ZERO HORA 15 de julho de 2015 | N° 18227
ALCY CHEUICHE
Diante de mim, 400 adolescentes de uma escola pública. Todos esperando que eu fale sobre a arte da palavra escrita. Mas só consigo pensar na frase que me domina a mente: um de vocês pode levar uma facada no coração.
Patético? E daí? Digo a frase e, de forma literária, o silêncio pode ser ouvido do outro lado da rua.
Então, exponho a realidade claramente. A diferença brutal entre os jovens que estão dentro e os que estão fora da escola. Os que estão dentro, protegidos, mal ou bem, pelos pais, professores, colegas, e pela polícia. Os que estão fora, condenados, desde crianças, ao papel de trombadinhas, ladrões, traficantes e assassinos.
A polícia desconfia que o jovem da faca seja um morador de rua das cercanias da escola. Pode ser. E o que fazemos, como governo, principalmente, para dar uma nova oportunidade de vida aos miseráveis que moram debaixo das pontes do Dilúvio? Pontes, que pontes? Mais fácil construir uma nova, e muito cara, para atravessar o Guaíba.
Digo isso e os alunos entendem. Agora preciso que entendam sobre o mais importante de tudo. O privilégio de estarem do lado de dentro da escola. É quando tiro do bolso a cópia do e-mail que recebi do Amadeu Weinmann. E conto a pequena história que ele nos pediu para contar nas escolas. Uma parábola real sobre a professora que foi processada pela mãe de um aluno porque não o deixou usar o telefone celular, em aula, para ouvir música com fones de ouvido. A sentença do juiz de Direito Eliezer Siqueira de Sousa Junior, da 1ª Vara Cível e Criminal de Tobias Barreto, no interior de Sergipe, que negou o pedido de indenização, foi a seguinte, em sua essência: julgar procedente esta demanda seria desferir uma bofetada nos professores, reserva moral e educacional deste país.
Infelizmente, nem todos os que têm poder de decisão pensam assim. As mesmas autoridades, em todos os níveis, que juraram respeitar a Constituição da República Federativa do Brasil ignoram que todos somos iguais perante a lei. E nunca investem realmente nos mais desprotegidos e nos que os protegem; na prioridade de criar novos cidadãos brasileiros. Os mesmos que lhe negaram a caneta, lá na infância, queiram ou não queiram, ajudaram a colocar a faca na mão daquele marginal.
*Escritor
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