA EM DISCUSSÃO: Redução do limite de idade penal previsto no ECA
OUTRA OPINIÃO
FERNANDO DRUMMOND
O GLOBO
Atualizado:22/04/13 - 0h00
Sempre que um fato envolvendo adolescente infrator é noticiado surgem os arautos do poder punitivo clamando pela redução da idade penal, desconsiderando a complexidade da situação da criança e do adolescente.
As propostas de redução da maioridade penal em geral são justificadas por discursos emergenciais, tais como a alarmante escalada da criminalidade, a utilização cada vez mais intensa da participação de menores de 18 anos de idade, seja na prática de delitos, seja no seio do crime organizado, ou ainda a possibilidade de o menor de 16 anos votar, e, se estão habilitados a decidir o destino da pátria, deveriam responder pelos próprios atos.
No Direito comparado existe um equívoco conceitual, que falseia a realidade, acerca da idade mínima de responsabilidade penal, uma vez que grande parte de países adota a nomenclatura de responsabilidade penal juvenil para se referir à mesma responsabilidade prevista no Estatuto da Criança e Adolescente, que não usa a expressão penal, embora as medidas socioeducativas tenham as mesmas finalidades de reprovação social das penas do adulto, conforme dados no relatório da Unicef (2007) — “Por que dizer não à redução da idade penal”.
O Brasil adotou a doutrina da proteção integral, o que significa a obrigatoriedade de efetivar políticas universais de proteção às crianças e aos adolescentes sem qualquer restrição. Apesar de a Constituição, no seu artigo 227, declarar que a criança e o adolescente são titulares de direitos fundamentais, estes ficaram no papel sem uma efetiva política governamental de implementação destes direitos. A opção por expressar constitucionalmente a idade da maioridade penal em 18 anos, e não apenas em diplomas legais infraconstitucionais, se traduz em direito e garantias fundamentais.
O artigo 60, parágrafo 4º, IV da Carta vedou qualquer alteração referente aos direitos e garantias individuais. Este tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal, e está expresso no parágrafo 2º do artigo 5º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados...”, dando a correta extensão dos direitos e garantias.
A revisão da Constituição baseia-se nela própria, e negar seu dispositivo para transformá-lo em outro é negá-la também como princípio de validade.
A hermenêutica não é difícil; neste caso está no texto constitucional, não havendo como recusá-la, senão por expressa violação à Constituição Federal. Portanto, compromete a democracia a emenda que altera o artigo 228 da CF, configurador de garantia fundamental do indivíduo em face do poder punitivo do Estado, inserido entre as cláusulas pétreas, emanado do legítimo detentor da soberania por meio da intervenção do poder constituinte originário.
Fernando Drummond é diretor da Associação Internacional de Direito Penal, seção Brasil
O GLOBO
Atualizado:22/04/13 - 0h00
Sempre que um fato envolvendo adolescente infrator é noticiado surgem os arautos do poder punitivo clamando pela redução da idade penal, desconsiderando a complexidade da situação da criança e do adolescente.
As propostas de redução da maioridade penal em geral são justificadas por discursos emergenciais, tais como a alarmante escalada da criminalidade, a utilização cada vez mais intensa da participação de menores de 18 anos de idade, seja na prática de delitos, seja no seio do crime organizado, ou ainda a possibilidade de o menor de 16 anos votar, e, se estão habilitados a decidir o destino da pátria, deveriam responder pelos próprios atos.
No Direito comparado existe um equívoco conceitual, que falseia a realidade, acerca da idade mínima de responsabilidade penal, uma vez que grande parte de países adota a nomenclatura de responsabilidade penal juvenil para se referir à mesma responsabilidade prevista no Estatuto da Criança e Adolescente, que não usa a expressão penal, embora as medidas socioeducativas tenham as mesmas finalidades de reprovação social das penas do adulto, conforme dados no relatório da Unicef (2007) — “Por que dizer não à redução da idade penal”.
O Brasil adotou a doutrina da proteção integral, o que significa a obrigatoriedade de efetivar políticas universais de proteção às crianças e aos adolescentes sem qualquer restrição. Apesar de a Constituição, no seu artigo 227, declarar que a criança e o adolescente são titulares de direitos fundamentais, estes ficaram no papel sem uma efetiva política governamental de implementação destes direitos. A opção por expressar constitucionalmente a idade da maioridade penal em 18 anos, e não apenas em diplomas legais infraconstitucionais, se traduz em direito e garantias fundamentais.
O artigo 60, parágrafo 4º, IV da Carta vedou qualquer alteração referente aos direitos e garantias individuais. Este tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal, e está expresso no parágrafo 2º do artigo 5º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados...”, dando a correta extensão dos direitos e garantias.
A revisão da Constituição baseia-se nela própria, e negar seu dispositivo para transformá-lo em outro é negá-la também como princípio de validade.
A hermenêutica não é difícil; neste caso está no texto constitucional, não havendo como recusá-la, senão por expressa violação à Constituição Federal. Portanto, compromete a democracia a emenda que altera o artigo 228 da CF, configurador de garantia fundamental do indivíduo em face do poder punitivo do Estado, inserido entre as cláusulas pétreas, emanado do legítimo detentor da soberania por meio da intervenção do poder constituinte originário.
Fernando Drummond é diretor da Associação Internacional de Direito Penal, seção Brasil
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