quarta-feira, 24 de junho de 2015

FALTAM VAGAS EM CASAS DE INTERNAÇÃO

JORNAL DO COMÉRCIO 24/06/2015


Faltam vagas em casas de internação no Estado. Superlotação prejudica processo socioeducativo e deteriora infraestrutura de centros para adolescentes infratores



Suzy Scarton



ANTONIO PAZ/JC

Almeida defende alterar o ECA

Nunca a detenção de menores no Brasil esteve tão em voga. Somente no Estado, há 1.077 internos e um déficit de 325 vagas. Na semana passada, uma comissão especial da Câmara Federal aprovou o relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF) que reduz de 18 para 16 a idade penal para crimes graves, o que, em tese, aliviaria a superlotação nos centros de internação, mas aumentaria nos presídios. O relatório ainda deve ser votado em plenário e precisará de 308 votos para ser aprovado. Se seguir adiante, passará ainda por segundo turno na Câmara e, depois, por dois turnos do Senado.

A polêmica em torno da medida é compreensível, uma vez que o sentimento de impunidade é latente entre os brasileiros. Uma das defesas para a aprovação estaria no fato de que a medida pode resultar na queda da criminalidade. Na segunda-feira, uma pesquisa do Datafolha, que ouviu 2.840 pessoas de 174 municípios, revelou que 87% dos entrevistados apoia a redução da maioridade penal. Entretanto, boa parte dos especialistas e autoridades discorda que a proposta vá resultar na diminuição da violência. Estatísticas indicam que apenas 1% dos crimes graves, como latrocínio, homicídio e estupro, são realizados por menores de 18 anos.

Também na segunda-feira, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgou o relatório "Um Olhar Mais Atento", que oferece um raio-x do sistema de internação de menores em conflito com a lei. O levantamento, realizado em 2014, aponta que 21,9 mil jovens estão internados em unidades, as quais oferecem 18 mil vagas. Ao visitar 317 das 369 unidades de internação que funcionam no Brasil, os representantes do conselho concluíram que o maior déficit de vagas se encontra na região Nordeste. O conselho também inspecionou 117 unidades de semiliberdade.

Mesmo que não seja a pior, a região Sul apresentou dificuldades sérias. No total, 45 unidades de internação e 21 de semiliberdade foram inspecionadas. São oferecidas 1.865 vagas (10,3% do País) a uma população de cerca de 2,8 milhões de adolescentes, que representam 13,5% do total nacional.

O Rio Grande do Sul, entretanto, foi o único dos três estados do Sul que apresentou superlotação. Conforme a análise, em 2013, o Estado tinha 12 estabelecimentos de internação. Em 2014, o número caiu para 11, o que causou uma redução no número de vagas de 12,4% (734 para 643). Em contrapartida, o total de internos aumentou, passando de 739 para 861 (ocupação 33,9% superior ao número de vagas).

Dados da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), atualizados diariamente, mostram números diferentes. As informações publicadas pela Fase na segunda-feira apontam uma capacidade de comporte de 752 adolescentes em 13 unidades do Estado. No entanto, 1.077 menores estão internados, criando um déficit de 325 vagas. Nas 10 unidades de semiliberdade, que se assemelham ao regime semiaberto dos adultos, a situação é mais branda: há 192 vagas para 114 apreendidos. No total, a Fase oferece 944 vagas e abriga 1.191 adolescentes, 247 a mais do que o número de vagas disponíveis.

Outro ponto preocupante do estudo do CNMP é que mostra que 55% das unidades de internação gaúchas são insalubres, ou seja, sem higiene e conservação, sem iluminação e ventilação adequadas em todos os ambientes. "Não se pode esperar ressocialização de adolescentes amontoados em alojamentos superlotados, e ociosos durante o dia, sem oportunidade para o estudo, o trabalho e a prática de atividades esportivas", diz o trabalho.

O Jornal do Comércio procurou a direção da Fase para comentar a pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público. Conforme a assessoria da fundação, os diretores estavam realizando vistorias no Interior e não poderiam atender a reportagem.
Redução da maioridade penal seria 'uma tragédia', afirma promotor

Se aprovada, a redução da maioridade penal resultaria em uma diminuição de 60% de internos na Fase. Para a população, entretanto, a medida seria uma "tragédia". A afirmação é do promotor de Justiça da Promotoria da Infância e da Juventude do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul Júlio de Almeida, responsável pela vistoria das unidades do Estado.

"As pessoas não se dão conta de que o crime organizado ainda não alcançou a Fase. Quando alguém entra no sistema prisional, precisa se vincular a uma facção criminosa para sobreviver. O prisioneiro fica em débito com a facção e é a população em geral que sofre com isso", comenta Almeida. De acordo com o promotor, os níveis de reincidência são menores entre adolescentes se comparados com os egressos do sistema penitenciário.

O MP já ajuizou ações contra todas as casas de internação de Porto Alegre, que possuem um déficit de 114 vagas. Nenhuma delas segue as normas preconizadas pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Almeida relata que, por exemplo, no Centro de Internação Provisória (CIP) Carlos Santos, na avenida Padre Cacique, há espaço para um adolescente por cela. Entretanto, mais duas camas são colocadas e o quarto passa a comportar três pessoas. "O número de vagas triplica sem que se aumente o espaço."

Essa superlotação resulta em dificuldades no atendimento pelas equipes técnicas e na exposição à insalubridade. "Os espaços não foram projetados para aguentar tantas pessoas. A infraestrutura não suporta, os equipamentos se deterioram pela superutilização. O reflexo é percebido no próprio desenvolvimento do processo socioeducativo", lamenta o promotor. O CIP foi projetado para abrigar 30 internos, um por cela. Na prática, porém, com a colocação de mais camas, esse total passa para 86. No entanto, o centro abriga, atualmente, 108 menores. O Sinase preconiza que sejam, no máximo, 40 adolescentes por unidade.

De acordo com Almeida, o aumento de internos e a diminuição do número de vagas se dá, também, porque nenhuma nova unidade foi construída no Estado desde 2004. A mais recente é o Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Novo Hamburgo. A falta de recursos é o principal motivo para a estagnação, uma vez que cada unidade custa cerca de R$ 20 milhões.

Há, ainda, a percepção comum de que adolescentes reclusos estão expostos a condições leves de repreensão. "Eles não estão em ambientes de lazer, estão presos, cumprindo pena. Só adolescentes que cometeram delitos graves são enviados para esses centros. Eles frequentam aulas, alguns chegam a ser alfabetizados, e realizam atividades socioeducativas. A ideia é reintegrá-los à sociedade, e não criminalizá-los ainda mais."

Dados da Fase mostram que os adolescentes cumprem pena principalmente pelos crimes de roubo, homicídio, tentativa de homicídio e tráfico de drogas. Para Almeida, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa, sim, de mudanças, como o aumento da permanência do adolescente, que fica no centro por três anos ou até chegar aos 21 anos, o que vier primeiro. "O ideal seria que o tempo máximo de permanência fosse de seis anos ou até o adolescente chegar aos 24 anos", reflete o promotor.

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