segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

MIL E QUINHENTOS ANOS DE CADEIA



ADRIANA IRION E JOSÉ LUÍS COSTA, ZERO HORA 23/01/2012

Ultrapassa os 1,5 mil anos de condenações o saldo da trajetória criminosa de ex-internos da então Fundação Estadual do Bem-estar do Menor (Febem), hoje Fase, cujas histórias Zero Hora está contando.

Dez anos depois de se reunirem na Comunidade Socioeducativa (CSE), uma das unidades mais violentas da fundação, dos 162 jovens, 114 tiveram condenações judiciais.

- As sentenças são resultado de pelo menos 280 processos criminais.

- Dos 162 ex-internos, 135 passaram pelo sistema prisional.

- Eles tiveram pelo menos 340 entradas em prisões por suspeita de cometer crimes.

Há casos de jovens que ingressaram em cadeias para adultos antes mesmo de quitarem contas na fundação. Dos 162 ex-internos da CSE, 111 tiveram registros de fugas, sendo que 40 deles deixaram a instituição foragidos, portanto, sem terminar de cumprir a medida judicial de internação.

Luciano Emerson Pinto de Freitas é um exemplo. Fugiu da fundação, onde ingressara aos 17 anos, em 28 de abril de 2002. Às 10h do mesmo dia, foi preso ao assaltar um minimercado e atirar contra policiais militares.

Naquela manhã, Luciano dava sequência a uma carreira criminosa marcada por entradas e saídas de prisões e que lhe rendeu, até o momento, sentenças que ultrapassam 90 anos de condenação.

Jorge Luiz Pires saiu da então Febem em 8 de janeiro de 2002. Um dia depois, segundo a Justiça registrou em sentença, executou um homem com três tiros, em Porto Alegre. Voltou a ser preso 67 dias depois de ter saído da fundação. Hoje, tem penas que somam mais de 60 anos.

Dados sobre novas capturas mostram que parte dos ex-internos teve pouco tempo de liberdade. Pelo menos 60, dos 135 que foram presos , ingressaram em prisões menos de um ano depois de saírem da fundação. Para alguns, como Rafael Candido Santos Machado, isso representa uma vida inteira privada de liberdade.

Rafael entrou na ex-Febem com 14 anos, em 1999, por assalto. Entre ingressos, fugas, retornos, internações e o desligamento definitivo, passou cinco anos vinculado à fundação. E nesse período já registrava entradas também no sistema prisional. Hoje, tem pena de 49 anos. Mas da lista de 114 condenados também emergem histórias de jovens que cumpriram suas penas como adultos, ganharam liberdade e não voltaram a delinquir, como a de Magno da Silva Luciano, que formou família e trabalha em um posto de combustíveis.


70% dos 162 ex-internos foram condenados

O retrato feito por ZH revela que a reincidência fora dos portões do que é hoje a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) foi de 70,3%, levando em conta a quantidade de 114 ex-internos que foram condenados.

O percentual é bem superior ao verificado em 2011 na instituição. No ano passado, o índice de infratores que já haviam tido internações anteriores foi de 38,5%.

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a gaúcha Maria do Rosário, confirma que há dificuldades na ressocialização de infratores.

– Houve esforços nestes 10 anos, mas o sistema de caráter socioeducativo não tem funcionado no Brasil. Ele ainda é uma declaração de intenções mais do que uma realidade capaz de recuperar adolescentes – disse.

A situação desafia o poder público:

– É uma responsabilidade que não tem sido cumprida a contento no cenário nacional.

Os jovens cujas histórias embasam esta série de reportagens já tinham um perfil de repetição de delitos quando ainda eram adolescentes. Dos 162 infratores, 127 deles tiveram mais de uma internação na fundação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário