ZERO HORA 17/04/2014 | 05h01
Especialistas apontam falhas no sistema de proteção à infância no caso Bernardo
Menino foi encontrado morto em Frederico WestphalenFoto: Carlos Macedo / Agencia RBS
José Luís Costa
O descompasso provocado por uma legislação inadequada e por falhas na rede que deveria proteger o menino Bernardo Uglione Boldrini é apontado como um dos fatores que levaram à tragédia em Três Passos.
O garoto de 11 anos, vítima de uma tragédia familiar, emitiu sinais de que precisava de ajuda, mas faltou compreensão suficiente. Esse é o diagnóstico da maioria dos especialistas no tema consultados por ZH.
Consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o advogado João Batista Costa Saraiva afirma que o principal problema está na estrutura de atendimento:
— O sistema não está suficientemente aparelhado. Para um caso desses, não são suficientes os ouvidos do juiz e do promotor. Precisa, também, de um assistente social, um psicólogo. O Conselho Tutelar tem de melhorar, assim como os centro de atendimento. Não houve capacidade de diagnosticar a extensão do problema.
Verônica Petersen Chaves, psicóloga do Tribunal de Justiça (TJ), afirma que, para casos como o de Bernardo, juízes deveriam contar com apoio de profissionais de psicologia, valendo-se de pareceres técnicos para auxiliar na tomada de decisões.
— Infelizmente, somos poucos profissionais disponíveis para atender a todas as comarcas — avalia Verônica, que atua no núcleo da infância do Centro de Atendimento Psicossocial Multidisciplinar no Fórum Central.
Confira na linha do tempo a cronologia do caso Bernardo na Justiça:
Desembargador defende decisão
Para Márcia Herbertz, ex-conselheira tutelar e ex-integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedica), a rede de proteção está preparada para entrar em casas empobrecidas, mas tem dificuldades de cruzar os muros das classes mais altas.
— As atitudes do menino, que dormia na casa dos amigos sem horário para voltar para casa, a falta de amor e de carinho e o suicídio da mãe são sinais evidentes de violência psicológica. Não perceberam que o menino estava pedindo socorro — interpreta Márcia.
A advogada Maria Dinair Acosta Gonçalves, presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB no Rio Grande do Sul, aponta falhas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
— A lei é falha ao não prever a presença de um advogado nestes casos, e nenhum defensor foi chamado. O advogado acompanharia a criança e, ao primeiro sinal de maus-tratos, encaminharia a um abrigo.
O desembargador José Antônio Daltoé Cezar entende que o juiz local agiu de acordo com a lei.
— Sou um crítico do ECA porque supervaloriza vínculos biológicos, engessando o juiz e o promotor. Exige que se busque ao máximo soluções para manter a criança em família — afirma Cezar, que atuou por mais de duas décadas em varas da infância e juventude.
O desembargador Túlio Martins, presidente do conselho de comunicação social do TJ, é enfático:
— O juiz de Três Passos não cometeu erro. A decisão foi técnica, não havia possibilidade de prever o que ocorreu. Eu teria decidido da mesma maneira.
O QUE ESTÁ EM DEBATE
A REDE — O sistema de atendimento é uma união de serviços de saúde, como os centros de referência em assistência social e psicossocial, com Judiciário, Ministério Público, escolas e Conselhos Tutelares. Os centros de referências são mantidos por prefeituras com ajuda de recursos federais. Esses organismos fazem encaminhamentos e trocam informações entre si. Em geral, costumam se reunir periodicamente para discutir medidas de melhoria dos serviços.
AS FALHAS — Segundo especialistas ouvidos por Zero Hora ontem, a escola, a comunidade e os amigos deveriam ter se imposto para ajudar Bernardo ao perceberem que ele sofria com a rejeição familiar. Quando o menino procurou ajuda, o Ministério Público e o Judiciário deveriam ter convocado a rede de atendimento psicossocial da cidade para acompanhá-lo, o pai e a madrasta para avaliar sintomas de maus-tratos afetivos.
O caso que chocou o Rio Grande do Sul
Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, desapareceu no dia 4 de abril, uma sexta-feira, em Três Passos, município do Noroeste. De acordo com o pai, o médico cirurgião Leandro Boldrini, 38 anos, ele teria ido à tarde para a cidade de Frederico Westphalen com a madrasta, Graciele Ugolini, 32 anos, para comprar uma TV.
De volta a Três Passos, o menino teria dito que passaria o final de semana na casa de um amigo. Como no domingo ele não retornou, o pai acionou a polícia. Boldrini chegou a contatar uma rádio local para anunciar o desaparecimento. Cartazes com fotos de Bernardo foram espalhados pela cidade, por Santa Maria e Passo Fundo.
Na noite de segunda-feira, dia 14, o corpo do menino foi encontrado no interior de Frederico Westphalen dentro de um saco plástico e enterrado às margens do Rio Mico, na localidade de Linha São Francisco, interior do município.
Segundo a Polícia Civil, Bernardo foi dopado antes de ser morto com uma injeção letal no dia 4. Seu corpo foi velado em Santa Maria e sepultado na mesma cidade. No dia 14, foram presos o médico Leandro Boldrini – que tem uma clínica particular em Três Passos e atua no hospital do município –, a madrasta e uma terceira pessoa, identificada como Edelvania Wirganovicz, 40 anos, que colaborou com a identificação do corpo. O casal aparentava ter uma vida dupla, segundo relatos de amigos e vizinhos.
Especialistas apontam falhas no sistema de proteção à infância no caso Bernardo
Menino foi encontrado morto em Frederico WestphalenFoto: Carlos Macedo / Agencia RBS
José Luís Costa
O descompasso provocado por uma legislação inadequada e por falhas na rede que deveria proteger o menino Bernardo Uglione Boldrini é apontado como um dos fatores que levaram à tragédia em Três Passos.
O garoto de 11 anos, vítima de uma tragédia familiar, emitiu sinais de que precisava de ajuda, mas faltou compreensão suficiente. Esse é o diagnóstico da maioria dos especialistas no tema consultados por ZH.
Consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o advogado João Batista Costa Saraiva afirma que o principal problema está na estrutura de atendimento:
— O sistema não está suficientemente aparelhado. Para um caso desses, não são suficientes os ouvidos do juiz e do promotor. Precisa, também, de um assistente social, um psicólogo. O Conselho Tutelar tem de melhorar, assim como os centro de atendimento. Não houve capacidade de diagnosticar a extensão do problema.
Verônica Petersen Chaves, psicóloga do Tribunal de Justiça (TJ), afirma que, para casos como o de Bernardo, juízes deveriam contar com apoio de profissionais de psicologia, valendo-se de pareceres técnicos para auxiliar na tomada de decisões.
— Infelizmente, somos poucos profissionais disponíveis para atender a todas as comarcas — avalia Verônica, que atua no núcleo da infância do Centro de Atendimento Psicossocial Multidisciplinar no Fórum Central.
Confira na linha do tempo a cronologia do caso Bernardo na Justiça:
Desembargador defende decisão
Para Márcia Herbertz, ex-conselheira tutelar e ex-integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedica), a rede de proteção está preparada para entrar em casas empobrecidas, mas tem dificuldades de cruzar os muros das classes mais altas.
— As atitudes do menino, que dormia na casa dos amigos sem horário para voltar para casa, a falta de amor e de carinho e o suicídio da mãe são sinais evidentes de violência psicológica. Não perceberam que o menino estava pedindo socorro — interpreta Márcia.
A advogada Maria Dinair Acosta Gonçalves, presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB no Rio Grande do Sul, aponta falhas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
— A lei é falha ao não prever a presença de um advogado nestes casos, e nenhum defensor foi chamado. O advogado acompanharia a criança e, ao primeiro sinal de maus-tratos, encaminharia a um abrigo.
O desembargador José Antônio Daltoé Cezar entende que o juiz local agiu de acordo com a lei.
— Sou um crítico do ECA porque supervaloriza vínculos biológicos, engessando o juiz e o promotor. Exige que se busque ao máximo soluções para manter a criança em família — afirma Cezar, que atuou por mais de duas décadas em varas da infância e juventude.
O desembargador Túlio Martins, presidente do conselho de comunicação social do TJ, é enfático:
— O juiz de Três Passos não cometeu erro. A decisão foi técnica, não havia possibilidade de prever o que ocorreu. Eu teria decidido da mesma maneira.
O QUE ESTÁ EM DEBATE
A REDE — O sistema de atendimento é uma união de serviços de saúde, como os centros de referência em assistência social e psicossocial, com Judiciário, Ministério Público, escolas e Conselhos Tutelares. Os centros de referências são mantidos por prefeituras com ajuda de recursos federais. Esses organismos fazem encaminhamentos e trocam informações entre si. Em geral, costumam se reunir periodicamente para discutir medidas de melhoria dos serviços.
AS FALHAS — Segundo especialistas ouvidos por Zero Hora ontem, a escola, a comunidade e os amigos deveriam ter se imposto para ajudar Bernardo ao perceberem que ele sofria com a rejeição familiar. Quando o menino procurou ajuda, o Ministério Público e o Judiciário deveriam ter convocado a rede de atendimento psicossocial da cidade para acompanhá-lo, o pai e a madrasta para avaliar sintomas de maus-tratos afetivos.
O caso que chocou o Rio Grande do Sul
Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, desapareceu no dia 4 de abril, uma sexta-feira, em Três Passos, município do Noroeste. De acordo com o pai, o médico cirurgião Leandro Boldrini, 38 anos, ele teria ido à tarde para a cidade de Frederico Westphalen com a madrasta, Graciele Ugolini, 32 anos, para comprar uma TV.
De volta a Três Passos, o menino teria dito que passaria o final de semana na casa de um amigo. Como no domingo ele não retornou, o pai acionou a polícia. Boldrini chegou a contatar uma rádio local para anunciar o desaparecimento. Cartazes com fotos de Bernardo foram espalhados pela cidade, por Santa Maria e Passo Fundo.
Na noite de segunda-feira, dia 14, o corpo do menino foi encontrado no interior de Frederico Westphalen dentro de um saco plástico e enterrado às margens do Rio Mico, na localidade de Linha São Francisco, interior do município.
Segundo a Polícia Civil, Bernardo foi dopado antes de ser morto com uma injeção letal no dia 4. Seu corpo foi velado em Santa Maria e sepultado na mesma cidade. No dia 14, foram presos o médico Leandro Boldrini – que tem uma clínica particular em Três Passos e atua no hospital do município –, a madrasta e uma terceira pessoa, identificada como Edelvania Wirganovicz, 40 anos, que colaborou com a identificação do corpo. O casal aparentava ter uma vida dupla, segundo relatos de amigos e vizinhos.
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