domingo, 17 de junho de 2012

FILHO DE TODOS NÓS
























EDITORIAL ZERO HORA 17/06/2012

Zero Hora conta nesta edição, num caderno especial de 16 páginas, a história do menino-adolescente Felipe, senhor das ruas e escravo das drogas e da mendicância desde os cinco anos de idade. Felipe não é Felipe, seu nome verdadeiro é outro, e esta identificação fictícia exigida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é uma rara e quase insignificante proteção que a legislação e a sociedade conseguem lhe assegurar. No mais, estamos fracassando como governos, legisladores, autoridades, família e cidadãos. Muitos de nós podem até achar que não temos nada com isso, pois pagamos nossos impostos, cumprimos nossas obrigações, cuidamos de nossos filhos para que não caiam nas armadilhas da juventude e, afinal, não podemos salvar a humanidade. Tudo verdade. Mas a leitura atenta da história do menino de 14 anos, inquilino das calçadas e praças, praticante de pequenos delitos, viciado em crack e, muito provavelmente, condenado a uma vida breve, revela ações e omissões que também são de nossa responsabilidade coletiva.

O dramático relato é de autoria da repórter Letícia Duarte, que nos últimos três anos vem acompanhando de perto a trajetória do garoto nascido na periferia pobre de Porto Alegre, numa família desestruturada pelo álcool, pela violência e pela falta de oportunidades. Felipe tem pai e mãe, ele alcoólatra e ausente desde o nascimento da criança, ela dedicada, mas impotente para cuidar da própria vida e para resgatar das ruas e das drogas o filho que começou a fugir de casa antes mesmo de atingir a idade escolar.

Se a mãe não consegue, muito menos as autoridades, a rede social e as instituições constituídas com este objetivo. Felipe já passou por todas, diversas vezes. Já esteve matriculado, albergado, internado e hospitalizado, mas continua analfabeto, infrator e dependente de drogas. A desestruturação familiar certamente está na origem dessa tragédia infantil. Mas o garoto também foi estimulado a seguir este caminho torto por pessoas bem-intencionadas, que não conseguem negar uma moeda a pedintes aparentemente famintos, especialmente quando se trata de crianças.

A própria mãe admite que a esmola sustentou a infância desregrada de Felipe, garantiu-lhe a droga de cada dia, convenceu-o de que é possível sobreviver sem escola e trabalho. “Se a minha reportagem ajudar a conscientizar as pessoas dos danos que causam ao dar esmolas, já estarei satisfeita” – relata a autora deste corajoso trabalho jornalístico.

Ao publicar o especial Filho da Rua, Zero Hora não pretende criticar especificamente governos, denunciar falhas da administração pública ou condenar instituições, pois reconhece o esforço de cada um desses atores sociais na luta contra as drogas e em defesa da infância. O objetivo maior deste recorte de vida, que elege Felipe como símbolo de tantos brasileiros que se perdem nos descaminhos do vício e da marginalidade, é levar leitores, autoridades e lideranças da sociedade a uma reflexão sobre o que estamos fazendo errado e o que podemos fazer melhor para modificar esta dolorosa realidade. O Grupo RBS, que tem entre seus valores permanentes a proteção à infância e a paternidade consciente, acredita que dar visibilidade ao drama de Felipe significa também compartilhar com os gaúchos a responsabilidade de salvá-lo e de evitar que outras crianças tenham semelhante destino.

Tão doloroso quanto ver que uma criança está se degradando diante dos nossos olhos, sem que saibamos como resgatá-la e encaminhá-la para uma vida digna, é a constatação de que esse menino marginalizado é filho de todos nós.


CAPA REPORTAGEM ESPECIAL

FILHO DA RUA

Felipe é infantil, mas agressivo; pede ajuda, mas não larga o crack; procura a família, mas vive nas esquinas. A sociedade sustenta seu vício com esmolas. A mãe cansou da luta para resgatá-lo. Projetos sociais dos governos fracassaram na missão de ajudá-lo. Por três anos, ZH seguiu os passos de Felipe e mostra, nesta reportagem, como a mistura de omissão, pobreza, desestrutura familiar e falta de horizontes é o berçário ideal para o nascimento de um menino de rua.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Sim, estas crianças e adolescentes abandonados, fujões e jogados nas ruas são filhos de TODOS NÓS, uma questão de justiça, ordem pública, paz social e direitos humanos.  E é justamente na definição desta questão que erramos, ao buscar métodos superficiais e pontuais de assistencialismo para as soluções deste descaso de parte de uma sociedade de seres humanos organizada, com governo e leis regendo a convivência. O ponto inicial está na responsabilidade civil das famílias que devem garantir um início de educação, caráter, postura, civismo, cidadania e harmonia no lar. Por este motivo defendo a ação coativa do Judiciário na família de modo a impor leis e regras de postura que obrigue o cumprimento de deveres e direitos,  promovendo a assistencia social em troca de contrapartidas e contraprestações, devidamente monitoradas. Assim, todo "filho da rua"  deveria ser devolvido aos pais, salvo em circunstâncias especiais averiguadas e definidas pela justiça. Todas as crianças e adolescentes encontrados abandonados nas ruas devem ser encaminhados para fundações onde possam receber educação multidisciplinar (científica, artística, desportiva e técnica), formação, aprimoramente do caráter,  capacitação técnica, identificação de talentos, saúde, tratamento das dependência e desvios mentais, moradia, alimentação, segurança, lazer, relações pessoais e oportunidades visando uma autonomia futura. Não podem ser depositados em fundações (como atualmente são), mas encontrar nestes abrigos um lar adotado, um aconchego, uma família que possa dar amor, compreensão e orientação.

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