terça-feira, 30 de junho de 2015

INTERROGAÇÕES NA PROPOSTA DA MAIORIDADE PENAL


Veja quais são as interrogações na proposta da maioridade penal. Deve ser votada nesta terça, na Câmara, proposta para que maiores de 16 anos condenados por crimes graves, como homicídio e latrocínio, respondam como adultos

Por: Carlos Ismael Moreira
ZERO HORA 30/06/2015 - 04h03min |



Canteiro central em frente à sede da Fase na Capital foi palco de protestos de ONG contrária à redução da idade penal Foto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS O plenário da Câmara dos Deputados se prepara para votar nesta terça-feira, depois de 22 anos de tramitação, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê redução da maioridade penal para 16 anos.

Apesar de aprovação com alterações por 21 votos favoráveis e seis contrários em comissão especial da Casa no último dia 17, as chances de consenso quanto ao projeto se mantêm remotas.

E a nova redação, que determina aplicação de medidas apenas para crimes considerados graves e hediondos, guarda uma série de dúvidas quanto à viabilidade de colocar a regra em prática.


No relatório elaborado pelo deputado Laerte Bessa (PR-DF) e referendado pela comissão para ir a plenário, foi incluída a obrigatoriedade de que os menores com 16 e 17 anos, enquadrados pela proposta, cumpram a pena em estabelecimento separado tanto dos maiores de 18 anos quanto dos menores inimputáveis (15 ou menos).

Ou seja, eles deixariam de ser encaminhados às casas para cumprimento de medidas socioeducativas, e também não poderiam ingressar nas cadeias comuns. A pergunta que fica é: para onde iriam esses adolescentes?



— Não sei, ninguém sabe. Esses estabelecimentos especiais não existem. E, uma vez que são considerados adultos do ponto de vista criminal, nenhum juiz da infância iria permitir sua entrada nas unidades socioeducativas, até porque essas casas não têm estrutura para funcionar como presídios — afirma o juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, Carlos Francisco Gross.


Presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública na Câmara, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), discorda:

— Tem vários estabelecimentos onde é possível fazer essa separação. Cria uma ala, e ali ficam os 16 a 17 anos — garante.


Bessa alega que, segundo informações da CPI da Carceragem, aberta em março deste ano, alguns Estados já têm condições de abrigar esses novos presos em alas específicas dentro dos presídios.

— Como é que faz, vai deixar eles soltos na rua, para continuar matando? Os Estados que não têm essas alas vão ter de se adequar — diz o relator da PEC.

Conforme o juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital, Sidinei Brzuska, o sistema carcerário do RS não tem condições de receber os adolescentes que seriam atingidos pela mudança:

— Operamos nossas prisões aqui, normalmente, com 200% de lotação. Então, não se consegue manter um espaço só para esses menores — opina.


Como o efeito da proposta, caso aprovada, seria imediato, Cezar Roberto Bitencourt, doutor em Direito Penal, vê como destino dos adolescentes os presídios:

— O Estado começará a empilhá-los nas penitenciárias de adultos sob o falacioso argumento que devem ser punidos pela lei e não têm onde colocá-los — avalia.

Mesmo na opção pelas cadeias comuns, os processos no Judiciário se acumulariam e resultariam em impunidade. Gross dá um exemplo: um adolescente de 17 anos que matasse com vários disparos um rival em um tiroteio responderia como adulto em prisão comum. Enquanto no regime atual a decisão para mantê-lo internado sairia em 45 dias, a possível condenação no júri demoraria, em média, mais de três anos.

— O júri poderia considerar o crime como legítima defesa contra o ataque rival, mas apontar excesso pelo número de tiros. Nesse caso, deixaria de ser homicídio doloso (com intenção) e viraria culposo, fora dos critérios da PEC — diz Gross.


Conforme o juiz, a situação obrigaria um novo julgamento na Vara da Infância. O problema é que, passado o tempo até a realização do júri, o réu poderia ter completado 21 anos. Ou seja, estaria impedido de cumprir medida socioeducativa. E tem mais: tendo cometido o crime na condição de menor, a pena tampouco poderia ser cumprida em cadeia comum, e o acusado provavelmente acabaria livre.

— Essa mudança pode colocar em caos todo o sistema — analisa Gross.

Proposta em discussão

Os casos para os quais se aplicaria a maioridade penal de 16 anos conforme o texto aprovado pela comissão especial na Câmara

— Todos os crimes hediondos e equiparados

— Homicídio doloso (intencional)

— Lesão corporal grave ou seguida de morte

— Roubo com causa de aumento de pena (com uso de arma ou praticado por duas pessoas ou mais, por exemplo)

Crimes hediondos

Caso seja aprovada a PEC, os adolescentes infratores iriam responder como maiores por delitos hediondos

— Homicídio qualificado

— Genocídio

— Latrocínio

— Extorsão qualificada por morte

— Extorsão mediante sequestro

— Estupro

— Disseminação de epidemia que provoque morte

— Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais

— Favorecimento da prostituição ou de qualquer forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável

Crimes equiparados a hediondos

— Tráfico de entorpecentes

— Tortura

— Terrorismo

Fonte: Código Penal

Questões ainda sem respostas

— União e Estados teriam condições de construir unidades exclusivas para adolescentes de 16 e 17 anos, como prevê a proposta, sendo que nem criam vagas para reduzir o déficit?

— Enquanto os estabelecimentos especiais não existem, os infratores seriam separados em espaços exclusivos no sistema socioeducativo ou no penitenciário?

— As unidades socioeducativas teriam condições de transformar em prisões para adultos parte de suas estruturas especificamente criadas para atender menores?

— Com superlotação acima de 230 mil vagas, os presídios conseguiriam destinar espaços adequados para esses adolescentes?

— Como o Judiciário resolveria impasses processuais, como de adolescentes acusados inicialmente por delitos que se enquadram na PEC, mas que acabarem sendo condenados por crimes fora desses critérios?

Se PEC for aprovada, no RS, 20% de presos a mais

A alteração na PEC da maioridade na comissão especial da Câmara — para prever redução aos 16 anos em crimes graves e hediondos — faria com que a situação de pelo menos 895 internos fosse revista no RS.

Levantamento exclusivo, produzido pela Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) a pedido da reportagem, mostra que 75,6% dos internos seriam atingidos caso a proposta com os novos critérios já estivesse em vigor.

Com base na população da fundação em 5 de maio deste ano, de 1.184 adolescentes, foram analisados os tipos de infração e as idades de cada um. Considerando os crimes que se enquadram na PEC, 895 seriam responsabilizados como adultos. Esse contingente, somado ao atual déficit de 4.554 vagas da Susepe, faria a superlotação nas cadeias estaduais subir 20%.

— Prefiro eles presos lá, amontoados um cima dos outros, do que na rua matando — sentencia o deputado Laerte Bessa (PR-DF), em discurso afinado com o colega de mandato Alberto Fraga (DEM-DF), que complementa:

— Prefiro os presídios superlotados do que o cemitério cheio de trabalhador.

A pequena diferença entre as duas projeções ocorre em razão da abrangência da lista de delitos da PEC, em especial pela inclusão do roubo com condição de pena aumentada (quando é praticado com uso de arma ou por mais de duas pessoas, entre outros qualificadores).

— A grande maioria dos casos de roubo que atendemos tem qualificadores para elevar a pena — diz a diretora do Departamento da Criança e do Adolescente (Deca), delegada Adriana Regina da Costa.

Adolescentes com delitos fora do guarda-chuva da PEC representam apenas 24,4% do total.

— (A alteração na proposta) é uma farsa. Embora pareça ser restrita, na prática, atinge 80% dos delitos de menor gravidade praticados por menores de 18 anos, como o trabalho de “mula” e “aviãozinho” do tráfico e roubo praticado em coautoria — critica o doutor em Direito Penal Cezar Roberto Bitencourt.

Detalhe ZH Por se tratar de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), a matéria precisará de, no mínimo, 308 votos para ser aprovada. Se passar, haverá ainda votação em segundo turno na Câmara e, depois, em dois turnos no Senado.

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