domingo, 26 de julho de 2015

O JOGO DE EMPURRA DOS PROBLEMAS



ZERO HORA 26 de julho de 2015 | N° 18238


VÍTIMAS DE ABRIGOS



Apesar de falarmos de uma área de prioridades e urgências, isso parece se refletir pouco na prática. A história de problemas do João-de-Barro, por exemplo, existe desde que ele foi criado, em 2008, para substituir um modelo falido: o do abrigo Ingá Brita. Três meses depois de inaugurado, as inspeções do MP já apontavam irregularidades. Quando começa uma saga jurídica, um imbróglio de ofícios, petições, representações, cobranças, troca de farpas e respostas vazias que se arrasta até hoje tendo Ministério Público de um lado e prefeitura de Porto Alegre de outro. Em dezembro de 2013, o MP representou à Justiça pedindo apuração de irregularidades no abrigo e que, caso não fossem sanados os problemas no prazo de três meses, a casa fosse fechada por não dar condições dignas de atendimento aos adolescentes.

O que parecia significar uma medida contundente se esvaiu no tempo em meio à burocracia. Cinco meses se passaram até que o pedido do MP virasse ação. O processo tramita até hoje na Justiça, em fase de instrução e sem solução. Desde então, o João-de-Barro trocou de endereço e já ocorreram pelo menos outras sete inspeções no local. O resultado é o óbvio. O desleixo, o desamor e a desproteção ainda são os principais ocupantes da casa especial.

Convocada em outubro do ano passado para atuar em regime de exceção na Vara da Infância e da Juventude, a fim de realizar audiências concentradas e tentar colocar em dia ao menos a situação jurídica de quem espera um lar de verdade, a juíza Sonáli Cruz Zluhan só pensa no quanto gostaria de fechar o João-de-Barro e o Quero-Quero:

– Esses lugares não funcionam. Só refletem o que não se conseguiu fazer e reforçam o sentimento de que esses jovens não vão dar certo.

A situação se agrava quando se vê que as falhas não estão restritas às condições do JB ou do Quero-Quero. Estão dissolvidas em maior ou menor grau em toda a rede de abrigos municipal e estadual. É o que contam repetidamente as inspeções do MP sobre as casas que deveriam proteger uma população em torno de 1,3 mil bebês, crianças e adolescentes, só na Capital. E o surpreendente é que esse universo tão protegido por sigilo – previsto em lei e sempre alegado em suposta defesa da própria criança ou adolescente – só começou a ser desvendado quando dois entes de peso dessa rede de proteção passaram a debater publicamente omissões e falhas no trabalho relacionado aos acolhidos.

Foi em setembro do ano passado. O MP deu o primeiro passo, divulgando que crianças ou adolescentes abrigados na Capital e já destituídos de suas famílias não constavam no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) por falha do Judiciário. Antes que fosse cobrado, o próprio MP revelou que quase 40% dos acolhidos não tinham sequer ação de destituição de poder familiar, que tem de ser iniciada pelo MP quando se constata que a família do abrigado não tem condições de ficar com ele. Com as descobertas, vieram medidas às pressas: MP e Judiciário criaram mutirões para revisar os casos e colocar o trabalho em dia. Foi assim que nasceu o regime de exceção comandado pela juíza Sonáli.

A ideia é a de audiências feitas nos próprios abrigos, reunindo crianças e adolescentes e entes da rede de proteção. Nas sessões é verificado se está sendo tentado vínculo com familiares, ou se existe ação de destituição, se ela está andando como deveria, se a criança está na escola, em cursos, se recebe o atendimento médico, se está bem tratada, alimentada, feliz, se brinca, onde dorme, que condições gerais tem a casa e por aí vai. É como se uma mãe ou pai zeloso sentasse com a família ao fim do dia para conversar. Enfim, é um olhar sobre o funcionamento de casas que deveriam operar como lares de verdade, tipo aquele dos sonhos descritos nas leis.

Claro que nenhuma casa é a dos sonhos. Sempre há um problema ou outro. Nos lares de onde os acolhidos são arrancados a regra é um misto de miséria, desatenção, desassistência em serviços básicos, abusos e negligências mil. Então, quando o poder público os abraça, é para dar, ao menos, o básico. Mas as audiências têm mostrado que essa rede é falha em quase tudo e com omissões de todos os seus agentes, incluindo Ministério Público, Judiciário, prefeitura, governo estadual.





COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Esta matéria é esclarecedora. Cita as "inspeções do MP apontando irregularidades e em seguida o começo de "uma saga jurídica, um imbróglio de ofícios, petições, representações, cobranças, troca de farpas e respostas vazias que se arrasta até hoje".

O MP representou à Justiça "pedindo apuração de irregularidades no abrigo e que, caso não fossem sanados os problemas no prazo de três meses, a casa fosse fechada por não dar condições dignas de atendimento aos adolescentes", que "se esvaiu no tempo em meio à burocracia". "O processo tramita até hoje na Justiça, em fase de instrução e sem solução. Desde então, o João-de-Barro trocou de endereço e já ocorreram pelo menos outras sete inspeções no local. O resultado é o óbvio. O desleixo, o desamor e a desproteção ainda são os principais ocupantes da casa especial."

E na justiça - a juíza diz que "gostaria de fechar o João-de-Barro e o Quero-Quero", alegando - "Esses lugares não funcionam. Só refletem o que não se conseguiu fazer e reforçam o sentimento de que esses jovens não vão dar certo." E as repetidas inspeções do MP mostram serem inúteis e incapazes de mudar o cenário. E daí surgem as medidas pontuais e apressadas - "MP e Judiciário criaram mutirões para revisar os casos e colocar o trabalho em dia. Foi assim que nasceu o regime de exceção comandado pela juíza." É prova que a rede é falha e que não existe sistema forte e capaz de impor obrigações aos poderes e órgãos envolvidos.

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