sexta-feira, 5 de julho de 2013

SAÚDE MENTAL DOS INFRATORES

ZERO HORA 05 de julho de 2013 | N° 17482

SAÚDE MENTAL. Fase é pressionada a criar área para tratar infratores

Por descumprir determinação judicial, MP pede afastamento provisório da presidente da fundação


BRUNA VARGAS

O pedido de afastamento provisório da presidente da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), Joelza Mesquita Andrade Pires, por descumprimento da decisão judicial que determinava a implantação de programa para atendimento de adolescentes com doenças mentais graves até maio deste ano acionou um alerta na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Além de provocar a ação do Ministério Público contra a dirigente, o descumprimento da medida acumulou uma multa de R$ 24 milhões, cujo valor poderá ser aplicado no programa.

– O tratamento adequado é obrigação do Estado e direito do adolescente. Se o dirigente não atende (à decisão), uma das medidas é seu afastamento. Existe a possibilidade de abono desse valor após o cumprimento da determinação. Caso a multa seja mantida, o valor deverá ser utilizado para a implantação do programa – disse o promotor Júlio Almeida.

A Justiça determinou que a Fase instituísse um programa para atendimento de adolescentes com doença mental ou transtornos psiquiátricos, com atendimento individual e especializado, em local adequado, com a criação de novo espaço físico ou com a adequação de locais existentes nas unidades de Porto Alegre. O pedido do promotor dá prazo de 10 dias após a citação para que Joelza apresente proposta para adequação da Fase à decisão judicial. O secretário Fabiano Pereira disse que a determinação deverá ser cumprida nas próximas semanas:

– É uma ação de 2004. Naquela época, o MP agiu bem, pois não existia nada na Fase para atuar neste sentido, e começaram a chegar, também, os primeiros internos usuários de crack. Hoje, os internos vão ao CAP (Centro de Atenção Psicossocial) e têm o Programa Individual de Atendimento, que já conseguiu redução da medicalização em muitos casos. Mas vamos cumprir a decisão judicial.

Segundo Pereira, a Fase estuda a utilização da Ala D da Comunidade Socioeducativa (CSE) para a implantação do espaço determinado pela Justiça. Procurada por ZH, Joelza disse, por meios de sua assessoria de imprensa, que deverá se manifestar apenas após a notificação judicial.


Modelo de atendimento é criticado por entidade

A implantação de um programa para tratar infratores com doenças mentais graves é questionada por entidades como o Conselho Regional de Psicologia que, em janeiro, divulgou em seu site uma carta de repúdio à decisão judicial. De acordo com a presidente da entidade, Loiva dos Santos Leite, profissionais da área entendem que a criação de um espaço específico para atender esses adolescentes agravaria o estigma com o qual já sofrem os internos da Fase.

– Existe um grupo de trabalho que congrega várias entidades discutindo alternativas a esta decisão. Avaliamos que a criação de uma instituição dentro da instituição não favorece o cuidado desses jovens nem leva a sociedade a pensar estratégias de inclusão – defende Loiva.

Por meio de nota, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos demonstrou contrariedade com a decisão. O texto sustenta que a medida contraria uma lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e recomendações dos órgãos representativos da psicologia e da psiquiatria, além de ferir dispositivos da lei antimanicomial. Ao criticar o modelo de tratamento de saúde mental determinado pela Justiça, a nota divulgada pela secretaria utiliza termos como “segregação e isolamento” para definir o espaço destinado ao atendimento de adolescentes com transtornos psiquiátricos em unidades da Fase.

A implantação do Programa de Atendimento Individual foi uma das tentativas da secretaria de ação alternativa à determinação judicial, apresentada e rejeitada durante o processo.

Antropóloga aponta risco de duplo estigma

Doutora em antropologia social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Patrice Schuch acredita que o problema desses internos deveria ser tratado fora da instituição.

– O adolescente que passar por esse programa terá de lidar com dois estigmas: o de infrator e de louco. Profissionais de saúde mental já procuram realizar este tipo de tratamento privilegiando vínculos, junto à comunidade. O modelo sugerido para a Fase hoje não é o único existente para que os adolescentes possam receber este atendimento.


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