sábado, 30 de junho de 2012

GURI MATADOR DA FASE




WANDERLEY SOARES, O SUL

Porto Alegre, Sábado, 30 de Junho de 2012.


Ele será uma ameaça contra servidores que não estão preparados para tal missão.

Um adolescente de 17 anos, conhecido como Playboy, foi preso ontem em Viamão, no local que pode ser um núcleo de tráfico no bairro Castelinho. Com ele estavam cinco mulheres, que também foram detidas. 



De acordo com policiais da 2 DP viamonense, este menino seria autor direto de 10 homicídios e pode estar envolvido em outras 20 mortes. 


Segundo as primeiras informações sobre a prisão de Playboy, ele estaria sendo encaminhado para uma das unidades da Fase (ex-Febem), em Porto Alegre. 


Estive falando com meus conselheiros e eles me revelaram que as casas prisionais gaúchas, para adultos, não têm estrutura confiável para manter preso um matador profissional, mesmo tendo profissionais de longa experiência no trato com tal tipo de delinquente. Assim é que a Fase muito menos estrutura tem para isso. 


Este guri, na Fase, será uma ameaça contra servidores que não estão preparados para tal missão, mesmo que, cotidianamente, sofram ameaças e agressões de meninos com biografia menos tenebrosa do que a de Playboy. Neste campo, este é o estágio do governo da transversalidade gaúcha nos diversos setores da segurança pública.


CARREIRA PRECOCE

ZERO HORA, 30 de junho de 2012 | N° 17116

Aos 17 anos, adolescente é suspeito de seis mortes. Ao lado da namorada, garoto foi detido ontem em uma casa em Viamão. EDUARDO TORRES 


Ao entrarem no quarto, os policiais foram surpreendidos. Deitado na cama ao lado de uma jovem de 19 anos, um adolescente de 17 anos já estava a postos, com uma pistola apontada para os agentes. Ele só recuou ao perceber que os policiais civis estavam em maior número e melhor armados.

Ao lado do rapaz, na casa na Vila Castelinho, em Viamão, a namorada não parecia assustada, mas admirada. E aí surpreendeu a todos com uma declaração de amor:

– Agora eu caso contigo.

Ser preso é o auge no “status” no mundo do crime que o adolescente parecia estar buscando desde que tinha 15 anos. Com antecedentes por furto, roubo de ônibus e porte ilegal de arma, na manhã de ontem ele teve freada uma assustadora estatística. Mesmo tão jovem, o adolescente é apontado pela polícia como um matador cruel, a mando dos Bala na Cara. Tem atribuídos contra si pelo menos seis homicídios e outras quatro tentativas, todos neste ano e em fase avançada de investigações.

Segundo a 2ª Delegacia de Polícia de Viamão, ele ainda estaria envolvido com outros 20 homicídios entre Viamão, Alvorada e na zona norte de Porto Alegre – as regiões onde os Bala na Cara exercem controle violento. Na maioria das vezes, os crimes foram encomendados por traficantes de dentro da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), em Charqueadas, e do Presídio Central.

– Estávamos impressionados com os depoimentos de tantos homicídios nessa região, com testemunhas invariavelmente apontando para o adolescente – avaliou o delegado Carlos Wendt.

Já na delegacia, o adolescente desafiou os policiais a provarem os crimes. Negou tudo. Na manhã de ontem, cerca de 30 policiais cumpriram mandados de busca e apreensão direcionados para pelo menos três casas. Uma delas era uma espécie de quartel-general da quadrilha e pertenceria a um traficante de 22 anos, preso na PEJ. Seria o abrigo para o matador.

Foram apreendidos uma pistola .380 e um revólver calibre 38, além de farta munição, incluindo calibre 9mm. Ainda foram encontrados 1,5kg de maconha, pedras de crack e algumas porções de cocaína.

Apenas em 2012

- Dois procedimentos concluídos: o incriminam por duas mortes
- Quatro suspeitas: seria o assassino
- Quatro tentativas: foi reconhecido por vítimas
- 20 possibilidades: homicídios ou tentativas que ex-parceiros atribuem a ele

quinta-feira, 28 de junho de 2012

OPERAÇÃO CONTRA PORNOGRAFIA INFANTIL PRENDE 32 EM NOVE ESTADOS

FOLHA.COM 28/06/2012 - 18h37

DE PORTO ALEGRE
DE FORTALEZA


Atualizado às 18h53.

A Polícia Federal prendeu 32 suspeitos de envolvimento em uma rede de pornografia infantil nesta quinta-feira. A operação foi realizada em 11 Estados e no Distrito Federal, mas os presos foram localizados em nove: RS, PR, SP, RJ, ES, CE, MG, BA e MA.

Só no Estado de São Paulo nove pessoas foram presas.

De acordo com investigações da PF, os suspeitos fazem parte de um grupo que compartilhava o material na internet e que tinha ligações com usuários da rede em outros 34 países. A Polícia Federal afirmou que já comunicou através da Interpol os países com integrantes envolvidos.

A investigação começou no Rio Grande do Sul no fim de 2011, após a prisão em Porto Alegre de um suspeito de envolvimento em trocas de pornografia infantil.

O Ministério Público Federal e a Polícia Federal então conseguiram na Justiça mandados para aprofundar a apuração sobre outras pessoas com quem ele tinham ligação.

Policiais federais monitoraram redes privada de compartilhamento de arquivos por seis meses e descobriram a troca de material pornográfico.

Os policiais afirmam que os suspeitos trocavam "milhares de arquivos" com cenas de adolescentes, crianças e até bebês em situações de abuso. O material aprendido passará por perícia para identificar tanto o autor das imagens como as vítimas.

Além da troca de arquivos, foram identificados relatos de outros crimes praticados contra crianças, como estupro cometido contra os próprios filhos, sequestros, assassinatos e atos de canibalismo. Esses casos ainda serão investigados, segundo a PF.

Os policiais dizem que há pelo menos um caso de imagens produzidas por um dos usuários.

RADIALISTA

O radialista Rodrigo Vieira Emerenciano, o Mução, foi preso na manhã de ontem em sua casa em Fortaleza suspeito de participação no esquema de pedofilia investigado pela Polícia Federal.

A PF não divulgou o nome dos suspeitos, mas o advogado de Mução, Waldir Xavier de Lima Filho, confirmou que ele foi preso temporariamente.

Segundo Lima Filho, o humorista não tem nenhuma relação com o esquema e foi alvo de um engano.

"Me parece que alguém conseguiu hackear ou acessar alguma coisa de informática dele e baixou programas na internet que são objeto da investigação", disse.

O advogado afirmou que vai entrar na sexta-feira com um pedido de soltura de Mução.

Segundo a superintendência da PF em Fortaleza, outras duas pessoas foram presas em flagrante na cidade. Também foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão.

Mução apresenta o programa "A Hora do Mução", transmitido em várias rádios do país e famoso por suas pegadinhas ao telefone. Ontem, foi ao ar uma reprise do programa.

domingo, 24 de junho de 2012

MAIORIDADE PENAL

CORREIO DO POVO, 24 DE JUNHO DE 2012


Crédito: joão luis xavier

Rogério Mendelski 

Muitas vezes, o nosso país se destaca no mundo civilizado, não pelo seu crescimento como nação emergente e com tudo para dar certo, mas pelo exotismo de determinados valores culturais, fundamentos básicos para uma sociedade moderna. Vejam bem: temos leis que protegem bandidos e projetos humanos de bandidos. Agora mesmo examina-se a possibilidade de traficantes condenados iniciarem o cumprimento de suas penas no regime semiaberto. Talvez porque já se projete também a descriminalização das drogas e aí, como se diz no submundo, "fecha todas". Mas o assunto desta coluna é a maioridade penal que no Brasil permite jovens delinquentes de 16 anos desfrutarem de uma deliciosa impunidade. Em São Paulo, um adolescente com essa idade comandou 12 arrastões em restaurantes e bares da capital paulista, de acordo com o reconhecimento das vítimas. Ah..., mas o garotão tem a proteção do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), cujo nome sequer pode ser citado. Além disso, os artigos 27 do Código Penal e 228 da Constituição federal completam a blindagem de atos criminosos de jovens que fizeram a opção pela bandidagem, exatamente por que conhecem de cor e salteado todos os expedientes legais que lhes dão a cobertura para a delinquência.

Volto a um tema antigo desta coluna: a bandidagem brasileira tem leis a seu favor e quando ela sai por aí a assaltar, a avaliação custo-benefício já foi devidamente estudada. Vale dizer que a Justiça pouco pode fazer quando qualquer advogado alega a quantidade de leis em favor do crime e de seus clientes. Essa pilantragem legal tem origem no poder Legislativo, o mesmo "santuário" da democracia que produz leis para um adolescente votar para presidente, mas também para encostar um "tresoitão" na nossa cabeça e sair por aí como um canário-belga que voou porque deixaram a gaiola aberta. No nosso universo de coisas exóticas, enquanto sobram ONGs, leis e estatutos em defesa dos criminosos, faltam entidades e voluntários que se lembrem das vítimas. Sequer temos um ministeriozinho que se lembre de nós...

Idade mínima

Qual o limite para a inimputabilidade? No Brasil, 18 anos. Mas em outros países, onde os estatutos para crianças e adolescentes não são tão generosos, a idade mínima para um menor ser punido varia de acordo com seus referenciais culturais. O exemplo mais radical está no Principado de Luxemburgo. Lá, não existe idade mínima.

A nossa verdade

A legislação brasileira não vê crime em ações fora da lei cometidas por menores de 18 anos. São apenas atos infracionais, assim como a definição da prisão de algum jovem delinquente. Ele jamais será "preso" e sim "apreendido". É o que diz o ECA.

Inglaterra

No país dos Beatles e da rainha Elizabeth II, a partir dos 10 anos qualquer pessoa pode ir a julgamento por crimes graves. Dois garotos, ambos com 11 anos, foram condenados a 15 anos de prisão por assassinato de um bebê de 2 anos, sequestrado, espancado e colocado amarrado numa linha férrea. Um trem terminou o "serviço" deles. No Brasil, qual seria a pena para os meninos assassinos? Talvez um estágio na Febem.

Mistura perigosa

Mudar o sentido das palavras não altera seus resultados práticos, mas é ideologicamente charmoso. Nas ditaduras comunistas não há oposição e, quando ela brota, seus seguidores são apenas "dissidentes". Assim como na Igreja Católica não existe crime, mas pecado. Para o Vaticano, padre pedófilo não é criminoso é apenas um pecador que merece perdão.

Novilíngua

O termo é uma criação de George Orwell para o seu notável livro "1984". Era a nova língua do sinistro regime imaginado por ele. Não foi diferente quando "Febem" quase virou sinônimo de delinquente juvenil. "Esse é um febem", registrava o preconceito. Aqui no Sul, a entidade foi rebatizada para Fase. Sempre é mais fácil mudar o sofá da sala do que trocar quem senta nele.

UMA PAUTA PERMANENTE


ZERO HORA, 24 de junho de 2012 | N° 17110

CARTA DO EDITOR | Nilson Vargas – Editor-chefe


Zero Hora “adotou” o Filho da Rua. Não a pessoa, mas a causa. Ao lançar, no domingo passado, no caderno “Filho da Rua” e em conteúdo especial multimídia, a discussão sobre meninos e meninas que perambulam e muitas vezes dormem e moram pelas calçadas, deu um sinal claro do compromisso de não abandonar este tema.

Nossas armas não são a caneta do gestor público, ou o dom de injetar nas pessoas o vírus da máxima generosidade. Nosso poder de fogo está em ser um veículo de comunicação engajado nas causas da sociedade, sensível aos dramas humanos e disposto a fomentar o debate com uma matéria-prima preciosa: o jornalismo. O conteúdo já produzido e veiculado, resultado de um trabalho de três anos da repórter Letícia Duarte e do fotógrafo Jefferson Botega, acompanhando os passos do menino Felipe, foi o primeiro – e grande – movimento. Foi dali que extraímos dos leitores um volume impressionante de manifestações por e-mail, nas redes sociais, em pesquisas de opinião e em outros fóruns. Manifestações que chamam atenção pela emoção e pela lucidez.

Como não se emocionar com o drama de um guri que vê a infância indo embora, consumida pela pobreza, a droga e a falta de perspectivas? E, ao mesmo tempo, como não associar este drama individual a um pacote de circunstâncias coletivas que inclui desestrutura familiar, paternidade irresponsável, avanço do crack, precariedade da rede de proteção, falhas nos macroprogramas sociais, entre outras. No papel e nos meios digitais, Zero Hora alcançou o objetivo de chamar atenção para o tema.

A semana mal havia começado e um Painel RBS reunia autoridades e especialistas para discutir o assunto, com respaldo de todos os veículos do Grupo RBS. Depois do impacto da reportagem, a meta já era mirar em soluções. Ao longo da semana, novas reportagens em ZH e zerohora.com deram início à missão de mergulhar nos fatores que empurram crianças para as ruas. Uma destas reportagens está nesta edição e mostra que há, sim, saídas. Mesmo com precariedades, a rede de proteção formada por órgãos públicos e entidades da sociedade civil exibe razoável taxa de sucesso no resgate dos pequenos.

A missão não vai terminar, assim como, infelizmente, não há no horizonte perspectiva de que a ferida das crianças e adolescentes de rua seja curada. O assunto entra na lista permanente de pautas de Zero Hora. Novas reportagens já estão no forno, como a que vai debater o papel decisivo das famílias e outra que tratará de paternidade responsável. Outras abordagens virão, certamente. Afinal, um filho é para sempre.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

EX-INTERNOS ZOMBAM DO SISTEMA

Ex-internos do Caje zombam do sistema em redes sociais. "É só lazer", dizem

Saulo Araújo

CORREIO BRAZILIENSE, 21/06/2012 06:18




Jovens usam o espaço da comunidade "Já puxei no Caje" para descrever supostos crimes cometidos dentro da instituição: "regalia" e "televisão".

Uma comunidade hospedada no site de relacionamentos Orkut expõe os bastidores do Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). Oitenta e quatro jovens que garantem ter passado pela unidade usam o espaço virtual “Já puxei no Caje” para compartilhar experiências, além de zombar do sistema. Quase todos debocham do período em que estiveram internados. Relatam supostas fugas, desafiam servidores e confirmam o discurso dos militantes dos direitos das crianças e dos adolescentes: o Caje não é capaz de recuperar um infrator.

Um dos tópicos, intitulado “Caje, só regalia”, revela depoimentos de meninos e meninas sobre episódios que ocorreram na instituição. Um deles conta ter violentado sexualmente um colega de 12 anos durante o banho. Outro narra que fumou maconha nas dependências do complexo. “Puxei (ficou internado) na turma da fraternidade. Filmezin todo dia a tarde, um cigarrin. Salve salve mais um menor infrator (sic)”, escreveu.

terça-feira, 19 de junho de 2012

UM DRAMA SOCIAL EM OITO ATOS




FILHO DA RUA. Um drama social em oito atos - ZERO HORA 19/06/2012

A discussão sobre o problema dos meninos de rua mobilizou ontem especialistas em um estúdio da RBS TV, em Porto Alegre, e milhares de interessados por todo o Estado. Enquanto o pequeno grupo de autoridades e profissionais da área participava de um Painel RBS especial, a sociedade se manifestava por meio de centenas de e-mails e comentários no site do jornal sobre a reportagem Filho da Rua, publicada por Zero Hora no domingo.

Nestas páginas, ZH promove o encontro dessas duas visões, reunidas sob oito tópicos, eleitos a partir de um programa de computador ao qual foram submetidas as mensagens de leitores. O software contabilizou os termos mais utilizados. A contagem ajuda a enxergar as maiores preocupações da sociedade em relação ao drama dos meninos que vagam por esquinas.

O Painel RBS realizado na manhã de ontem e as manifestações de leitores são consequência de um trabalho jornalístico que se estendeu por três anos. Durante esse período, a repórter Letícia Duarte e o fotógrafo Jefferson Botega investigaram e documentaram a trajetória de Felipe*, um adolescente de 14 anos que há quase uma década vive pelas ruas da Capital, consumindo drogas, sofrendo violências e praticando furtos. O resultado da apuração foi publicado em um caderno de 16 páginas.

Confira os oito dos temas mais citados, as manifestações de leitores e as análises feitas pelos convidados do Painel RBS.

*Nome fictício para preservar a identidade do menino, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente

I - Família

A família do garoto Felipe, personagem da matéria de ZH, ajuda a explicar por que ele se tornou um menino de rua. O pai, alcoólatra e violento, foi embora. A mãe decidiu não usar contraceptivos e teve seis filhos. Nunca soube como colocar limites nos meninos.

Segundo os participantes do painel, é necessário dar apoio a lares desestruturados como esse.

– O primeiro passo é fortalecer a família, criando condições socioeconômicas melhores. A rua atrai porque oferece mais do que se tem em casa – observou o psicólogo Lucas Neiva-Silva.

A questão é apoiar, e não punir a família, defendeu Marcelo Dornelles, subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do Ministério Público, que enfatizou:

– A situação de desestruturação da família de Felipe inclui crack, violência doméstica, álcool e extrema pobreza. Vai responsabilizar a quem nessa família? Passa longe da punição. Passa pelos programas e pelo atendimento, que no caso falharam.

“A reportagem nos mostra que os governos têm políticas ineficazes para essas situações. A família é outro fator, talvez o principal, para que isto aconteça. O próprio menino diz que, se tivesse levado umas palmadas e a companhia do pai, isto talvez fosse diferente.”

Clenio G. Dias

II - Responsabilidade

O psicólogo Lucas Neiva-Silva observou que, se o filho dele for para a rua, ele irá atrás, porque se sente responsável. Na opinião do pesquisador, falta essa mesma postura da rede de atendimento.

– Essa é uma das grandes lacunas. Se a criança foge do abrigo, falta alguém dizer: “Eu sou responsável e você não vai ficar na rua”. Temos de alcançar esse nível de intervenção.

“Sou a favor da maternidade responsável. Para que as crianças possam ser crianças. E para que não prefiram a rua à própria casa, independentemente do tipo de casa que tenham. Ser mulher não significa ter de ser mãe. Ser pobre não é o mesmo que ser ignorante. E ter responsabilidade não depende de situação financeira favorável. 14 anos. É a idade que esse menino tem hoje. Anos demais de fome, de abandono, de algumas drogas e possíveis infrações penais. Anos de menos para assumir uma vida que ninguém deveria ter.”

Amanda Melo

III - Governo

A rede de serviços públicos falhou com Felipe. Em momentos decisivos, houve burocratização e falta de diálogo entre diferentes instâncias da rede de apoio, deixando o menino sem o auxílio necessário. Júlia Obst, da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), reconheceu as falhas.

– A burocracia não é para existir. Estamos descentralizados em 13 equipes territorializadas, desde 2007, para melhorar o atendimento. As equipes estão trabalhando desde a primeira saída da criança à rua, fazendo mapeamentos e estudando os territórios. É muito difícil ter um menino que não seja conhecido pelos profissionais – afirmou.

Houve um reconhecimento, durante o debate, de que a estrutura de atendimento precisa melhorar. Uma das ideias levantadas é estabelecer maior articulação entre diferentes serviços. Também se ressaltou a necessidade da oferta de educação infantil, de serviços de saúde da família e de equipamentos que ofereçam alternativas de lazer nas comunidades.

O menino de rua (cujos passos Zero Hora acompanhou por três anos) não é filho de todos nós, mas sim de um governo omisso que rouba sem cessar, descaradamente, quando pagamos fortunas de impostos, numa luta tenaz pela sobrevivência e educação dos nossos filhos legítimos. A passividade deste desgoverno, desta impunidade vergonhosa, sim, é filha nossa, parindo os que receberam nosso voto e jogam na rua a nossa dignidade.

Inês Mascia Carneiro Monteiro

IV - Filhos

A reportagem Filho da Rua mostra que a mãe de Felipe nunca usou contraceptivos por achar que “Deus sabe o que faz”. Ela teve seis filhos. Participantes do Painel RBS entendem que não é possível deixar a questão do número de filhos na esfera divina. É preciso colocá-la na alçada das políticas públicas.

O juiz José Antônio Daltoé Cezar, da 2ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre, considera muito importante implantar uma política de planejamento familiar:

– Vemos no dia a dia que falta isso. As mães chegam aos 23 ou 24 anos já com quatro ou cinco filhos. Na semana passada, devo ter recebido dos hospitais umas 10 mães usuárias de crack. Essas mães não têm acesso a uma política pública de contracepção. A sociedade ainda tem muito preconceito em trabalhar a contracepção. Poderíamos trazer a questão para o plano da realidade, botar o pé no chão é ver como as pessoas efetivamente vivem.

Um dos fatores que mais me comovem, em casos como o dele e da sua família, é que famílias incapacitadas de dar um bom subsídio e educação a essas crianças têm uma quantidade grande de filhos. Vejo o mesmo na minha escola, é frequente uma mãe ter seis ou sete filhos sem mínimas condições financeiras e psicológicas para isso... É triste, é estarrecedor, nos inquieta, mas trouxeram à tona um retrato muito fiel dessa mazela social. E o pior de tudo, nos sentimos responsáveis por financiar esses meninos de rua.

Letícia Germano

V - Drogas

– Estou no Juizado desde 1999. O que mudou de lá para cá? O crack. Quando cheguei, não havia criança usando crack. Muito da desagregação das famílias é fruto do crack – observou José Antônio Daltoé Cezar, juiz da 2ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre.

A ineficácia do sistema para recuperar quem usa a droga foi reconhecida pelos participantes. Houve concordância de que oferecer um máximo 21 dias de internação, como ocorre hoje, é inútil.

Também foi ressaltada a precariedade da rede de comunidades terapêuticas que poderiam oferecer um tratamento prolongado, pós-desintoxicação.

– Temos 273 comunidades terapêuticas, mas poucas estão regularizadas. Nossa preocupação é que se estruturem, que contratem educadores, psicólogos, equipes de saúde, para trabalhar com eficiência – disse Fabiano Pereira, secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos.

“O teor da reportagem é um alerta para os governantes, e mostra a situação real em que se encontram muitos jovens que vivem nas ruas, à mercê das drogas e do abandono.”

José Alberto Ely Pasquali

VI - Felipe

Os participantes do debate comentaram o caso específico de Felipe, o menino cuja trajetória foi esmiuçada no caderno especial Filho da Rua. O sociólogo Ivaldo Gehlen notou que, apesar de tudo, o menino demonstra estar permanentemente preocupado com o futuro – o que abre muitas potencialidades:

– Esses meninos têm projetos e sonhos que precisam ser acalentados.

Marcelo Dornelles, subprocurador geral de Justiça para Assuntos Institucionais do Ministério Público, também comentou a trajetória de Felipe e sugeriu que conhecer seus detalhes é um passo para encontrar saídas:

– Felipe idolatrava o pai e queria reencontrá-lo, pensando que seria uma solução. Ele encontra o pai e se frustra. O somatório de frustrações dessa criança é que faltou atender.

Júlia Obst, da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), órgão da prefeitura de Porto Alegre, notou que o caso do menino acompanhado por ZH ilumina um universo maior:

– Felipe não é o único. Existem outros em situação grave.

“Parabenizo por Filho da Rua, que mostra a trajetória de Felipe, uma história carregada de emoção e de situação de vulnerabilidade social. Assim, as pessoas podem ter consciência de que a sociedade sustenta a esmola de muitas crianças pelas ruas, e, se cada um fizer a sua parte, não teremos mais crianças nessas situações de precariedade.”

Felipe Spuldaro

VII - Rua

Por que as crianças vão para a rua? O sociólogo Ivaldo Gehlen observa, que apesar de ter havido nos últimos anos uma redução do número total de meninos de rua, aumentou a quantidade de crianças pequenas vivendo pelas esquinas. Esse universo abrange o universo pré-escolar, para o qual a oferta de ensino é precária.

– O que me parece é que os mais pequenos estão desamparados – diz o sociólogo.

O juiz José Antônio Daltoé Cezar observa que o perfil do menino de rua envolve desagregação familiar, com frequência relacionada ao consumo de crack.

– Nesse perfil, o pai e a mãe são ausentes. Não exercem autoridade. Não há pertencimento da criança. Ela vai à rua para pertencer a um grupo.

Segundo Júlia Obst, da Fasc, é preciso reconhecer ainda que, para algumas crianças, a rua é muito mais atrativa do que o lar.

“Parabéns, Zero Hora, por Filho da Rua. Presumo que essa voz, de uma forma ou de outra, produzirá seus frutos. Falando por mim, após a leitura da reportagem, passarei a enxergar os “Felipes” que vagam pelas ruas com olhar diferente daquele com que os enxergava outrora.”

Virgílio Melhado Passoni

VIII - Sociedade

Cada cidadão pode colaborar para combater o drama dos meninos de rua – e não se faz isso dando esmola. O consenso é de que a esmola atrapalha, na medida em que torna a rua atraente para a criança.

– Durante muito tempo, a esmola teve um papel preponderante na questão dos meninos de rua. Mas, nos últimos anos, o poder público está assumindo a responsabilidade. Em lugar de beneficiar, a esmola passou a atrapalhar. Ela é uma postura degradante, porque significa não só alimentar a situação, mas também manter uma postura de distanciamento – afirmou o sociólogo Ivaldo Gehlen, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Segundo Ivaldo, a sociedade pode ajudar de outras formas. Ele propõe que cada pessoa ofereça o auxílio que sua própria atividade permitir. Como sociólogo, exemplificou, ele colabora realizando pesquisas sobre o tema. O psicólogo Lucas Neiva-Silva sugeriu que cada pessoa passe a andar com um preservativo, para dá-lo de presente a quem está na sinaleira. Seria uma forma de oferecer saúde e proteção, em lugar de dar esmola. Fabiano Pereira, secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos, lembrou que é possível destinar uma parcela do Imposto de Renda a fundos que financiam programas de atendimento à infância.

– A esmola é o pedágio da consciência, mas não resolve. Os fundos são um mecanismo melhor, que financiam entidades que fazem um atendimento extraordinário – opinou Pereira.

“Felipe não é um inocente, mas também entendo que Felipe é vítima de todos nós, que fazemos parte desta sociedade e deste sistema e que, de alguma forma ou de outra, contribuímos para a tragédia de vida do Felipe até hoje. Aos 14 anos sem saber ler, viciado em crack, sem ter limites na vida, sem esperança e com medo de seu futuro, penso eu que, cada um de nós (parte da sociedade gaúcha e brasileira) deve, ao invés de apenas lamentar, assumir que também é culpado e que pode sim, fazer algo para mudar este quadro (não só do Felipe mas de tantas e tantas outras crianças e adolescentes que nos rodeiam).”

Leandro Almeida

Ecos de uma história triste

Nestes três anos e três meses em que acompanho os passos de Felipe, ouvi todo tipo de comentários a respeito do meu projeto de reportagem. Lembro de alguns colegas terem me olhado com estranhamento, questionando o que uma apuração como essa teria a revelar. Houve quem dissesse que era um assunto desgastado, que todo mundo estava cansado de ver meninos na esquina. Outros argumentavam que o tema era relevante, mas seria incapaz de despertar a atenção dos leitores porque se tratava de uma narrativa triste, dolorida, cinzenta.

Naquele tempo, eu não tinha mais do que a minha convicção de que esta história merecia ser contada para justificar a minha persistência, com respaldo da direção de Redação. A partir da publicação do caderno de 16 páginas em que se transformou essa reportagem, com centenas de e-mails recebidos e comentários de leitores postados nas redes sociais sobre este trabalho, as respostas que faltavam ecoam de diferentes vozes.

Desde o final de semana, acumulo relatos de leitores indignados com a incapacidade da mãe de controlar o filho, com as falhas no serviço público, com a falta de dignidade da família que divide espaço com ratos de 30cm na Vila do Esqueleto. Confissões de pessoas que não conseguiram dormir, que choraram enquanto viam, pelas páginas do jornal, como Felipe perdeu a sua infância para as ruas. Mensagens com reflexões de gente que prometeu a si mesma nunca mais dar esmolas depois de perceber os efeitos nocivos dessa suposta caridade na vida de Felipe. Discursos de agentes públicos prometendo qualificar o atendimento à infância e aos dependentes de crack.

Acima de tudo, são relatos que mostram que os leitores ainda se importam com o destino de um menino que é o retrato acabado de um fracasso coletivo. E isso é alentador. Enquanto houver indignação, é possível acreditar na transformação desta realidade. Porque esta não é apenas uma história – há centenas de Felipes vagando sem destino. Como mostra a trajetória deste menino-símbolo acompanhado por ZH, não há apenas um culpado. Somos todos cúmplices.
LETÍCIA DUARTE | REPÓRTER



AGILIDADE PARA OS FILHOS DA RUA




EDITORIAL ZERO HORA 19/06/2012


O Painel da RBS, que reuniu ontem especialistas para debater o tema Filho da Rua – Alternativas para o Drama dos Meninos das Esquinas, deu uma ideia das dimensões do desafio de evitar que crianças e jovens passem a viver ao relento, principalmente com a adoção de providências de caráter preventivo. Mas, acima de tudo, chamou a atenção para a demora nas ações da rede assistencial, provocada principalmente pelo excesso de burocracia. É inadmissível que, uma vez detectada uma criança em situação de risco – como o garoto retratado pelo nome fictício de Felipe na reportagem dominical de Zero Hora –, o poder público possa demorar tanto, como costuma ocorrer, para agir.

É óbvio que o ideal seria não haver meninas e meninos de rua, situação possível apenas com a adoção de medidas preventivas realmente eficazes. No episódio específico do garoto que teve sua trajetória acompanhada nos últimos anos pela reportagem, uma providência básica para evitar seu desvio para pequenos delitos e para as drogas teria sido propiciar-lhe acesso à Educação Infantil. Só os recursos do Bolsa-Família, nessas circunstâncias, são insuficientes para assegurar maior estrutura familiar, num ambiente sem chagas como a violência doméstica e o alcoolismo, que restrinja as chances de as crianças saírem de casa e caírem na droga.

Quando essas condições mínimas inexistem, cabe ao poder público entrar em ação imediatamente a partir do momento em que a criança ou adolescente é identificado vivendo longe da família. Um minuto a mais pode ser tarde para evitar mais uma vítima precoce do desamparo, de todo tipo de abuso e de subserviência a drogas de efeitos avassaladores como o crack.

A precariedade da assistência aos dependentes químicos – hoje contemplados no máximo com um rápido período de desintoxicação –, aliás, é um dos pontos frágeis da atuação do poder público, como ficou constatado no Painel RBS. Tanto o poder público quanto a sociedade, no conjunto, precisam ter consciência de que qualquer caso já envolvendo consumo de droga é muito mais difícil de ser solucionado, o que reforça a importância da prevenção.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

UM PAINEL PARA A INFÂNCIA

EDITORIAL ZERO HORA 18/06/2012


Diferentes veículos do Grupo RBS, incluindo rádio, televisão, os impressos e os online, repercutem hoje o caderno especial Filho da Rua, que circulou com a edição dominical de Zero Hora, narrando o drama de um garoto exposto a todas as vicissitudes de quem cresce sem a presença vigilante de uma família e de um lar. Descrita em 16 páginas, a história do personagem real apelidado de Felipe, pela impossibilidade legal de ser chamado pelo nome verdadeiro, é muito semelhante à de centenas de outras crianças e adolescentes que, diuturnamente, perambulam por ruas de centros urbanos como a Capital. Por isso, é também uma conclamação à sociedade de maneira geral, para que some suas forças às de órgãos públicos e de instituições privadas, na busca da melhor forma de enfrentamento do problema. O assunto será abordado hoje no Painel RBS “Filho da Rua: Alternativas para o Drama dos Meninos das Esquinas”.

Trajetórias de degradação como a narrada na reportagem não devem simplesmente ser atribuídas à miséria, à desestruturação familiar, à precariedade das instituições que formam a rede social, à facilidade de atuação de quadrilhas de traficantes visando conquistar clientes para drogas de efeito cada vez mais rápido e de consequências ainda mais letais na fase que deveria estar sendo dedicada à infância. Todas essas questões, porém, incluindo a ilusão de tentar resolvê-las com esmola, contribuem para manter crianças ao relento, na promiscuidade, na droga, nos primeiros delitos. E mostra que, quando a família falha, nem sempre as instituições especializadas conseguem compensar.

Ao promover o debate público sobre o tema, o Grupo RBS busca cumprir o seu papel de contribuir para o equacionamento de questões sociais que afligem a comunidade rio-grandense. A intenção não é acusar ninguém, mas facilitar a definição de alternativas que possam realmente impedir tantas crianças de crescerem ao desamparo. Em muitos aspectos, afinal, o Filho da Rua é também filho de todos.

HISTÓRIA DE FELIPE EXPÕE DRAMA DOS FILHOS DA RUA


FILHOS DA RUA - ZERO HORA 18/06/2012

Para especialistas e autoridades, melhores políticas do governo, bom planejamento familiar e atendimento escolar na primeira infância são fundamentais para evitar a repetição de histórias como a do menino de rua Felipe, acompanhada por Zero Hora durante três anos e contada ontem em uma reportagem especial de 16 páginas

A trajetória de um menino de rua de 14 anos, revelada em detalhes na edição de ontem de Zero Hora, mobilizou os gaúchos e motivou reflexões de autoridades e especialistas da área da infância.

Centenas de leitores, muitos deles emocionados, manifestaram-se sobre o caderno de 16 páginas, no qual a repórter Letícia Duarte e o fotógrafo Jefferson Botega documentam, depois de três anos de investigação, a história de Felipe (*), um garoto de Porto Alegre que acumula quase uma década vivendo nas ruas, consumindo drogas e envolvendo-se com violência.

Segundo profissionais ouvidos por ZH, a reportagem Filho da Rua demonstrou a urgência de políticas de planejamento familiar, atendimento escolar na primeira infância e apoio às famílias desestruturadas. Essa foi a reação de Márcia Herbertz, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. Para ela, depois que uma criança como Felipe já está nas ruas, é necessária uma rede de assistência muito azeitada para reverter a situação. Márcia defende a necessidade de atuar na prevenção:

– Como se chega ao ponto de esse menino, já aos cinco ou seis anos, não voltar para dormir em casa? É porque faltam programas na primeira infância. Nessa fase, a criança tem de ter acesso à Educação Infantil. Isso seria fundamental. Além disso, precisa haver suporte para uma família desestruturada como a dele. Não basta só dar Bolsa-Família, tem de oferecer acompanhamento.

O secretário-adjunto da Secretaria Estadual da Justiça e dos Direitos Humanos, Miguel Velasquez, também ressaltou, a partir do exemplo de Felipe, a necessidade de prevenção. Ex-coordenador do Comitê de Apoio Operacional da Infância e da Juventude do Ministério Público, Velasquez ressaltou o fato de a mãe de Felipe, por rejeitar o uso de anticoncepcionais, ter tido seis filhos, apesar de enfrentar dificuldades materiais e de demonstrar inabilidade para colocar limites à prole.

– A gente percebe que ela não tinha condição de ter seis filhos. Precisamos ter um trabalho forte de planejamento familiar, sem hipocrisia.

Para Velasquez, a reportagem evidencia que o drama dos meninos de rua não é só um problema do poder público – é de todos nós. Ele ressalta que Felipe vai para a rua porque a rua é atraente, graças às esmolas.

Marco Seadi, presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), órgão da prefeitura responsável pelos meninos em situação de risco, revelou-se surpreso com o tamanho da reportagem. Ele esperava que o jornal dedicasse meia página ou uma página ao assunto. Seadi sustenta, no entanto, que a dimensão do problema não é tão grave:

– Basta andar pelas ruas de Porto Alegre para ver que não tem tanta criança assim na rua. Conseguimos reduzir muito de 2004 para cá.

Segundo Seadi, a solução passa por planejamento familiar, pela conscientização da população a respeito da necessidade de não dar esmola e pela repressão ao tráfico. Ivaldo Gehlen, pesquisador do tema e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), achou importante a iniciativa de ZH de resgatar uma trajetória como a do menino de 14 anos – segundo ele, o interesse da imprensa é sintoma da conscientização da sociedade a respeito do assunto. Gehlen se mostra otimista:

– Apesar das idas e vindas, o rapaz e sua família sempre estiveram à procura de sair da situação. Mesmo que, na aparência, os serviços públicos fracassem, o menino sobrevive porque os procura. Esse é um dado positivo. Hoje temos serviços e profissionais, o que há poucos anos era só um sonho.

Nome fictício para preservar a identidade do menino, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente

Painel RBS

Depois de revelar a alarmante trajetória de um menino de rua de Porto Alegre em um caderno especial de 16 páginas, encartado ontem em Zero Hora, o Grupo RBS promove hoje um debate sobre as medidas necessárias para combater o problema.

No Painel RBS especial Filho da Rua – Alternativas para o Drama dos Meninos das Esquinas, autoridades e especialistas da área da infância e da adolescência vão partir da história de Felipe, documentada ao longo de três anos pela repórter Letícia Duarte e pelo fotógrafo Jefferson Botega, para abordar a situação dos muitos Felipes que vagam pelas ruas das cidades brasileiras.

Nomes importantes ligados às áreas da proteção à infância e dos direitos humanos foram convidados a contribuir com a discussão (leia ao lado). Letícia será uma das provocadoras da discussão, ao lado de dois entrevistadores: Daniel Scola e Manoel Soares. A mediação ficará a cargo do jornalista André Machado.

A partir do relato feito por Letícia, que serve como um diagnóstico das forças que empurram os meninos para a rua e dos entraves que os mantêm nela, os debatedores serão questionados sobre o que se pode fazer para romper com a situação.

FILHOS DA RUA - LEITORES REPERCUTEM REPORTAGEM

(Editoria de arte)
ZERO HORA 18/06/2012

Leitores repercutem reportagem especial 
de ZH, 17 de junho de 20120


Encartado em Zero Hora deste domingo, o caderno especial com a reportagemFilho da Rua causou comoção entre leitores e internautas. Confira abaixo algumas das opiniões enviadas à redação:

"Cumprimento pela brilhante reportagem sobre o menino de rua que acompanharam por tanto tempo. Não tenho palavras para dizer o quanto me sensibilizou ler o texto, e me motivou a participar do Funcriança e tentar ajudar esses heróis anônimos que acreditam no trabalho que desenvolvem e da importância que têm para toda a sociedade. " Luzia Koehler , Bibliotecária – Porto Alegre

"Parabéns pela reportagem.Serve de lição de vida para todas as famílias. " Oto Eduardo Rosa Amorim, Major da BM – Santa Cruz do Sul

"A reportagem nos mostra que os governos têm políticas ineficazes para essas situações. A família é outro fator, talvez o principal, para que isto aconteça. O próprio menino diz que, se tivesse levado umas palmadas e a companhia do pai, isto talvez fosse diferente. " Clenio G. Dias , Aposentado – Porto Alegre

"O menino de rua, Zero Hora, não é filho de todos nós, mas sim de um governo omisso que rouba sem cessar, descaradamente, quando pagamos fortunas de impostos, numa luta tenaz pela sobrevivência e educação dos nossos filhos legítimos. A passividade deste desgoverno, desta impunidade vergonhosa, sim, é filha nossa, parindo os que receberam nosso voto e jogam na rua a nossa dignidade. " Inês Mascia Carneiro Monteiro , Microempresária – Uruguaiana

"Parabéns, Zero Hora, por Filho da Rua. Presumo que essa voz, de uma forma ou de outra, produzirá seus frutos. Falando por mim, após a leitura da reportagem, passarei a enxergar os “Felipes” que vagam pelas ruas com olhar diferente daquele com que os enxergava outrora. " Virgílio Melhado Passoni , Aposentado – Jandaia do Sul (PR)

"Parabenizo por Filho da Rua, que mostra a trajetória de Felipe, uma história carregada de emoção e de situação de vulnerabilidade social. Assim, as pessoas podem ter consciência de que a sociedade sustenta a esmola de muitas crianças pelas ruas, e, se cada um fizer a sua parte, não teremos mais crianças nessas situações de precariedade. " Felipe Spuldaro , Estudante – Marau

"Parabéns pela reportagem... Sou pai do Marcelo Augusto( Adolescente representante do RS no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente ) para a 9ª Conferência que ocorrerá em Brasília em 10 a 14 de Julho deste ano. Desde 2009 ele vem representando junto a política de melhorias para a criança e adolescente. A cada 2 meses, a partir de 2011, vai a Brasilia com um grupo de 27 adolescentes , um de cada Estado e um do Distrito Federal para discutirem e prepararem a Conferência Nacional, junto com a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República. Ele tem 14 anos, nasceu em 15 de fevereiro de 1998, cursa o 1º ano do Ensino Médio e está no Programa de Aprendizagem do SENAC em Capão da Canoa. Na contra mão de Felipe teve acesso a todas as oportunidades e a lei. Ele é um menino que está ligado ao CEDICA da SJDH do RS, participa das reuniões em Porto Alegre e ajudou a organizar a Conferência Estadual DCA. Está chegando hoje as 23h e 30 min no aeroporto Salgado filho, vindo do último encontro em Brasilia, antes da Conferência Nacional. Esteve 12 de junho na Assembléia Legislativa na Comissão de Direitos Humanos levantando cartão vermelho contra o trabalho infantil. Luta pelas causas das violações do ECA e pelas oportunidades aos jovens que não as tem. " Luciano Luis Flores

"Parabéns pela excelência da reportagem especial de ZH deste domingo. Não há como não ficar tocada pela sensibilidade de teu texto, pela precisão de tuas palavras, que pungem e fazem doer a cada parágrafo.Eu, que nuca fui muito de me sensibilizar com a infância desvalida, militando muito mais na defesa dos animais por considerá-los mais necessitados de meus cuidados, confesso que me senti desconfortável, e impotente, diante da trágica realidade que se expôs, nua e crua, diante de meus olhos.Cheguei a lembrar de um trecho de um conto de Ricardo Ramos- uma releitura de " A menina dos fósforos "- em que ele diz: " ...eles não tinham a tempo tirado os olhos e tinham visto. " Um grande abraço e, mais uma vez, parabéns. " Mafalda Kreutz , Lajeado

"Olha, entre os milhares de e-mails que vão lotar a tua caixa de mensagem, quero dizer que envio o meu também. Quero te parabenizar pela baita reportagem que tu nos brindaste na edição deste domingo (17 de junho) de Zero Hora. É mais do que uma reportagem, é o relato da vida real, que explode todos os dias em nossas faces. É a face dura de uma sociedade a qual não conseguiu acabar com suas mazelas. Mazelas de miséria e exclusão que assolam o Brasil, o Brasil da Copa do Mundo e do novo milagre econômico, o qual vemos no governo petista que nos rege. O Brasil do futuro mundial, onde estrangeiros correm para fugir da crise. Um Brasil que não olha para os brasileiros com o olhar real.  Letícia, fica difícil aqui achar culpados. Felipe é mais um que nasce em meio a miséria e a desestruturação. Felipe é mais um no meio do sistema. Um sistema o qual o Estado só enxuga o gelo com pano úmido. Ou seja, não resolve nada porque nada é pensado com seriedade. O sistema está engolfado no mar do marasmo e da corrupção. Olha, te falo porque hoje trabalho em uma ONG e vejo o quão é dura a realidade da nossa periferia. Sonho em ver os jovens que acompanho em um mundo melhor. Faço a minha parte e tento sim fazer algo. Mas é difícil. Saem dali, uns vão para casa, outros, sei lá para onde. Uns não tem pai, outros tem e os pais são viciados, alcoólatras, inválidos pela violência.  A história de Felipe merece ser sempre lida, analisada e compartilhada. O buraco é muito mais embaixo e a solução é só para longo prazo. Não sei se estarei aqui para ver uma mudança efetiva. O Brasil vive de soluções mirabolantes e mágicas, as quais em quatro ou oito anos, transformam tudo em mar de rosas.  Desejo de coração que Felipe não seja encontrado morto. Que nenhuma desgraça maior suceda em sua dura e dramática vida. Não culpo ele, não culpo sua mãe, por omissão. Sinceramente, não sei a quem culpar... Mas digo que FILHOS DA RUA é um trabalho digno e que merece ser lido, analisado e compartilhado. É um exercício de cidadania, uma aula de bom jornalismo. O jornalismo o qual gosto de ler. Para mim, que tenho o privilégio de te conhecer, é uma honra e um orgulho ver o teu trabalho e a tua trajetória como cidadã, seja aqui, seja na África, seja onde estás. Digo que me existência se completa ao ter a oportunidade de conhecer alguém como você. " Oscar Henrique Marques Cardoso

"Nesta noite de sábado peguei a ZH dominical para ler antes de dormir, e por causa de uma reportagem comovente, acabo de ler só agora. Queria lhe parabenizar pela reportagem Filho da Rua, primeiramente pelo texto maravilhosamente bem escrito e segundo pela coragem de sair pelas ruas de Porto Alegre e até mesmo Torres para poder passar para nós leitores uma realidade que muitos fingem não enxergar.
Mais uma vez lhe parabenizo, você e toda a equipe. " Bianca Fraga

"Impressionante, emocionante e revelador o reportagem do menino Felipe; quero, sendo gaúcho por adoção, te parabenizar e sinto-me orgulhoso de ter nesta terra jornalistas como você. Continua nessa direção que todos vamos te apoiar. Também gostei muito das fotos de Jefferson que mostram o menino em seu habitat sem identificar ele. " Alberto Acle

"Cumprimentos pela importante matéria publicada em ZH de domingo. Produziste um trabalho que mostra a dor de crianças que não puderam usufruir de seus direitos fundamentais, como prevê a lei. Fica o desejo de que o documentário possa provocar um maior envolvimento de todos com a proteção à infância!
Valeu a tua dedicação e coragem!" Maria Regina Fay de Azambuja, Procuradora de Justiça

"Gostaria de cumprimentá-los pela brilhante resportagem sobre esse menino de rua que acompanharam por tanto tempo. Imagino que tenha sido um caminho muito sofrido e ao mesmo tempo enriquecedor nesse convivio com o drama que é de todos nós. Nao tenho palavras para dizer o quanto me sensibilizou ler o texto, e o quanto me motivou a participar do Funcriança e tentar ajudar esses heróis anonimos que acreditam no trabalho que desenvolvem e da importancia que tem para toda a sociedade. Parabéns também pela escolha desse tema sempre tao presente em nossa vida. Estejam certos de que motivaram muitas pessoas com esse trabalho. Minha admiração pela coragem e talento." Luzia Koehler

"Fiz uma incursão ao submundo hoje de manhã. Li a matéria especial da Zero Hora, um caderno com 16 páginas. Uma ode ao comportamento injusto e incompreensível de um adolescente de 14 anos, que troca seu lar pelas ruas de Porto Alegre. Resultado: revolta e compaixão. Ainda não sei se mais um, ou mais outro sentimento. Revolta: uma mulher que colocou 6 crianças no mundo, e que não entende como pode o filho mais novo ter “fugido” de casa aos 5 anos. Alega que o filho preferiu a rua porque há quem dê esmolas. E na rua está até hoje por conta do crack. Além de ignorar qualquer parcela de culpa que possa a ter no destino dos filhos. Os outros não tiveram nem melhor nem diferente sorte: um assassinado, outro preso por roubo, o terceiro passou pela Fase, e as duas meninas também caíram nas drogas e perambulam pelas ruas. Pois bem. Não sou a favor de “dar esmolas”. E nem de imputar as próprias irresponsabilidades à sociedade ou ao governo. Mas sou a favor da maternidade responsável. Para que as crianças possam ser crianças. E para que não prefiram a rua à própria casa, independente do tipo de casa que tenham. Ser mulher não significa ter que ser mãe. Ser pobre não é o mesmo que ser ignorante. E ter responsabilidade não depende de situação financeira favorável. 14 anos. É a idade que esse menino tem hoje. Anos demais de fome, de abandono, de algumas drogas e possíveis infrações penais. Anos de menos para assumir uma vida que ninguém deveria ter. E a compaixão, bom... é pena é por uma vida, ou por tantas outras nesse mundo, ter sido desperdiçada por conta da negligência das pessoas que a geraram. Aliás, uma última observação. Ao final do caderno, junto às instruções de “faça sua parte”, porque não, além do item “cidadãos”, “ONG’s”, um intitulado “mulheres que têm filhos”? Sim, porque mães, na real acepção da palavra, são apenas aquelas mulheres que assumem o dever legal, moral e emocional de cuidar das crianças para as quais dão a vida. " Amanda Melo

"Meu nome é João Marcondes Vargas Trindade, tenho 35 anos, casado, 3 filhas e morador de Porto Alegre, nascido em Alegrete. Gostaria de parabenizar o grupo pelo trabalho que vem fazendo junto a sociedade gaúcho neste caso em especial e com referencia ao menino de rua (filho de rua) reportagem de Zero Hora dominical 17 de junho 2012. Perdi minha mãe aos 2 anos de idade (assassinada ) meu pai foi sempre um pai ausente, e ai a vida me esperava, imaginem uma criança sem qualquer estrutura familiar num mundo onde o que mais rápido se aproxima de ti são as coisas ruins e as drogas. Posso falar que tive sorte, pois as drogas na minha época não eram tão quantitativas quanto é hoje, mas o que quero falar pra vocês e o seguinte, minha tia após deduzir que não teria condições de me educar, criar, e me dar uma família, foi ao juizado (Alegrete) e me entregou, o juiz mais do que pronto olhou aquela criança e me lembro como se fosse hoje me perguntou “tu gostaria de morar comigo” eu sem entender nada e assustado acho que falei que não (quem sabe ai perdi uma grande oportunidade), mas o fato é que ele naquele momento fez a melhor coisa que poderia ter feito na sua vida, salvou a minha, isto mesmo, graças a este Juiz estou aqui hoje, e sou o homem que sou se o encontrasse hoje não saberia o que fazer acho que só agradeceria e o daria um abraço. O Juiz, lembro bem dele me falando, vou fazer o que é melhor para você João, vou encaminha-lo ao IRMA (Instituto Rural Metodista de Alegrete), ai começa minha estória de quase um menino de rua. Fui criado dos 9 aos 13 anos de idade nesta instituição chamada IRMA (Instituto Rural Metodista de Alegrete), esta instituição eu acredito, e muito que foi o segundo ato para salvar este homem que aqui esta escrevendo, posso contar como foi morar neste lugar, mas é uma estória longa e muito bonita, o que quero com este texto é me pronunciar sobre o que li na contracapa da reportagem. No item CHAME AJUDA, tem uma frase que diz “ Os educadores conversam com as crianças e procuram encaminhá-las a programas, mas não as retiram à força das ruas”. Lembram da minha primeira proposta que tive, “tu gostaria de morar comigo” esta eu perdi, já a segunda ela foi imposta pelo Juiz “vou fazer o que é melhor para você João” graças a esta imposição hoje estou aqui. Gostaria que as autoridades parassem com estas imposições que hoje trancam quem sabe, o futuro e a vida de nossas crianças, crianças precisam sim, serem conduzidas, orientadas, regradas, educadas e amadas, e muita das vezes contra a própria estrutura da família, pois estas famílias como a minha, não poderia me dar o que esta instituição IRMA me deu. Parabéns grupo RBS, pelo excelente trabalho de reportagem e de mostra deste que é um assunto que tenho uma enorme dor de minha infância, mas como gostaria que esta reportagem tocasse as nossas autoridades, assim como ela tocou o meu coração, obrigado novamente, e obrigado Sr. Juiz do Alegrete." João Marcondes Vargas Trindade

"Parabéns pela matéria; serve de lição de vida para todas famílias" Major Amorim

"Parabens pela reportagem Filho da Rua. Nunca tinha visto a ZH dar 16 páginas para uma história feita em três anos. Letícia, já estou antevendo um prêmio nacional para o teu trabalho, pois ficou magnifico, porém, se me permite, tenho alguns reparos a fazer, não sobre o teu trabalho mas pela história desse menino. A mãe de Felipe teve seis filhos, página 2, e a gente não ficou sabendo o destino deles. Antes dessa história, já tinha visto o filme Pixote, a lei do mais fraco, de Hector Babenco, de 1981. As histórias se parecem, menos em um detalhe. Pixote foi morto pela polícia, mais tarde embaixo de uma cama, depois de ter praticado vários crimes (furtos, assaltos e assassinatos). Os dois têm a mesma história: Pixote foi abandonado por seus pais e rouba para viver nas ruas. Esteve internado em reformatórios e isto só ajudou na sua "educação", pois convivevu com todo o tipo de criminoso e jovens deliquentes que seguiram o mesmo caminho. Sobreviveu por um pequeno tempo se tornando um pequeno traficante de drogas, cafetão e assassino, mesmo tendo apenas onze anos.Essa é a sinopse do filme.Por mais que a sociedade (e o governo)tente ajudar, em verdade esses meninos não querem ajuda, pois essa ajuda significa a perda da liberdade. Conheci muitos meninos iguais a ele que deram certo e outros não, apesar de inúmeros conselhos dados para esses. Creio que cada um tem o seu destino. Paulo Sant'Ana, por exemplo, no seu artigo Louça Quebrada (ZH,17/6), tinha tudo para dar errado. E deu certo, apesar da frase dita por seu pai: "nunca serás nada na vida". Um abraço. " Alceu Medeiros, Bento Gonçalves

"Emocionei-me com a excelente reportagem de ZH dominical de 17 julho de 2012 de Letícia Duarte: Felipe, 14 anos, filho da rua. É uma história comovente e ao mesmo tempo triste, pra não dizer trágica, mas expõe de forma completa e objetiva a realidade de muitas famílias, entre as quais a deste menino. Uma história que desejaria que todos lessem pois nos reeduca e transforma nossa modo de pensar e conviver com a miséria, drogas e a violência que nos cercam todos os dias! E o mais importante é que também nos dá uma visão universal das causas desses três problemas que assolam toda a nossa sociedade. Como é dito no filme: tropa de elite 2, vai matar muita gente inocente! Isso afirmo, sem ser hipócrita, pois sei que Felipe não é um inocente, mas também entendo que Felipe é vítima de todos nós, que fazemos parte desta sociedade e deste sistema e que, de alguma forma ou de outra, contribuimos a tragédia de vida do Felipe até hoje. Aos 14 anos sem saber ler, viciado em crack, sem ter limites na vida, sem esperança e com medo de seu futuro, penso eu que, cada um de nós (parte da sociedade gaúcha e brasileira) deve, ao invés de apenas lamentar, assumir que também é culpado e que pode sim, fazer algo para mudar este quadro (não só do Felipe mas de tantas e tantas outras crianças e adolescentes que nos rodeiam). Como? colaborando com os fundos estaduais e municipais que estão no final da reportagem (ao invés de dar esmola), contribuindo de alguma forma ou de outra com projetos de reabilitação para dependentes químicos, e torcendo para que nossos políticos façam aquilo que prometem: mais educação(com mais professores, mais qualificação e melhores salários), mais Conselhos tutelares (com mais profissionais qualificados e bem remunerados), mais vagas em clínicas e fazendas terapêuticas de recuperação de dependentes e, principalmente, projetos que impliquem em capacitação profissional e geração de renda para adolescentes e suas famílias. Caso contrário, vamos continuar lendo outras reportagens como esta, que traduzem em palavras a incompetência humana, no seu sentido mais amplo, de proteção, cuidado e amor aos seus próprios semelhantes!" Leandro Almeida, Santa Maria

"Não tenho palavras, aliás, penso que posso ficar falando aos borbotões e não vou conseguir dizer tudo que senti ao ler a reportagem e tudo que se pode falar sobre este tema. Na verdade fiquei confuso com o que li, me emocionou muito, ao mesmo tempo me irritou, me deixou frustrado, fiquei impressionado, minha cabeça não para de pensar sobre o assunto,não tem como ficar alheio. Gostaria de parabenizá-la e também a equipe pelo belo trabalho, realmente impressionante pela relevância do tema, pela abrangência geográfica, pela dimensão de tempo envolvido; é realmente uma história de vida (verídica) que poderia virar livro, um romance ou estudo de caso, aliás poderia servir de material de apoio a políticas públicas. O que mais gostei foi a forma ISENTA com que a reportagem foi feita, sem acusações, sem avaliações tendenciosas e sem sentimentalismos, muito pelo contrário, é preciso ter muito “coração” e profissionalismo para fazer uma reportagem destas. Me considero incompetente sobre o tema, embora conheça vários casos, inclusive um familiar mas que ocorre em outra ambiente sócio-econômico no extremo oposto deste da reportagem mas que não tem um final muito diferente do relatado. O que me chama a atenção, e aqui vou repetir o que já sabemos, é a falta de “alinhamento estratégico” por parte das políticas públicas para tratar do assunto, seja por falta de estrutura adequada, falta de pessoal e também metodologia. Sei que existem profissionais capacitados e competentes por traz de toda esta zorra e que eles, e somente eles, estão de parabéns pelo esforço realizado. Sei que muitas crianças e adolescentes tem sido recuperados, mas precisa-se de mais.
O que não concordo está escrito na contracapa da reportagem que sugere o que podemos fazer para contribuir. Embora considere válido e importante a sugestão entendo que, a cima de qualquer coisa, deve haver e estar o poder público; este sim tem a maior responsabilidade e se mostra ausente ou no mínimo fraco e incapaz de conduzir soluções para problemas de tamanha importância. Entendo que somente após uma proposta estratégica pública e muita vontade política é que poderemos contribuir de maneira organizada e eficaz. Não acredito em projetos sem objetivos claros, metodologia, recursos e principalmente um responsável competente e atuante. Infelizmente, não acredito na mais em coisas do tipo...faça sua parte como cidadão....é sabido que qualquer ação isolada não surtirá efeito nenhum, a reportagem provou isto. Mas acredito na vontade do ser humano, dos profissionais de saúde, em reportagens como a que vocês fizeram, mas resultado efetivo somente se houver um projeto com embasamento para sustentar estas ações.
Algumas casas de atendimento não receberam o Felipe por que ele tinha mais ou menos de 12 anos, que “horror”, o critério para internamento deixou de ser o crack, a doença ou a necessidade da pessoa doente, e passou a ser a idade, isto é um absurdo, não tem cabimento. Em breve teremos as famosas, onerosas e enjoadas campanha políticas para prefeitura. Tua reportagem deveria ser lida por todos futuros candidatos e pelo atual representante da prefeitura, deveria servir de material para debate político e muito estudo pois relata a vida como ela é num período de tempo muito expressivo.Recentemente levantou-se a questão da legalização do porte de “pequenas doses” de maconha para consumo pessoal. Esta bosta (droga) para ser consumida deve ser comprada e quem vende ou quem entrega essa droga são outros tantos Felipes da vida. Meu Deus, a lógica seria então discutir uma lei que penalizasse e responsabilizasse este tipo de consumidor pois, é ele quem estimula e contribui ativamente para que a sociedade crie outros Felipes. Esta sim é talvez a maior responsabilidade da sociedade, é a contribuição que cada um pode dar. Permitir que jovens ou adultos, com lar, trabalho, carro e dinheiro, que desfrutam de uma condição social diferenciada e muitas vezes até protegida, estimulem este tipo de atividade, é de uma irresponsabilidade sem tamanho seja com o jovem adolescente drogado, seja com os cofres públicos que investem dinheiro com baixo retorno para a sociedade. Me entristece a situação do Felipe pois o futuro deste jovem é conhecimento de todos, já sabemos o final do filme. Mais uma vez parabéns pela reportagem, sinceramente me faltam palavras para falar da grandiosidade da matéria. Se contribuir de alguma forma pode realmente ajudar na solução do problema então me rendo, vocês fizeram a parte de vocês, fizeram muito, parabéns. " Paschoal Buglione

"Excelente a reportagem, acima de tudo pela tua perseverança, em acompanhar por mais de 3 anos a vida do Felipe. Neste período tu e Jeferson correram risco, até de vida, por frequentarem os locais de venda de droga e de drogados. Relata-nos uma história de uma vida perdida para a droga, Quantas outras semelhantes, dezenas, centenas, milhares que desconhecemos no detalhe, mas sabemos que existem. Maria a mãe de Felipe teve outros 5 filhos e perdeu o 7º. Disse que não fez laqueadura de trompas, para não ser impedida ter mais um bebe, mesmo não podendo criá-los, muito menos educar e por isto deixando aos cuidados de terceiros. Relatas que a sociedade por pagar seus impostos, sente que já fez sua parte, como poderá ser diferente se o cidadão há muito não tem voz. E a mídia atrás do sensacionalismo não tem a tua persistência, não tendo, deixa todos os assuntos sumirem na memória fraca de seus leitores. Só a mídia nacional e somente ela pode, querendo, mudar esta situação que abordas e muitas outras que nos afligem diariamente. A Zero Hora fez uma elogiável campanha, CRACK NUNCA MAIS, que recebeu aplausos e apoio de eminentes membros da sociedade. Faltou o complemento fundamental, uma campanha com a mesma dimensão e duração, pedindo penas mais duras ao traficante, que hoje entra porta da frente da cadeia, o logo sai pela dos fundos, protegido por habeas corpos. Pelo contrário, assistimos a pena ser reduzida. Droga para consumo próprio não dá prisão e aí, como é de conhecimento geral, o traficante adaptou-se célere, passou a consumidor, seus mulas sempre carregam consigo pouca droga, o justo para não ser preso. Chocolatão, Vila dos Papeleiros e milhares de outros locais idênticos, são conhecidos pela polícia e nada acontece, até porque com o abrandamento constante da pena, preso hoje livre amanhã, desestimula o policiamento. Encerrando também faz falta uma campanha com a mesma intensidade, CRACK NUNCA MAIS, sobre o PLANEJAMENTO FAMILIAR, causa do problema que abordas. Para isto também é preciso muita coragem, pois como menciona na ZH, 17/06 página 13, o empresário Paulo Vellinho, em seu brilhante artigo “Opção pela mediocridade”. Pergunto: interessa aos demagogos, populistas e às próprias religiões uma sociedade que não tenha os desníveis hoje existentes, que condenam a exclusão social uma grande parcela da sociedade brasileira? Claro que não, pois o que alimenta a vida destes senhores e fertiliza o seu solo é a pobreza e a miséria."  Heitor Monteiro Lima

"Eu gostaria de parabenizá-la pelo excelente trabalho neste caderno, você conseguiu através deste período fazer um material muito rico não somente por acompanhar a história deste menino, que como disseram é igual a de muitos outros mostrando as mazelas da sociedade,expondo que as instituições não estão preparadas para darem um destino diferente a milhares de pessoas na mesma situação, mas também chamando atenção para o fato de que este é um problema nosso também do cidadão, seja cobrando as entidades responsáveis, exercendo de fato nossa cidadania, seja com gestos simples como não dar esmola,enfim pela riqueza dos detalhes e pelo aspecto humano que conseguiu imprimir ao caderno me arrisco a dizer que vem mais prêmio por aí. " Marco Antônio Simas Araújo

"Gostaria de parabenizá-los pela tocante reportagem veiculada hoje em Zero Hora - "Filho da Rua". Sou professora da rede municipal de ensino de Porto Alegre, no Morro da Cruz, e é incrível como há tantos Felipes na nossa cidade, infelizmente. Da mesma forma que vocês, sinto-me impotente diante de casos como o dele, ao ver os nossos Felipes distanciando-se da escola, da sua família, perdendo o brilho do olhar infantil e perdendo-se nas ruas, no submundo das drogas. Um dos fatores que mais me comove, em casos como o dele e da sua família, é que famílias incapacitadas de dar um bom subsídio e educação a essas crianças tem uma quantidade grande de filhos. Vejo o mesmo na minha escola, é frequente uma mãe ter seis ou sete filhos sem mínimas condições financeiras e psicológicas para isso... É triste, é estarrecedor, nos inquieta, mas vocês trouxeram à tona um retrato muito fiel dessa mazela social. E o pior de tudo, nos sentimos responsáveis por financiar esses meninos de rua. Espero que essa reportagem tenha tocado também outras pessoas e órgãos governamentais, para que seja reavaliado onde está o cerne do problema, para que não surja tantos Felipes por aí. " Letícia Germano

"Está demais o especial Filho da Rua, uma super reportagem muito bem contada nos mínimos detalhes. Mostra a trajetória de um menino que representa muitos outros. Parabéns Letícia e Jefferson Botega o Web Documentário também está excelente Só não concordei com o fato de terem condenado tanto as esmolas. Tudo bem, as esmolas realmente favorecem a permanência deles nas ruas mais como o próprio ''Felipe'' contou: a partir do momento que lhe falta esmola ele recorre aos roubos e furtos, ou seja se as pessoas pararem de dar esmolas conforme recomenda ZH quem garante que eles não irão começar a cometer muito mais delitos para bancar seus vícios e outras despesas? Ai quem paga a conta somos nós, principalmente as pessoas idosas que são alvos fáceis, frequentemente eu vejo ''Meninos de Rua'' furtando ou roubando pessoas e estabelecimentos. Ou damos por bem ou damos por mal, a não ser que as instituições e órgãos responsáveis tomem as devidas providências. Eu espero que mostrem daqui a algum tempo o que acabou acontecendo, se ele mudou para melhor ou para pior. " Matheus Andrade

"Sou professor universitário, acadêmico do curso de Psicologia e pesquisador do fenômeno da violência social, trajetória essa que levou-me a escrever o livro MEDO: Fronteira Entre o Sobreviver e o Viver, as véspera de sua quarta edição. Valeu viver até aqui para ler sua ousada e arrebatadora obra jornalística “FILHO DA RUA”. No meu entender como educador, o jornal ZERO HORA, ao acolher essa matéria, consolida seu papel como instrumento de informação transformadora, ao gerar o desconforto numa pátria que se vê refletida no espelho da derrota, do fracasso. No dizer da própria matéria, de “caniço” ante a perda de cada filho seu. Cada “Felipe” perdido, é o atestado que perdemos todos. Permito-me afirmar que enquanto não investirmos com seriedade em EDUCAÇÃO, nos dois primeiros grupos de pertencimento do indivíduo, FAMÍLIA E ENSINO FUNDAMENTAL, estaremos investindo longe de fazermos JUSTIÇA, ou seja tarde demais. " Italo Abrantes Sampaio

"Impossível ficar inerte a essa realidade. Não consegui parar a leitura, comi todas as letras da reportagem. Estou mais triste hoje e já fui à missa bem cedo para rezar. Quero respostas que ficaram abertas. Condeno sumariamente a mãe de Felipe, ela não poderia sequer ter nenhum filho. Gerar filhos indesejados e colocar todos no mundo para sofrer como esta história que li? E estes filhos vão gerar novos filhos indesejados que tornarão infelizes toda uma geração. É muito fácil transferir a responsabilidade para o estado e cobrar dele suas inconsequências. A mãe do Felipe sabe, como disse: caso continue sua perigrinação pelas ruas: a cadeia ou a morte. Ela não pensa que o filho dela, o Felipe pode assassinar algum inocente e destruir alguma família, como a minha, a sua ou de alguém que amamos. Cadeia não recupera ninguém e hoje o crime compensa, a impunidade é uma manobra para leis fracas e presídios superlotados. E não será diferente ou ele cometerá algum crime, ou será morto, não existe outra saída. Essa mãe jamais poderia ter filhos, assim como tantas outras, existem muitos métodos para evitar filhos, todos os orgãos que na trajetória da vida atenderam o Felipe, poderiam ter como princípio instruir as mulheres no CONTROLE DE NATALIDADE, não me refiro ao planejamento familiar, que é para famílias conscientes, e não será necessário resolver problemas como o que acabo de ler. Não concordo que os projetos sociais dos governos fracassaram na missão de ajudá-lo. Todos os orgãos fizeram o que lhes cabia, ele dando despesas ao município, ao estado e à união. O projeto social mais adequado para evitar futuros dramas como este, será sem dúvida o acompanhamento de futuras "Marias" a não gerar filhos, pois como no exemplo, será tarde demais. " Luís Carlos Ianick

"Com sensibilidade, tua reportagem reflete o drama ainda vivenciado por muitas crianças, apesar da batalha da rede que busca se articular para vencer os limites do abandono, da drogradição, de vidas com pouca ou, às vezes, nenhuma perspectiva.A pauta das crianças choca, mas também grita para que a sociedade se mobilize. O drama do crack e das crianças violentadas em contextos de miséria, drogas e abandono nos chegam diariamente na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.E, a cada história, se reforça a nossa indignação diante da violência que vitima antes sempre os mais fracos. Mas, também renovamos a convicção de que só o trabalho duro, precoce e articulado em favor das crianças e adolescente pode lhes garantir um caminho de dignidade e segurança, fortalecendo as oportunidades para uma vida feliz e produtiva.Parabéns pelo excelente trabalho, certamente ele nos ajuda a lançar luz sobre esta pauta difícil e urgente. " Miki Breier

domingo, 17 de junho de 2012

RETRATO DE UM FRACASSO COLETIVO





ZERO HORA 17/06/2012

PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA



O russo Leon Tolstoi, um dos melhores escritores de todos os tempos, ensinava: Canta tua aldeia e serás universal. A frase poderia ser adaptada à reportagem de Letícia Duarte que ganhou um caderno especial na edição deste domingo: conta a história de um menino de rua em todos os seus detalhes e contarás a história da maioria dos meninos que perambulam pelas esquinas pedindo esmola e acabam caindo na armadilha do crack.

Leitura obrigatória para os formuladores de políticas públicas, conselheiros tutelares, juízes e promotores, o caderno deveria ser lido com especial atenção pelos candidatos a prefeito e vereador de todos os municípios gaúchos. Porque a história de Felipe, o filho de Maria, é uma espécie de manual para entender por que falham as redes de proteção à infância e à adolescência. Todo menino de rua tem algum traço da biografia de Felipe, nome dado por Letícia para proteger a verdadeira identidade. Toda mãe que “aprendeu a ler as sombras entre as esquinas” à procura do filho que perdeu para os traficantes tem um pouco dessa Maria derrotada.

A leitura da reportagem Filho da Rua é desconcertante. Desanimadora de um lado, porque nenhum dos programas oferecidos pelo Estado foi capaz de interromper a disparada do menino rumo ao abismo da droga. Provocadora, ao mesmo tempo, porque mostra o que precisa ser feito antes – e esse é o desafio de quem governa ou pretende governar. Nos planos de governo que agora precisam ser registrados na Justiça Eleitoral, os candidatos a prefeito precisam pensar em incluir itens como planejamento familiar, cuidados na primeira infância, atenção aos meninos de rua, programas de combate à evasão escolar, condições materiais aos conselhos tutelares, aumento dos leitos hospitalares para viciados em drogas, convênios com fazendas terapêuticas para recuperação de dependentes químicos.

O problema de Felipe começou antes que a mãe desse à luz. Sem planejamento familiar, Maria teve tantos filhos quantos Deus mandou. Foi vítima da violência praticada pelos companheiros alcoolizados. Não pôde dar atenção ao bebê, porque precisava correr atrás do pão de cada dia, trabalhando como faxineira. Dos zero aos três, quando o cérebro mais precisa de estímulos, o menino não teve creche. Na hora de entrar para a escola, não tinha motivação, abandonou-a e a mãe não teve pulso para mantê-lo na sala de aula. Ganhou as ruas em busca de esmola e encontrou a pedra no caminho. Sucederam-se as fugas, veio o contato com a droga e a dependência do crack, a pedra da morte. Para Felipe, pode ser tarde demais. Para os que estão nascendo agora, ainda é tempo.


ALIÁS

Se Porto Alegre ainda tem 440 adolescentes considerados “em situação de rua”, os candidatos que disputam a prefeitura precisam ir além do óbvio na hora de escrever o programa de governo que será registrado na Justiça Eleitoral.

FILHO DE TODOS NÓS
























EDITORIAL ZERO HORA 17/06/2012

Zero Hora conta nesta edição, num caderno especial de 16 páginas, a história do menino-adolescente Felipe, senhor das ruas e escravo das drogas e da mendicância desde os cinco anos de idade. Felipe não é Felipe, seu nome verdadeiro é outro, e esta identificação fictícia exigida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é uma rara e quase insignificante proteção que a legislação e a sociedade conseguem lhe assegurar. No mais, estamos fracassando como governos, legisladores, autoridades, família e cidadãos. Muitos de nós podem até achar que não temos nada com isso, pois pagamos nossos impostos, cumprimos nossas obrigações, cuidamos de nossos filhos para que não caiam nas armadilhas da juventude e, afinal, não podemos salvar a humanidade. Tudo verdade. Mas a leitura atenta da história do menino de 14 anos, inquilino das calçadas e praças, praticante de pequenos delitos, viciado em crack e, muito provavelmente, condenado a uma vida breve, revela ações e omissões que também são de nossa responsabilidade coletiva.

O dramático relato é de autoria da repórter Letícia Duarte, que nos últimos três anos vem acompanhando de perto a trajetória do garoto nascido na periferia pobre de Porto Alegre, numa família desestruturada pelo álcool, pela violência e pela falta de oportunidades. Felipe tem pai e mãe, ele alcoólatra e ausente desde o nascimento da criança, ela dedicada, mas impotente para cuidar da própria vida e para resgatar das ruas e das drogas o filho que começou a fugir de casa antes mesmo de atingir a idade escolar.

Se a mãe não consegue, muito menos as autoridades, a rede social e as instituições constituídas com este objetivo. Felipe já passou por todas, diversas vezes. Já esteve matriculado, albergado, internado e hospitalizado, mas continua analfabeto, infrator e dependente de drogas. A desestruturação familiar certamente está na origem dessa tragédia infantil. Mas o garoto também foi estimulado a seguir este caminho torto por pessoas bem-intencionadas, que não conseguem negar uma moeda a pedintes aparentemente famintos, especialmente quando se trata de crianças.

A própria mãe admite que a esmola sustentou a infância desregrada de Felipe, garantiu-lhe a droga de cada dia, convenceu-o de que é possível sobreviver sem escola e trabalho. “Se a minha reportagem ajudar a conscientizar as pessoas dos danos que causam ao dar esmolas, já estarei satisfeita” – relata a autora deste corajoso trabalho jornalístico.

Ao publicar o especial Filho da Rua, Zero Hora não pretende criticar especificamente governos, denunciar falhas da administração pública ou condenar instituições, pois reconhece o esforço de cada um desses atores sociais na luta contra as drogas e em defesa da infância. O objetivo maior deste recorte de vida, que elege Felipe como símbolo de tantos brasileiros que se perdem nos descaminhos do vício e da marginalidade, é levar leitores, autoridades e lideranças da sociedade a uma reflexão sobre o que estamos fazendo errado e o que podemos fazer melhor para modificar esta dolorosa realidade. O Grupo RBS, que tem entre seus valores permanentes a proteção à infância e a paternidade consciente, acredita que dar visibilidade ao drama de Felipe significa também compartilhar com os gaúchos a responsabilidade de salvá-lo e de evitar que outras crianças tenham semelhante destino.

Tão doloroso quanto ver que uma criança está se degradando diante dos nossos olhos, sem que saibamos como resgatá-la e encaminhá-la para uma vida digna, é a constatação de que esse menino marginalizado é filho de todos nós.


CAPA REPORTAGEM ESPECIAL

FILHO DA RUA

Felipe é infantil, mas agressivo; pede ajuda, mas não larga o crack; procura a família, mas vive nas esquinas. A sociedade sustenta seu vício com esmolas. A mãe cansou da luta para resgatá-lo. Projetos sociais dos governos fracassaram na missão de ajudá-lo. Por três anos, ZH seguiu os passos de Felipe e mostra, nesta reportagem, como a mistura de omissão, pobreza, desestrutura familiar e falta de horizontes é o berçário ideal para o nascimento de um menino de rua.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Sim, estas crianças e adolescentes abandonados, fujões e jogados nas ruas são filhos de TODOS NÓS, uma questão de justiça, ordem pública, paz social e direitos humanos.  E é justamente na definição desta questão que erramos, ao buscar métodos superficiais e pontuais de assistencialismo para as soluções deste descaso de parte de uma sociedade de seres humanos organizada, com governo e leis regendo a convivência. O ponto inicial está na responsabilidade civil das famílias que devem garantir um início de educação, caráter, postura, civismo, cidadania e harmonia no lar. Por este motivo defendo a ação coativa do Judiciário na família de modo a impor leis e regras de postura que obrigue o cumprimento de deveres e direitos,  promovendo a assistencia social em troca de contrapartidas e contraprestações, devidamente monitoradas. Assim, todo "filho da rua"  deveria ser devolvido aos pais, salvo em circunstâncias especiais averiguadas e definidas pela justiça. Todas as crianças e adolescentes encontrados abandonados nas ruas devem ser encaminhados para fundações onde possam receber educação multidisciplinar (científica, artística, desportiva e técnica), formação, aprimoramente do caráter,  capacitação técnica, identificação de talentos, saúde, tratamento das dependência e desvios mentais, moradia, alimentação, segurança, lazer, relações pessoais e oportunidades visando uma autonomia futura. Não podem ser depositados em fundações (como atualmente são), mas encontrar nestes abrigos um lar adotado, um aconchego, uma família que possa dar amor, compreensão e orientação.

FILHO DA RUA - FAÇA A SUA PARTE

 (Editoria de arte)

FILHO DA RUA


CAPA DE REPORTAGEM ESPECIAL

REPORTAGEM: LETÍCIA DUARTE IMAGENS: JEFFERSON BOTEGA


Felipe é infantil, mas agressivo; pede ajuda, mas não larga o crack; procura a família, mas vive nas esquinas. A sociedade sustenta seu vício com esmolas. A mãe cansou da luta para resgatá-lo. Projetos sociais dos governos fracassaram na missão de ajudá-lo. Por três anos, ZH seguiu os passos de Felipe e mostra, nesta reportagem, como a mistura de omissão, pobreza, desestrutura familiar e falta de horizontes é o berçário ideal para o nascimento de um menino de rua.

O não leitor



Marta Gleich. Diretora de Redação


O exemplar de Zero Hora que você tem em mãos será lido neste fim de semana por mais de 1,4 milhão de pessoas. Algo como lotar o Beira-Rio e o Olímpico por 13 jogos.

Há um problema, porém: o personagem principal desta edição, Felipe, não vai ler a sua própria história, porque é analfabeto. Nada mais simbólico.

Por mais de três anos, com autorização do Juizado da Infância e da Juventude, a repórter Letícia Duarte seguiu os passos de Felipe (o nome está trocado em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente), numa das reportagens de maior fôlego já realizadas por Zero Hora, para mostrar como nasce um menino de rua.

Foi uma difícil caminhada. Dúzias de vezes, Letícia e o fotógrafo Jefferson Botega saíram às ruas, ora com a mãe de Felipe, ora com um conselheiro tutelar, ora sozinhos, tentando encontrar o menino. “A busca da mãe era também a minha busca”, lembra Letícia. “Nunca sabia se iria encontrá-lo.” O projeto da reportagem, aprovado em 2008 pelo então diretor de Redação, Ricardo Stefanelli, teve viradas dramáticas, quase naufragou e, por fim, encontrou o seu próprio rumo.

Em maio de 2009, quando a reportagem estava pronta para ser publicada, uma guinada dolorosa na vida de Felipe: ele foi queimado na rua e, depois de ficar hospitalizado, voltou – infelizmente por pouco tempo – para junto da mãe. Não era mais um menino das esquinas, portanto. Qual seria o desfecho? Ele conseguiria se integrar a uma escola? Deixaria definitivamente a rua dali por diante?

“O que a gente previa lamentavelmente aconteceu: ele voltou para a rua. Em vários momentos achávamos ‘agora, vai’, ele vai tomar prumo. O Felipe tinha cinco anos quando começou a sair de casa. Ninguém – nem a mãe, nem a rede de proteção oficial – conseguiu segurar uma criança. Foi uma tragédia anunciada. É como se estivesse todo mundo vendo o menino na beira do abismo, todo mundo alertando ‘ele vai cair’, ‘ele vai cair’. E ninguém conseguiu segurar. Agora, Felipe já está no caminho do crime”, relata a repórter.
Letícia Duarte, 31 anos, é uma jornalista diferenciada. Em 2002, ganhou o Prêmio Esso, o mais importante do país, como repórter do jornal Pioneiro, do Grupo RBS, com a série “Adolescência Prostituída”. Detalhe: ela ainda não havia se formado em Jornalismo na Universidade de Caxias do Sul, o que ocorreria um mês depois. Desde então, vem colecionando distinções, em reportagens como “Herdeiros da aids” e “Mulheres marcadas pelo câncer”. “Histórias sociais, histórias de dor”, como ela mesma define.

As últimas semanas foram duras para Letícia. Ainda sem filhos, andava pela Redação ansiosa, dizendo sentir “as dores do parto”. Ao dar à luz o caderno Filho da Rua, que gestou durante tanto tempo, tirou uma cópia na impressora e apressou-se em fazer uma visita necessária. Pegou um carro do jornal e dirigiu-se à Vila do Esqueleto, onde mora a mãe de Felipe. Queria que ela tivesse a dimensão da reportagem e do impacto que a publicação poderá ter na vida deles.

Comovida, a mãe de Felipe leu as páginas dizendo “mas é a minha vida, como num livro!”.

As 16 páginas desta reportagem não tratam somente da vida de Felipe e de sua mãe. Tratam, de forma simbólica, da existência dramática de tantos brasileiros excluídos. E não deixam de ser parte da vida de todos nós, corresponsáveis pelas aventuras e desventuras deste menino.

Zero Hora publica esta história por vários motivos. Porque a função de um jornal é contar histórias. Porque a função de um jornal também é causar desconforto e emoção, para que as coisas mudem. E porque, às vezes, a função de um jornal é contar uma história para que ela não se repita.
 

FAÇA SUA PARTE

Faça sua parte

Como cada um pode contribuir para evitar a migração de crianças e adolescentes para as ruas

ZEROHORA.COM

No site, assista ao webdocumentário que retrata a luta de quem trabalha para resgatar os meninos de rua da Capital.
CIDADÃOS
- Não dê esmola – A esmola (e isso inclui comida) só contribui para fixar as crianças na rua. Frequentemente, serve para sustentar o consumo de drogas.
- Dê atenção – Em vez de dar bens materiais, você ajudará mais se conversar com as crianças. Em pesquisas, boa parte dos meninos de rua relata: o maior sonho é não causar medo nas pessoas.
- Chame ajuda – Em Porto Alegre, contate o Ação Rua quando vir uma criança em situação de rua: (51) 3289-4994. Os educadores conversam com as crianças e procuram encaminhá-las a programas, mas não as retiram à força da rua.
- Contribua com quem ajuda – Uma boa alternativa é fazer doações aos fundos municipais ou estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. A contribuição garante que uma parcela do seu imposto de renda seja aplicada em programas sociais. Se os gaúchos doassem 6% do imposto devido aos fundos municipais e estadual, o Estado arrecadaria em torno de R$ 60 milhões para financiar projetos de assistência.
ONDE CONTRIBUIR:
Fundo Estadual da Criança e do Adolescente
- Doações para abatimento do imposto de renda podem ser feitas pelo site www.podcrianca.rs.gov.br ou por depósitos bancários:
- Conta: 03.231350.0-1
- Agência: 0597, do Banrisul
- Quem optar pelo depósito bancário precisa comunicar ao Conselho Estadual a doação feita, informando o nome, CPF ou CNPJ, e o valor doado para garantir a entrega do recibo. A comunicação pode ser feita pelo telefone (51) 3288-6625 ou pelo e-mail cedica@sjdh.rs.gov.br.
FUNDOS MUNICIPAIS
- Busque informações no Conselho Municipal dos Direitos da Criança de seu município
- Na Capital, você pode fazer sua doação a partir do site www.portoalegre.rs.gov.br (clique em “Secretarias”, depois em “Governança”. No canto esquerdo, clique em “Funcriança”)
ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS
- Invista em projetos que promovam lazer e cultura nas vilas – A falta de locais adequados para brincar e ocupar o tempo perto de casa é um dos primeiros motivos que impulsionam as crianças para longe.
- Crie pontes para o mercado de trabalho – Projetos de capacitação profissional e de geração de renda para adolescentes e suas famílias são fundamentais para garantir que as famílias transformem sua realidade. Crianças em situação de rua dificilmente concluem o Ensino Médio, mas como costumam desenvolver habilidades de comunicação podem se tornar bons atendentes de telemarketing, por exemplo.
- Amparo às famílias – Desenvolver projetos comunitários que acolham as mães, ensinando-as a dar limites aos filhos e a demonstrar afeto, por exemplo, faz diferença na vida dessas crianças, reforçando os vínculos familiares.
Fonte: Fontes: Ivaldo Gehlen, professor de sociologia da UFRGS e coordenador do Censo de Crianças e Adolescentes em Situação de Rua de Porto Alegre, 2007/2008, Kevin Krieger, ex-presidente da Fasc, Lucas Neiva-Silva, professor de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande e pesquisador do Centro de Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua da UFRGS, Márcia Herbertz, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedica), Maria Antonieta da Costa Vieira, socióloga integrante do Fórum Nacional de Estudos sobre a População de Rua.