sábado, 19 de abril de 2014

A FRIEZA DE UM PAI



ZERO HORA 19 de abril de 2014 | N° 17768

LETÍCIA COSTA

Depois do choque provocado pela morte de Bernardo, surgem questões sobre o que se passa na mente dos envolvidos


A carência de Bernardo Uglione Boldrini, que passava dias na casa de outras famílias em busca da atenção que não encontrava no próprio lar, emitia sinais da relação fria entre ele, o pai, Leandro Boldrini, e a madrasta, Graciele Ugulini. Tão essencial como saber a participação de cada um dos suspeitos presos pelo crime que tirou a vida do estudante de Três Passos, no noroeste gaúcho, é entender o que leva uma pessoa, em especial um pai, a encobrir tamanha crueldade – conforme apontam as investigações policiais.

– Quem comete uma loucura destas é louco? – questiona o psiquiatra Luiz Carlos Illafont Coronel.

Ele mesmo responde:

– Que é uma loucura não resta dúvida, mas saber se a pessoa tem uma alteração comportamental que possa embasar sua conduta criminal é uma questão que só podemos responder examinando-a – afirma Coronel.

A psiquiatra Bettina Fichbein alerta: a maioria dos doentes mentais não é criminosa e vice-versa. Sem a possibilidade de fazer um diagnóstico preciso de Boldrini, especialistas apontam que o motivo do desinteresse do médico pelo filho, que se queixava de indiferença, pode ter diferentes origens.

– Existem pais que não queriam ser pais e outros que não têm capacidade afetiva de abrir mão dos próprios interesses para se dedicar aos das crianças, que são muitos e variam ao longo do desenvolvimento delas. Há também algumas pessoas que são frias com as outras, inclusive filhos. Elas têm indiferença afetiva. Ainda não é possível fazer essa relação com o pai de Bernardo, mas são exatamente as pessoas mais frias que cometem crimes com danos aos outros – diz o psiquiatra Rogério Cardoso, diretor-técnico do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF).

O distanciamento em relação ao filho não necessariamente indica que um pai é violento. Para isso, há alguns fatores que impulsionam a agressão, como as drogas e os transtornos mentais. Para a psicóloga Maria Aparecida Kruse Dib, terapeuta de casais e famílias, o que aconteceu no caso de Bernardo pode indicar alguma patologia.

– É esperado que, diante do desaparecimento de um filho, um pai fique ansioso, desesperado e tenha uma reação de tentar fazer tudo para encontrá-lo. Espera-se que os pais saibam onde estão os filhos, com quem estão, o que estão fazendo. Por limitações, que podem ser de ordem psicológica, financeira ou de um novo casamento, Boldrini não conseguiu assumir como devia a guarda do filho – comenta Maria Aparecida.

O papel da madrasta

No enredo da relação entre pai e filho, havia uma personagem fundamental: a madrasta. Elaine Raber, ex-babá de Bernardo, que trabalhou com a família enquanto a mãe dele era viva, disse que Boldrini era um pai presente e que a chegada de Graciele alterou tudo. A tendência de relacionar Bernardo à lembrança da ex-mulher do marido pode ter impulsionado o ciúme da madrasta, diz Maria Aparecida.

Apesar de ter só 11 anos, Bernardo teria notado que sua presença incomodava e foi buscar ajuda no MP. Analdino Rodrigues Paulino, presidente da Associação de Pais e Mães Separados (Apase), comenta que alguns casais podem dar mais atenção ao novo filho e que os anteriores, frutos de outra relação, passam a se sentir desprezados:

– Pode ser que o casal tenha começado a sentir um problema com a presença do menino e, em um momento de desequilíbrio, resolveu ‘despachar’ o garoto para melhorar a relação.


INDÍCIOS DE ABANDONO

Uma coleção de sinais indicava que havia algo errado na situação de Bernardo

- Bernardo relatou ao Ministério Público (MP) que gostaria de ter a chave de casa (a madrasta não o deixaria entrar antes que o pai chegasse) e que queria brincar com a irmã de um ano (fruto do relacionamento de Leandro e Graciele).

- O menino costumava passar os fins de semana na casa de amigos e de outras famílias da cidade. O menino iria sozinho até os locais, sem contar com a carona do pai e a preocupação dele sobre quanto tempo ficaria distante.

- O menino chegou a apontar ao MP famílias com as quais gostaria de morar.

- O pai não se importaria com o andamento escolar do estudante do 6ª série do Ensino Fundamental do Colégio Ipiranga, não comparecendo ao colégio quando chamado.

- Em audiência com o juiz, para tratar da transferência da guarda de Bernardo à avó, Boldrini pediu uma chance de reaproximação com o filho e admitiu falhas.Disse que trabalhava demais.


O SER HUMANO VIOLENTO

Inúmeros elementos podem impulsionar episódios de violência

- Drogas:
 cocaína, crack, maconha e álcool são substâncias que podem fazer aflorar a personalidade violenta de alguém. Existem homens que bebem e se veem como galãs, outros pensam ser cantores e outros se tornam violentos.

- Transtorno antissocial: antes chamadas de psicopatas, as pessoas com esse transtorno são frias, inteligentes e capazes de cometer as maiores barbáries. A pessoa não sente culpa, não se solidariza com o sentimento do outro e é manipuladora.

- Amor patológico: característica existente em relações doentias, com uma roupagem de amor bandido. Um exemplo são as relações em que o homem acha que é dono da mulher e dos filhos, que se tornam as vítimas mais comuns.

- Ideias paranoicas: a pessoa pensa que a melhor defesa é o ataque. Isso ocorre independentemente do quadro clínico dela, se está em surto psicótico, deprimida ou afetada pelo uso de drogas. A pessoa tem ideias de perseguição.




3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Os dois estão no mesmo patamar ...nem mais ,nem menos .PSICOPATAS merecem prisão máxima para esses assassinos.

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  3. Com todo respeito, a morte de Bernardo está nas mãos de todos no poder público. Pela própria vontade Bernardo procurou a ajuda do Ministério Público e exatamente nada foi feita. Confiaram na palavra de um pai desleixado que estava tudo bem. Ninguém saiu do seu escritório ar condicionado para procurar a saber o que estava acontecendo com Bernardo, não entrevistaram nenhuma das várias pessoas que podem testemunhar os maus-tratos. Pior ainda usaram a desculpa fraca que ninguém compareceu com reclamações. Bernardo era ninguém??? A partir do momento que ele reclamou foi o dever de todos para investigar e nada fizeram.

    O Conselho Tutelar, juiz da Vara de Infância e Juventude, Ministério Público, Promotor da Justiça, Delegada da Policia Civil, Diretora da Escola, todos tem a sua parcela da culpa. Se qualquer uma dessas pessoas fizeram o dever deles, o trabalho que é pago pelo povo que tem todo direito para esperar o melhor, Bernardo ainda será com a vida, estudando e brincando como deve ser. Lamentável o descaso total.

    Quais são as qualificações para ser Conselheiro Tutelar neste país, no primeiro lugar??? Até parece que qualquer um que passa no concurso público, mesmo que não tem nenhum experiência anterior em trabalhar com crianças e as suas necessidades pode ser Conselheiro Tutelar. Esse não acontece num país sério, desenvolvido.

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