sábado, 28 de janeiro de 2012

RECLUSÃO E MEDICAMENTOS

SILVIA CZERMAINSKI, FARMACÊUTICA - ZERO HORA 28/01/2012

Chama atenção na entrevista da presidente da Fase em Zero Hora de 26 de janeiro a informação sobre o “excesso de medicação” dos internos da instituição. Antes do fato em si, também seu destemor em apontar essa prática merece um destaque, pelo enfrentamento que enseja da questão da realidade da saúde de pessoas institucionalizadas, em relação à preponderância de modelo de assistência em saúde mental centrado no medicamento.

A literatura científica em áreas da saúde coletiva e das ciências farmacêuticas, assim como inúmeros livros e periódicos, tem evidenciado com muita legitimidade os resultados do uso indevido e irracional do medicamento. E também, como é o caso, o uso do medicamento como instrumento de poder, de dominação, de manipulação, de tortura, de exclusão do direito à saúde. E nesse sentido, portanto, um desrespeito aos direitos humanos.

Desrespeitos esses, que em instituições de reclusão são de amplo conhecimento, ocorrem em todos os países, em todos os tempos. Não faltam denúncias diárias, de Guantánamo a Charqueadas, certamente aquém do que se consegue denunciar, discussões e relatórios infindáveis e pouca ação efetiva, ou pelo menos não no ritmo das necessidades e exigências para se atingir valores civilizatórios. Mas nem sempre percebem, sejam gestores, o simples cidadão e a própria sociedade como um todo, a sutileza do uso abusivo e intencional de medicamentos como instrumento de dominação.

A perversidade ganha contornos ainda mais trágicos por ter o medicamento, como um bem de saúde, a finalidade de cura e de alívio e cuja utilização é respaldada por uma prescrição médica. E essa é amparada pelas normas de condutas instaladas nas instituições e que habitualmente justificam seus problemas pela situação clássica de falta de pessoal e de precarização da infraestrutura. Quanto aos gestores, muitas vezes são despreparados, quando não intimidados por rotinas institucionais crônicas, as quais não conseguem ou não ousam enfrentar. O que parece não ser o caso da atual presidente.

Também se deve destacar o detalhe da prescrição de medicamentos psicoativos com o “se necessário”, onde há uma delegação de responsabilidades implícita, que na prática desconstitui a prescrição e dá margem para a usurpação; ainda mais quando não há uma equipe completa de profissionais de saúde, comissão de farmácia e terapêutica e adequada assistência farmacêutica.

O problema apresentado pela entrevistada deve ganhar contornos de denúncia e ensejar medidas urgentes, devendo o Estado ampará-la como gestora e mobilizar esforços no sentido não só de reparar e implantar novos procedimentos, mas de atender a protocolos técnicos e legislação de saúde que o próprio Estado definiu e exige cumprimento. A sociedade não quer mais que enrolem a língua, nem os menores infratores por uso abusivo de medicamentos, nem os gestores por não ousarem e não cumprirem seu papel. Ao que parece, finalmente, estamos numa nova Fase.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Concordo com a autora do artigo. Deve ganhar contornos de denúncia "a informação sobre o excesso de medicação dos internos da instituição". Onde estão o conselho tutelar, os juizados da infância, a promotoria da infância, os direitos humanos e os fiscais do Poder Executivo responsável pela guarda e custódia dos infratores.

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