ZERO HORA 19 de abril de 2014 | N° 17768
Perceptíveis ou não a um primeiro olhar, sinais são emitidos por crianças que precisam de ajuda. No caso de Bernardo, a carência, o desempenho nos estudos e, principalmente, o depoimento de que era constantemente xingado pela madrasta poderiam ter contribuído para que o desenrolar do problema familiar fosse outro.
O estudante não teria marcas físicas de agressão, mas o semblante e as palavras proferidas até mesmo em frente a uma promotora de Justiça indicavam a realidade que transpassou as paredes da casa e virou de conhecimento dos moradores da cidade de quase 24 mil habitantes.
– O depoimento da criança deve ser levado em consideração. A omissão existiu, o menino pediu ajuda, mas não houve o acompanhamento do caso – avalia a terapeuta de casal e família, Sylvia Nabinger.
Assistente social aposentada do Juizado da Infância e Juventude, Sylvia indica alguns sinais que podem ser notados nas crianças. No âmbito psicológico, baixo rendimento escolar, relatos de maus-tratos e comportamento apático ou irritadiço servem de alerta de que algo não vai bem.
Já na questão física, a criança em uma situação de negligência dos responsáveis pode apresentar desde falta de higiene e aparência desconfortável, até desnutrição, marcas na pele de mordidas, queimaduras de ferro ou cigarro, e a genitália alterada.
O psiquiatra Luiz Carlos Illafont Coronel salienta que não se deve menosprezar qualquer manifestação de abuso, negligência ou agressão:
– Tem alguma coisa muito errada quando uma criança não pode entrar em casa antes que o pai chegue. Outro exemplo é alguém dizer que vai te matar. Não é normal querer matar uma pessoa. Tem de levar a sério.
Ex-babá não foi ouvida em processo da guarda. MP não procurou Elaine Raber, que cuidou de Bernardo de 2007 a 2009
MAURICIO TONETTO*
Adiarista Elaine Raber, 47 anos, que cuidou de Bernardo Uglione Boldrini de 2007 a 2009, não foi chamada pelo Ministério Público (MP) no processo que determinou a permanência da guarda do menino com o pai, o médico Leandro Boldrini. Ontem, Elaine explicou que foi procurada só pela Polícia Civil, em 8 de abril, quando o garoto de 11 anos já estava desaparecido.
– Nunca me procuraram. A única vez que falei foi no depoimento à delegada (Caroline Bamberg). Não ia falar alguma coisa para depois ter de arcar com as consequências. Não sabia que o Bernardo estava morto – explicou.
O advogado Marlon Balbon Taborda, que representa a avó materna do menino, alertou ao Conselho Tutelar de Santa Maria, em 22 de novembro de 2013, e ao Ministério Público de Três Passos, em 6 de dezembro ano, sobre o risco que Bernardo corria.
Em troca de e-mails, Taborda informa, baseado em denúncia feita por Elaine, que o garoto “estava andando pela rua, abandonado, que foi tentado (sic) ser asfixiado em uma noite quando estava em casa, fato confirmado pelo menino”. Conforme o Ministério Público, a denúncia é de 2012.
A última mensagem encaminhada pelo MP de Três Passos convida o advogado e a avó de Bernardo a irem até a cidade para esclarecer as denúncias. Taborda alegou que a avó era doente e não podia se deslocar até lá.
Antes de procurar o MP, o advogado enviou a mesma denúncia ao Conselho Tutelar de Santa Maria, explicando que, diante das ameaças, o menino estaria com Juçara Petry e João Carlos Petry, família que o acolheu diversas vezes e foi apontada por ele como aquela com a qual gostaria de viver.
O conselheiro tutelar de Santa Maria Alexandre Almeida da Silva disse que orientou Taborda a mandar a denúncia no local de domicílio da criança. Conselheiro tutelar de Três Passos Hélio Eberhardt afirmou ontem que, por conta de estar em atendimento externo, do feriadão e da norma interna de que questões sobre o caso só serão respondidas por escrito, não poderia confirmar se a ex-babá foi ouvida.
Procurado por ZH, o MP confirma que a ex-babá não foi ouvida no processo e defende a atuação da promotora Dinamárcia Maciel de Oliveira:
– Agiu corretamente, tomou as medidas cabíveis, portanto sua conduta é irreparável. Não há nenhum fato que motive apurar sua conduta – disse o subprocurador-geral para Assuntos Institucionais, Marcelo Dornelles.
Em janeiro deste ano, Bernardo foi levado ao MP por um agente da rede de proteção. Negou sofrer maus-tratos físicos e violência, mas disse que o pai era indiferente e que a madrasta implicava com ele. No fim do mês, a promotora ingressou com ação pedindo que a guarda provisória fosse dada para a avó materna, em Santa Maria.
A Justiça marcou audiência e, em fevereiro, o pai de Bernardo admitiu falhas, disse que trabalhava demais e pediu uma chance de reaproximação. Bernardo aceitou. Segundo a promotora, foi definido prazo para nova avaliação e, desde lá, nenhum problema chegou ao MP. Ela afirmou, ainda, que não houve indícios de que o garoto corresse perigo ou sofresse violência.
*Colaboraram Adriana Irion e Carlos Rollsing
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