ZERO HORA 17/06/2012
PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA
O russo Leon Tolstoi, um dos melhores escritores de todos os tempos, ensinava: Canta tua aldeia e serás universal. A frase poderia ser adaptada à reportagem de Letícia Duarte que ganhou um caderno especial na edição deste domingo: conta a história de um menino de rua em todos os seus detalhes e contarás a história da maioria dos meninos que perambulam pelas esquinas pedindo esmola e acabam caindo na armadilha do crack.
Leitura obrigatória para os formuladores de políticas públicas, conselheiros tutelares, juízes e promotores, o caderno deveria ser lido com especial atenção pelos candidatos a prefeito e vereador de todos os municípios gaúchos. Porque a história de Felipe, o filho de Maria, é uma espécie de manual para entender por que falham as redes de proteção à infância e à adolescência. Todo menino de rua tem algum traço da biografia de Felipe, nome dado por Letícia para proteger a verdadeira identidade. Toda mãe que “aprendeu a ler as sombras entre as esquinas” à procura do filho que perdeu para os traficantes tem um pouco dessa Maria derrotada.
A leitura da reportagem Filho da Rua é desconcertante. Desanimadora de um lado, porque nenhum dos programas oferecidos pelo Estado foi capaz de interromper a disparada do menino rumo ao abismo da droga. Provocadora, ao mesmo tempo, porque mostra o que precisa ser feito antes – e esse é o desafio de quem governa ou pretende governar. Nos planos de governo que agora precisam ser registrados na Justiça Eleitoral, os candidatos a prefeito precisam pensar em incluir itens como planejamento familiar, cuidados na primeira infância, atenção aos meninos de rua, programas de combate à evasão escolar, condições materiais aos conselhos tutelares, aumento dos leitos hospitalares para viciados em drogas, convênios com fazendas terapêuticas para recuperação de dependentes químicos.
O problema de Felipe começou antes que a mãe desse à luz. Sem planejamento familiar, Maria teve tantos filhos quantos Deus mandou. Foi vítima da violência praticada pelos companheiros alcoolizados. Não pôde dar atenção ao bebê, porque precisava correr atrás do pão de cada dia, trabalhando como faxineira. Dos zero aos três, quando o cérebro mais precisa de estímulos, o menino não teve creche. Na hora de entrar para a escola, não tinha motivação, abandonou-a e a mãe não teve pulso para mantê-lo na sala de aula. Ganhou as ruas em busca de esmola e encontrou a pedra no caminho. Sucederam-se as fugas, veio o contato com a droga e a dependência do crack, a pedra da morte. Para Felipe, pode ser tarde demais. Para os que estão nascendo agora, ainda é tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário