segunda-feira, 27 de julho de 2015

MAUS-TRATOS E ABUSOS



ZERO HORA 27 de julho de 2015 | N° 18239


FERNANDA DA COSTA


VITIMAS DE ABRIGOS


EM SEGUNDA REPORTAGEM sobre crianças e adolescentes acolhidos em abrigos da Capital, Zero Hora apresenta números estarrecedores e situações de extrema gravidade vivenciadas por aqueles que acabam sofrendo em dobro


Rosto arrastado no chão, imobilização com pé no pescoço e braço torcido até a queda. Cenas que poderiam ter se passado em porões de tortura foram relatadas por crianças e adolescentes que vivem em abrigos de Porto Alegre. Em alguns casos, os acolhidos ainda afirmaram ter sofrido abuso sexual.

Encaminhado a um abrigo por ter sido estuprado pelo companheiro da avó aos quatro anos, José* teria sido vítima do mesmo crime no local. O delito, assim como os maus-tratos, teria sido cometido por profissionais contratados para cuidar dos acolhidos, nesses locais cujo objetivo é protegê-los. Para as crianças, isso significa ter os direitos duplamente violados, já que foram encaminhadas a essas casas por sofrerem violência familiar.

A denúncia de José integra um dos 54 procedimentos administrativos abertos pelo Ministério Público da Capital para apurar irregularidades nesses abrigos, sendo 13% sobre abuso sexual, 17% maus-tratos e 40% negligência no atendimento. Zero Hora analisou 25 processos, que somam 3,3 mil páginas (leia no quadro abaixo).

Quase metade das denúncias de abuso sexual envolve funcionários dos abrigos. São oito denúncias, sendo três com empregados suspeitos. Encaminhado à internação psiquiátrica por apresentar depressão, automutilação e ingestão de substâncias não alimentares, José relatou o abuso no hospital.

– Ficava dizendo piadinha, eu dizia para parar, ele continuava, dizendo: “E aí, na bundinha não vai nada?” – contou o adolescente durante a internação.

Houve situações, segundo José, em que o educador abaixava as calças e pedia que ele beijasse seu pênis. O funcionário também teria levado o adolescente e outro acolhido para casa:

– Colocou um filme de zumbi para a gente ver. Daí me chamou, meu amigo ficou na sala assistindo, e eu fui. Ele estava pelado e disse para secar as costas dele. Perguntou se eu “queria brincar”.

O educador ainda teria abusado do adolescente no hospital, antes de ele ter revelado o fato à equipe médica:

– Ele passou a mão na minha bunda e disse que ia me dar o que eu queria, que sabia o que meu vô fez comigo, que era de família e sabia que eu gostava.

O profissional foi afastado do abrigo e indiciado pela Polícia Civil por estupro de vulnerável e lesão corporal, cujas penas podem chegar a 16 anos de prisão. Além da denúncia de José, o MP tem outros dois procedimentos que investigam funcionários suspeitos de abuso sexual. Em um dos casos, uma menina de três anos relatou à mãe adotiva que, no abrigo, uma “tia” a teria machucado durante o banho, “enfiando o dedo na frente e atrás”.

A mantenedora do abrigo transferiu a servidora e abriu uma sindicância para investigá-la. No outro caso, o MP apura uma denúncia em que uma técnica passaria a mão “nas partes íntimas” de quatro acolhidas adolescentes e ofereceria “presentes em troca”.

* Os nomes das crianças e adolescentes foram trocados nesta reportagem, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nomes de mantenedores, abrigos e funcionários foram omitidos a pedido do MP, para não atrapalhar as investigações.



Nenhum comentário:

Postar um comentário