domingo, 22 de janeiro de 2012

MENINOS CONDENADOS: 10 ANOS DEPOIS



ADRIANA IRION E JOSÉ LUÍS COSTA - REPORTAGEM ESPECIAL DE ZERO HORA DOMINICAL, 22/01/2012

Esta é a história de 162 vidas que se cruzaram em Porto Alegre, há 10 anos, em uma das mais conturbadas casas da então Fundação Estadual do Bem-estar do Menor (Febem), hoje Fase. Nesta reportagem, ZH revela o destino desse grupo de adolescentes cujos delitos os reuniram em 1º de janeiro de 2002 na Comunidade Socioeducativa (CSE).

A casa é considerada a de perfil mais complexo da Fase, pois reúne principalmente os adolescentes autores dos atos infracionais mais graves e que são mais velhos _ de 18 a 21 anos.

O destino dos 162 adolescentes, uma década depois daquela internação, poderia ser contado só em números. Eles falam por si:

135 foram presos sob suspeita de terem cometido crimes;

114 foram condenados;

55 estão presos;

48 morreram.

A maioria dos mortos foi executada a tiros antes de completar 25 anos, vítimas de vinganças ou de cobranças ligadas ao tráfico. Deixaram como herança para famílias cercadas pela violência pelo menos 17 filhos órfãos de pai. As histórias de esperança são escassas. Dos 114 ex-internos vivos, apenas dois não voltaram a ter seus nomes registrados em ocorrências policiais ou em processos criminais.

Mais do que estatísticas, o levantamento de ZH expõe rostos e trajetórias de jovens que, em muitos casos, foram vítimas antes de se tornarem infratores. Nascidos em berços pobres, forjaram a personalidade, os valores e os limites – ou a falta deles – em ambientes insalubres, lares marcados por brigas domésticas e separações conjugais, ausência de figura paterna, desemprego e abuso de álcool e de drogas. Foi o terreno fértil para cultivar a revolta, afastá-los dos cadernos escolares e torná-los presas da criminalidade.

Um cenário cujo caminho natural foi a internação na Febem, instituição que fracassou em sua meta de ressocialização para mais de uma centena deles.

A Febem virou Fase em maio de 2002 com nova proposta de tratamento a adolescentes infratores. Mas não sumiu por completo. Ainda habitam suas unidades práticas da antiga cultura de atendimento a internos, como o excesso de medicação para acalmá-los e agressões.

O retrato feito nesta reportagem mostra que, para este grupo de jovens, a fundação não conseguiu intervir em uma realidade na qual família e escola já haviam falhado. Dos 162 adolescentes, 127 tiveram mais de uma internação ou passagens tumultuadas por agressões a outros internos ou a monitores.

– Durante anos, enquanto fui monitora, me arrependi de ter entrado (na fundação). Diante dos nossos olhos tem um celofane, e tu enxergas o mundo colorido. A Fase te arranca isso. Fica tudo preto e branco – interpreta Débora Perin, hoje coordenadora jurídica da Fase.

Pelo menos 114 daqueles 162 adolescentes voltaram às ruas formados no crime. Antes com rostos e nomes protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – que proíbe a identificação de menores de 18 anos que cometam atos infracionais –, ganharam destaque no noticiário policial. Inscreveram em seus currículos crimes de repercussão. Mataram policiais e crianças, integraram quadrilhas, roubaram carros e assaltaram bancos.

O que, então, em meio a tantas tragédias de responsabilidades coletivas, resgatou poucos deles do abismo da delinquência? O amor dirigido a uma mulher, a um familiar ou a Deus está presente nas histórias de superação que ZH descobriu nesse périplo em busca de ex-internos da CSE.. Quem teve chance de estudo e de trabalho também pode emergir do mergulho na criminalidade.

Um drible nada fácil para meninos que conheceram a violência cedo, como vítimas e como algozes.

A morte alcançou 48 jovens

Amorte de um em cada quatro “combatentes” é o saldo da batalha pela sobrevivência nas ruas do Rio Grande do Sul de 162 adolescentes depois de passarem, em 2002, pela Comunidade Socioeducativa (CSE). Em um conflito bélico entre nações, os números já seriam dignos de um massacre.

Dos 48 mortos, 41 ( 25,3%) tiveram morte violenta. No Brasil, em 2010, entre a população jovem (15 a 24 anos), o percentual de morte violenta foi de 0,08%, segundo dados do IBGE.

A arma mais letal na guerra enfrentada pelos ex-internos foi o crack. A pedra foi o fio condutor para soterrar pelo menos 27 dos 48 mortos, arrastando para a mesma vala jovens que tentavam se regenerar com outros entregues ao crime, condenados a matar, roubar e furtar pelo resto de seus dias para sustentar o vício.

A maioria partiu cedo. Para 43 deles, a sentença de morte veio antes dos 25 anos. Uma pequena parte tombou em confrontos com a polícia ou durante ação criminosa, mas o maior número foi executado a tiros pelas mãos de desafetos, por causa de brigas, dívidas, delações, vinganças ou queimas de arquivo.

A reconstituição das vidas desses jovens revela a gênese da violência. As vítimas nasceram e morreram em ambiente hostil. Mais de 70% delas vieram ao mundo sob o estigma da adversidade. Fruto de relações conjugais conturbadas, só conheceram a mãe ou padeceram com as separações dos pais. E uma parcela significativa carrega um histórico de tragédias familiares. Cresceu chorando a perda de parentes próximos, também fulminados por mortes violentas.

Às famílias restou o pesado fardo da saudade, do sofrimento, de criar quase duas dezenas de órfãos e se resignar com a indiferença das autoridades. Dos assassinatos que exigiam investigação, em menos da metade os responsáveis foram identificados e presos.

Duas das mortes ilustram o quadro de desventura: Marcos Arruda, enterrado como indigente aos 20 anos, em 2004, sem que parentes jamais vissem o corpo. E Gilmar Machado de Souza Junior, 21 anos, que, segundo recado anônimo dado à mãe, foi esquartejado e jogado em um lixão. A família nunca fez registro na polícia.




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