Crianças desprotegidas, abandonadas, negligenciadas, sem amor, sem futuro, nos semáforos, vendidas, ao relento, violentadas e dependentes de drogas. Menores infratores depositados em lugares insalubres e inseguros, sem receber tratamento, oportunidades, educação, qualificação e reinclusão social. CADÊ OS PAIS? CADÊ A JUSTIÇA?
domingo, 29 de janeiro de 2012
PREVENÇÃO PRECOCE
ENTREVISTA. “O mais importante é a prevenção precoce”. Ruben de Souza Menezes, médico psiquiatra do IPF - ZERO HORA 29/01/2012
Há 17 anos atendendo no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) a pessoas que cometeram crimes por terem distúrbio mental, o psiquiatra Ruben de Souza Menezes, 46 anos, avalia que tratar e acompanhar autores de delitos é a única saída para reduzir o risco de reincidências. Abaixo, trechos da entrevista:
Zero Hora – O que pode ter faltado para esse grupo de ex-internos da Fase, cuja maioria voltou a cometer delitos?
Ruben de Souza Menezes – Um acompanhamento adequado na pós-internação. Há um hiato. Sai da Fase e cai na vida como adulto jovem sem uma supervisão, sem apoio para uma pessoa de risco. Um dos maiores fatores de risco para a violência é a existência de um episódio anterior. Uma pessoa que comete um crime uma vez tem chance maior de cometer uma segunda vez. Se a pessoa cometer duas vezes, o risco é muito mais alto.
ZH – Essa repetição de delitos é um fator determinante. O que mais?
Ruben – A idade de início (de cometimento de atos infracionais). O cérebro tem fases de maturação, ele vai evoluindo por etapas. O senso moral vai se formando antes dos 15 anos. Tem certas situações que se a pessoa tiver comportamento delituoso antes dos 15 anos, a chance de se tornar um psicopata, um adulto antissocial, é muito alta. E uma vez antissocial, antissocial para a vida inteira. Não existe cura.
ZH – Não?
Ruben – Ao contrário de qualquer teoria, não existe cura. É como o alcoolismo. Mas uma coisa é tu ter uma tendência ao alcoolismo, outra coisa é beber. Não é porque uma pessoa tem uma tendência a mentir, a pegar as coisas, que vai ser um criminoso. Mesmo a pessoa com transtorno antissocial, não precisa ser bandido, mas precisa de um monitoramento.
ZH – Se com 13 anos matei uma pessoa, por exemplo, quais são minhas chances de seguir com problemas?
Ruben – As chances de ser um adulto para o resto da vida com problemas criminais são altíssimas. A não ser que haja supervisão.
ZH – Essa supervisão envolve o quê?
Ruben – Acompanhamento. A questão mais importante nesse aspecto é a prevenção precoce, investir em educação precoce, evitar que o cérebro dessas crianças evolua no sentido das patologias morais. Não adianta, depois que cometerem três, quatro, cinco, 20 crimes, para cometer o 25, 30 é muito fácil.
ZH – Qual seria a solução?
Ruben – Determinados problemas cerebrais e mentais têm de ser tratados bem cedo, antes que a pessoa desenvolva certos comportamentos. É certo que esses adolescentes receberam algum tipo de atenção na Fase, é óbvio que a Fase tentou fazer algo por eles, mas essas pessoas têm características pessoais que fizeram com que seguissem cometendo crimes. Depois que a pessoa está com 20 anos e cometeu dois, três homicídios, não tem recuperação.
ZH – Não tem recuperação?
Ruben – Essa pessoa vai ter de ter acompanhamento de saúde, processual, moral o resto da vida. Deveriam prestar contas para a sociedade, porque são de alto risco.
ZH – Comportamentos criminosos são definidos por problemas mentais?
Ruben – Pessoas normais não roubam. O que vai definir determinadas situações de criminalidade e alterações de conduta não é só se a pessoa tem um problema em seu cérebro. É em que grau ela se dispõe a tratar esse problema. A atitude da pessoa diante de si mesma é que faz a diferença.
ZH – É possível recuperar sem tratar?
Ruben – Não. Tem que tratar e monitorar.
ZH – Prender resolve?
Ruben – Está provado que a medida de simplesmente encarcerar é o fim do mundo. A privação serve para salvar a vida de certas vítimas. Se um homem está ameaçando uma mulher, ele tem de ser preso. Mas não se pode trancar uma pessoa sem um projeto para ela. A sociedade tem de evoluir no sentido de acompanhamento dessas pessoas.
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