Para especialistas e autoridades, melhores políticas do governo, bom planejamento familiar e atendimento escolar na primeira infância são fundamentais para evitar a repetição de histórias como a do menino de rua Felipe, acompanhada por Zero Hora durante três anos e contada ontem em uma reportagem especial de 16 páginas
A trajetória de um menino de rua de 14 anos, revelada em detalhes na edição de ontem de Zero Hora, mobilizou os gaúchos e motivou reflexões de autoridades e especialistas da área da infância.
Centenas de leitores, muitos deles emocionados, manifestaram-se sobre o caderno de 16 páginas, no qual a repórter Letícia Duarte e o fotógrafo Jefferson Botega documentam, depois de três anos de investigação, a história de Felipe (*), um garoto de Porto Alegre que acumula quase uma década vivendo nas ruas, consumindo drogas e envolvendo-se com violência.
Segundo profissionais ouvidos por ZH, a reportagem Filho da Rua demonstrou a urgência de políticas de planejamento familiar, atendimento escolar na primeira infância e apoio às famílias desestruturadas. Essa foi a reação de Márcia Herbertz, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. Para ela, depois que uma criança como Felipe já está nas ruas, é necessária uma rede de assistência muito azeitada para reverter a situação. Márcia defende a necessidade de atuar na prevenção:
– Como se chega ao ponto de esse menino, já aos cinco ou seis anos, não voltar para dormir em casa? É porque faltam programas na primeira infância. Nessa fase, a criança tem de ter acesso à Educação Infantil. Isso seria fundamental. Além disso, precisa haver suporte para uma família desestruturada como a dele. Não basta só dar Bolsa-Família, tem de oferecer acompanhamento.
O secretário-adjunto da Secretaria Estadual da Justiça e dos Direitos Humanos, Miguel Velasquez, também ressaltou, a partir do exemplo de Felipe, a necessidade de prevenção. Ex-coordenador do Comitê de Apoio Operacional da Infância e da Juventude do Ministério Público, Velasquez ressaltou o fato de a mãe de Felipe, por rejeitar o uso de anticoncepcionais, ter tido seis filhos, apesar de enfrentar dificuldades materiais e de demonstrar inabilidade para colocar limites à prole.
– A gente percebe que ela não tinha condição de ter seis filhos. Precisamos ter um trabalho forte de planejamento familiar, sem hipocrisia.
Para Velasquez, a reportagem evidencia que o drama dos meninos de rua não é só um problema do poder público – é de todos nós. Ele ressalta que Felipe vai para a rua porque a rua é atraente, graças às esmolas.
Marco Seadi, presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), órgão da prefeitura responsável pelos meninos em situação de risco, revelou-se surpreso com o tamanho da reportagem. Ele esperava que o jornal dedicasse meia página ou uma página ao assunto. Seadi sustenta, no entanto, que a dimensão do problema não é tão grave:
– Basta andar pelas ruas de Porto Alegre para ver que não tem tanta criança assim na rua. Conseguimos reduzir muito de 2004 para cá.
Segundo Seadi, a solução passa por planejamento familiar, pela conscientização da população a respeito da necessidade de não dar esmola e pela repressão ao tráfico. Ivaldo Gehlen, pesquisador do tema e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), achou importante a iniciativa de ZH de resgatar uma trajetória como a do menino de 14 anos – segundo ele, o interesse da imprensa é sintoma da conscientização da sociedade a respeito do assunto. Gehlen se mostra otimista:
– Apesar das idas e vindas, o rapaz e sua família sempre estiveram à procura de sair da situação. Mesmo que, na aparência, os serviços públicos fracassem, o menino sobrevive porque os procura. Esse é um dado positivo. Hoje temos serviços e profissionais, o que há poucos anos era só um sonho.
Nome fictício para preservar a identidade do menino, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente
Painel RBS
Depois de revelar a alarmante trajetória de um menino de rua de Porto Alegre em um caderno especial de 16 páginas, encartado ontem em Zero Hora, o Grupo RBS promove hoje um debate sobre as medidas necessárias para combater o problema.
No Painel RBS especial Filho da Rua – Alternativas para o Drama dos Meninos das Esquinas, autoridades e especialistas da área da infância e da adolescência vão partir da história de Felipe, documentada ao longo de três anos pela repórter Letícia Duarte e pelo fotógrafo Jefferson Botega, para abordar a situação dos muitos Felipes que vagam pelas ruas das cidades brasileiras.
Nomes importantes ligados às áreas da proteção à infância e dos direitos humanos foram convidados a contribuir com a discussão (leia ao lado). Letícia será uma das provocadoras da discussão, ao lado de dois entrevistadores: Daniel Scola e Manoel Soares. A mediação ficará a cargo do jornalista André Machado.
A partir do relato feito por Letícia, que serve como um diagnóstico das forças que empurram os meninos para a rua e dos entraves que os mantêm nela, os debatedores serão questionados sobre o que se pode fazer para romper com a situação.
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