terça-feira, 30 de junho de 2015

O QUE OS JOVENS DA FASE-RS PENSAM SOBRE A REDUÇÃO


O que jovens da Fase pensam sobre a redução da maioridade penal. O projeto será votado nesta terça-feira pela Câmara dos Deputados

Por: Letícia Duarte
ZERO HORA 27/06/2015 - 15h05min



Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS


O PrOA visitou a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) para saber o que adolescentes com histórico de infrações pensam sobre o projeto de redução da maioridade penal, que será votado nesta terça-feira pela Câmara dos Deputados. Se o olhar de quem está de fora é de medo ou condenação, o olhar de quem está dentro surpreende.



O guri fala com os braços cruzados sobre o moletom cinza, deixando escapar um meio sorriso no canto da boca.

— 95% daqui se cai lá morre lá dentro, eles não são malandros.

Lá e aqui são definições abstratas para dois mundos que Evandro* conhece bem — e que estão no centro de uma das discussões mais candentes do Congresso Nacional.

Seu "aqui" é a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Estado (Fase), que abriga adolescentes que cometeram atos infracionais. "Lá" é o Presídio Central, principal porta de entrada para presos com mais de 18 anos no Rio Grande do Sul.

Aos 18 anos, Evandro tem um pé lá e outro cá. Passou oito meses no Central por roubo de carro, mas quando ganhou a liberdade precisou retornar à Fase para pagar uma "bronca de menor", por um assalto cometido aos 12 anos. De sua experiência entre aqui e lá, tirou uma conclusão improvável.

— Os guris aqui sofrem mais do que os bandidos lá — compara o jovem, que conversou com a reportagem do caderno PrOA numa segunda-feira à tarde, na Unidade Carlos Santos, em Porto Alegre.


Foto: Carlos Macedo/Agência RBS

Do lado de cá, na Fase, estão alguns daqueles que 87% da população brasileira quer colocar lá, no presídio — segundo pesquisa do Datafolha, nove em cada 10 brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal. A maioria desses brasileiros não conhece direito nem o lá nem o aqui, mas se assusta com a escalada da violência nacional e acha que, se os daqui forem colocados lá, tudo poderia melhorar. O projeto que prevê a redução da maioridade penal para crimes hediondos, já aprovado em comissão especial da Câmara, será votado pelo plenário nesta terça-feira, dia 30.

Os argumentos de quem vê a discussão pelo lado de dentro nem sempre coincidem com os raciocínios de quem julga de fora. Evandro, por exemplo, diz que é contra a redução da maioridade penal, mas não fala em causa própria. Garante que, se pudesse escolher, preferiria responder pelo que deve no presídio. Não que lá, no Central, fosse um lugar melhor. Lembra do cheiro de esgoto e da profusão de ratos e baratas na cela, onde se empilhavam 10 detentos. Só que estar lá tinha outras compensações: mais de cinco horas de pátio sem obrigações, num universo onde circulam livremente celulares, facões e até geladeiras particulares, que entram no sistema prisional à margem da legislação.

— Não tem monitor lá. A polícia só fica em volta pra não fugir, quem manda lá é nós — resume.

Já na Fase ele vê monitores circulando o tempo todo, até para ir ao banheiro é acompanhado. Todo mundo é obrigado a frequentar a escola. O horário de pátio se limita a duas horas. Por tudo isso, Evandro discorda daqueles que dizem que o sistema de internação é brando demais.

— Prefiro puxar lá no Central do que aqui, lá é mais livre. Aqui parece uma creche — reclama.

A opinião de Evandro não é isolada. No início deste mês, 10 internos da Fase que já completaram 18 anos chegaram a organizar um motim com o objetivo de serem transferidos para o Central. O caso aparentemente inusitado revela camadas de uma realidade apenas superficialmente tocada pelos discursos que cercam a questão.


Enquanto a maior parte da população acredita que a redução da maioridade penal seria uma forma de reagir a episódios rumorosos, como o caso das adolescentes estupradas e mortas por quatro menores de idade e um adulto em Castelo do Piauí, quem conhece os escaninhos do sistema assegura que esse suposto remédio funcionaria na verdade como um agravante da doença do sistema.

— As pessoas acham que a redução da maioridade vai reduzir a impunidade, mas vai aumentar. Só no Estado hoje temos 1,5 mil presos aguardando vaga no semiaberto, a lotação é tanta que temos fila para prender. E essa situação absurda vai se agravar se isso for aprovado — alerta o juiz Carlos Gross, da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.

Aos que dizem que adolescentes ficam impunes pela legislação atual, o juiz responde com um exemplo prático. Se hoje um jovem de 18 anos for apanhado cometendo um roubo em companhia de um adolescente, o que acontece?

— O menor vai para a Fase, recebendo uma medida média de nove meses a um ano e meio. O maior vai responder preso, mas se não tiver antecedentes vai para o semiaberto, e como tem fila de espera, vai ficar solto. Hoje já se dá exatamente o contrário do que pensam, os adolescentes acabam tendo punição maior — argumenta.

Dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias divulgados nesta semana mostram que, em 15 anos, o número de presos cresceu 161% — enquanto a população aumentou 20%. Os dados fazem do Brasil o detentor da quarta maior população carcerária do mundo, com 607 mil presos. Dois em cada três são negros e metade não frequentou a escola ou tem ensino fundamental incompleto. Para a defensora pública Marta Zanchi, vice-presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos, apostar em políticas que atacassem as causas, como a redução da evasão escolar, seria mais eficiente do que enjaular a todos, como se fosse possível apartar da sociedade as deformações que ela mesma produz.

— Ainda que se encarcere todo mundo dentro do presídio, essas pessoas vão sair um dia. E vão sair como? — questiona.

Juliano*, 16 anos, que está na Fase há oito meses, espera sair diferente. O guri com histórico de roubos de motos vem descobrindo outros talentos. Já fez cursos de informática, costura e agora se aventura pelo mundo da culinária.

— Nunca pensei que eu pudesse fazer essas coisas. Antes, não sabia nem fazer miojo — conta.

Aluno do primeiro ano do Ensino Médio, o interno da unidade Padre Cacique se voluntariou para ser um dos representantes da instituição em discussões sobre a redução da maioridade penal. Em dezembro, vai a Brasília para a 10ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

— Com essa redução só vai piorar, todo mundo sabe que o presídio é uma escola do crime. Minha primeira carteira assinada eu consegui aqui na Fase. Quando eu sair eu quero mudar, começar tudo de novo — diz, sonhando com um futuro em que "lá" signifique estar em casa, e não numa prisão.

* Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos entrevistados, em respeito ao ECA.

"Prender jovens já é o que o Brasil está fazendo"


Menina em seu quarto, na Fase
Foto: Carlos Macedo/Agência RBS

Quando começou a se debruçar sobre os dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), a socióloga Jacqueline Sinhoretto, professora da Universidade Federal de São Carlos e consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) imaginava encontrar correspondência entre o aumento do número de prisões nos Estados e a redução no índice de homicídios.

Mas os resultados, compilados na publicação Mapa do Encarceramento — Os Jovens do Brasil, lançada no início deste mês pela Secretaria Nacional da Juventude, desconstruíram a expectativa.

— Não existe essa correlação direta. Prender mais como medida isolada não reduz homicídios. O que reduz é uma política articulada com prevenção, atenção ao egresso, investigação dos crimes mais graves, redução da letalidade penal — concluiu, citando os resultados de Pernambuco como uma das exceções positivas.

Depois de seis meses sobre os dados, que indicaram um crescimento de 74% na população carcerária entre 2005 e 2012, a socióloga também reforçou sua convicção de que a redução não atingiria o objetivo esperado.

— Prender jovens já é o que o Brasil está fazendo. Aumentar o número de presos como medida isolada já está comprovado que não reduz a violência, mas aumenta a degradação do sistema carcerário e vai ter um efeito muito negativo para essas pessoas — analisa.

Dos 607 mil presos do país atualmente, 56% têm de 18 a 29 anos. Os números apontam que o crescimento de prisões é focado em um perfil específico: jovens e negros, especialmente. Apesar de o homicídio ser o crime mais preocupante, apenas 12% dos presos do país respondem por ele, enquanto metade dos encarcerados cumpre pena por delitos contra o patrimônio, e um quarto, por tráfico.

Para Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, a proposta da redução da maioridade penal tem sido vendida como uma tábua de salvação, como se existisse uma solução simples para o problema da violência. Ele observa, porém, que a tendência internacional é rever a ideia de sistemas de aprisionamento em massa, por considerá-los espaços de "network" do crime, onde bandidos ampliam suas redes de contatos e a potencialidade de novos ataques.

— Um caso interessante é esse dos autores do atentado ao Charlie Hebdo. Eles eram criminosos comuns, que foram presos e na prisão fizeram contatos com lideranças da Al-Qaeda. Até que ponto as prisões servem para articular a raiva e a revolta do sistema prisional? — questiona.

Além de afetar o próprio sistema, inchando ainda mais as unidades superlotadas, a possibilidade de prisão de adolescentes a partir de 16 anos também suscita outras questões, como o que aconteceria com outros direitos assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em tese, haveria brecha para outras revisões legais.

— A redução (da maioridade penal) pode implicar outras autorizações, como menores de 16 anos dirigirem e beberem (álcool). Mas hoje os acidentes de trânsito são uma das principais causas de mortes. Essa medida populista pode produzir um efeito colateral muito perigoso — adverte Manso.

Contrário à aprovação do projeto, um conjunto de entidades ligadas à proteção dos direitos da infância lançou o portal Maioridade Penal (maioridadepenal.org.br), que oferece informações detalhadas sobre a tramitação e dados estatísticos. O site mostra, por exemplo, que apenas 3,8% dos crimes e atos infracionais do país foram praticados por adolescentes.

— Se mudar essa lei não vai ter mudança no perfil da violência, mas no futuro desses adolescentes sim. Existe um olhar muito equivocado de que eles não têm mais jeito, mas não se está se investindo para que seja diferente — critica a administradora executiva da Fundação Abrinq, Heloísa Oliveira.

INTERROGAÇÕES NA PROPOSTA DA MAIORIDADE PENAL


Veja quais são as interrogações na proposta da maioridade penal. Deve ser votada nesta terça, na Câmara, proposta para que maiores de 16 anos condenados por crimes graves, como homicídio e latrocínio, respondam como adultos

Por: Carlos Ismael Moreira
ZERO HORA 30/06/2015 - 04h03min |



Canteiro central em frente à sede da Fase na Capital foi palco de protestos de ONG contrária à redução da idade penal Foto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS O plenário da Câmara dos Deputados se prepara para votar nesta terça-feira, depois de 22 anos de tramitação, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê redução da maioridade penal para 16 anos.

Apesar de aprovação com alterações por 21 votos favoráveis e seis contrários em comissão especial da Casa no último dia 17, as chances de consenso quanto ao projeto se mantêm remotas.

E a nova redação, que determina aplicação de medidas apenas para crimes considerados graves e hediondos, guarda uma série de dúvidas quanto à viabilidade de colocar a regra em prática.


No relatório elaborado pelo deputado Laerte Bessa (PR-DF) e referendado pela comissão para ir a plenário, foi incluída a obrigatoriedade de que os menores com 16 e 17 anos, enquadrados pela proposta, cumpram a pena em estabelecimento separado tanto dos maiores de 18 anos quanto dos menores inimputáveis (15 ou menos).

Ou seja, eles deixariam de ser encaminhados às casas para cumprimento de medidas socioeducativas, e também não poderiam ingressar nas cadeias comuns. A pergunta que fica é: para onde iriam esses adolescentes?



— Não sei, ninguém sabe. Esses estabelecimentos especiais não existem. E, uma vez que são considerados adultos do ponto de vista criminal, nenhum juiz da infância iria permitir sua entrada nas unidades socioeducativas, até porque essas casas não têm estrutura para funcionar como presídios — afirma o juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, Carlos Francisco Gross.


Presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública na Câmara, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), discorda:

— Tem vários estabelecimentos onde é possível fazer essa separação. Cria uma ala, e ali ficam os 16 a 17 anos — garante.


Bessa alega que, segundo informações da CPI da Carceragem, aberta em março deste ano, alguns Estados já têm condições de abrigar esses novos presos em alas específicas dentro dos presídios.

— Como é que faz, vai deixar eles soltos na rua, para continuar matando? Os Estados que não têm essas alas vão ter de se adequar — diz o relator da PEC.

Conforme o juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital, Sidinei Brzuska, o sistema carcerário do RS não tem condições de receber os adolescentes que seriam atingidos pela mudança:

— Operamos nossas prisões aqui, normalmente, com 200% de lotação. Então, não se consegue manter um espaço só para esses menores — opina.


Como o efeito da proposta, caso aprovada, seria imediato, Cezar Roberto Bitencourt, doutor em Direito Penal, vê como destino dos adolescentes os presídios:

— O Estado começará a empilhá-los nas penitenciárias de adultos sob o falacioso argumento que devem ser punidos pela lei e não têm onde colocá-los — avalia.

Mesmo na opção pelas cadeias comuns, os processos no Judiciário se acumulariam e resultariam em impunidade. Gross dá um exemplo: um adolescente de 17 anos que matasse com vários disparos um rival em um tiroteio responderia como adulto em prisão comum. Enquanto no regime atual a decisão para mantê-lo internado sairia em 45 dias, a possível condenação no júri demoraria, em média, mais de três anos.

— O júri poderia considerar o crime como legítima defesa contra o ataque rival, mas apontar excesso pelo número de tiros. Nesse caso, deixaria de ser homicídio doloso (com intenção) e viraria culposo, fora dos critérios da PEC — diz Gross.


Conforme o juiz, a situação obrigaria um novo julgamento na Vara da Infância. O problema é que, passado o tempo até a realização do júri, o réu poderia ter completado 21 anos. Ou seja, estaria impedido de cumprir medida socioeducativa. E tem mais: tendo cometido o crime na condição de menor, a pena tampouco poderia ser cumprida em cadeia comum, e o acusado provavelmente acabaria livre.

— Essa mudança pode colocar em caos todo o sistema — analisa Gross.

Proposta em discussão

Os casos para os quais se aplicaria a maioridade penal de 16 anos conforme o texto aprovado pela comissão especial na Câmara

— Todos os crimes hediondos e equiparados

— Homicídio doloso (intencional)

— Lesão corporal grave ou seguida de morte

— Roubo com causa de aumento de pena (com uso de arma ou praticado por duas pessoas ou mais, por exemplo)

Crimes hediondos

Caso seja aprovada a PEC, os adolescentes infratores iriam responder como maiores por delitos hediondos

— Homicídio qualificado

— Genocídio

— Latrocínio

— Extorsão qualificada por morte

— Extorsão mediante sequestro

— Estupro

— Disseminação de epidemia que provoque morte

— Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais

— Favorecimento da prostituição ou de qualquer forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável

Crimes equiparados a hediondos

— Tráfico de entorpecentes

— Tortura

— Terrorismo

Fonte: Código Penal

Questões ainda sem respostas

— União e Estados teriam condições de construir unidades exclusivas para adolescentes de 16 e 17 anos, como prevê a proposta, sendo que nem criam vagas para reduzir o déficit?

— Enquanto os estabelecimentos especiais não existem, os infratores seriam separados em espaços exclusivos no sistema socioeducativo ou no penitenciário?

— As unidades socioeducativas teriam condições de transformar em prisões para adultos parte de suas estruturas especificamente criadas para atender menores?

— Com superlotação acima de 230 mil vagas, os presídios conseguiriam destinar espaços adequados para esses adolescentes?

— Como o Judiciário resolveria impasses processuais, como de adolescentes acusados inicialmente por delitos que se enquadram na PEC, mas que acabarem sendo condenados por crimes fora desses critérios?

Se PEC for aprovada, no RS, 20% de presos a mais

A alteração na PEC da maioridade na comissão especial da Câmara — para prever redução aos 16 anos em crimes graves e hediondos — faria com que a situação de pelo menos 895 internos fosse revista no RS.

Levantamento exclusivo, produzido pela Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) a pedido da reportagem, mostra que 75,6% dos internos seriam atingidos caso a proposta com os novos critérios já estivesse em vigor.

Com base na população da fundação em 5 de maio deste ano, de 1.184 adolescentes, foram analisados os tipos de infração e as idades de cada um. Considerando os crimes que se enquadram na PEC, 895 seriam responsabilizados como adultos. Esse contingente, somado ao atual déficit de 4.554 vagas da Susepe, faria a superlotação nas cadeias estaduais subir 20%.

— Prefiro eles presos lá, amontoados um cima dos outros, do que na rua matando — sentencia o deputado Laerte Bessa (PR-DF), em discurso afinado com o colega de mandato Alberto Fraga (DEM-DF), que complementa:

— Prefiro os presídios superlotados do que o cemitério cheio de trabalhador.

A pequena diferença entre as duas projeções ocorre em razão da abrangência da lista de delitos da PEC, em especial pela inclusão do roubo com condição de pena aumentada (quando é praticado com uso de arma ou por mais de duas pessoas, entre outros qualificadores).

— A grande maioria dos casos de roubo que atendemos tem qualificadores para elevar a pena — diz a diretora do Departamento da Criança e do Adolescente (Deca), delegada Adriana Regina da Costa.

Adolescentes com delitos fora do guarda-chuva da PEC representam apenas 24,4% do total.

— (A alteração na proposta) é uma farsa. Embora pareça ser restrita, na prática, atinge 80% dos delitos de menor gravidade praticados por menores de 18 anos, como o trabalho de “mula” e “aviãozinho” do tráfico e roubo praticado em coautoria — critica o doutor em Direito Penal Cezar Roberto Bitencourt.

Detalhe ZH Por se tratar de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), a matéria precisará de, no mínimo, 308 votos para ser aprovada. Se passar, haverá ainda votação em segundo turno na Câmara e, depois, em dois turnos no Senado.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

JORNALISMO CONSTRUTIVO CONTRA O DESCASO E ABANDONO DE CRIANÇAS QUE ESPERAM ADOÇÃO



ZERO HORA 28 de junho de 2015 | N° 18208


INFORME ESPECIAL | Tulio Milman

Talvez, o único caminho que leve a algum lugar


Jornalismo construtivo. Taí um conceito interessante. E muito simples. Em vez de só ficar denunciando e apontando os problemas, buscar alguma espécie de compromisso com a solução. Não as soluções do jornalista, mas as de outras vozes. Vozes diversas, plurais.

Compartilho com vocês um caso que deu certo.

Há alguns meses, o Informe Especial noticiou o abandono e o descaso com crianças que esperam adoção em Porto Alegre. As informações estavam em um relatório do Ministério Público, instituição que, de forma independente e corajosa, iniciou o movimento.

Abrigos em más condições, situação jurídica precária, abusos de naturezas diversas, todos impunes. E se, em vez do escândalo, a coluna optasse pelo alerta? Ativismo em vez de jornalismo? Não. Vejo, nesse caso, uma soma, e não uma divisão. Jornalismo e ativismo. De forma transparente, aberta e clara. Em nome do interesse público.

Evitar a indignação fácil e, com isso, alertar os atores adormecidos. Em vez de adotarem uma postura defensiva, eles passaram a agir. Muita coisa aconteceu desde então.

Gente incompetente foi afastada, processos foram modificados, abrigos passaram por reformas, nomes de crianças foram enviados ao Cadastro Nacional de Adoção, onde deveriam estar há anos, mas não estavam.

Ainda falta. Mas o movimento gerado pela intenção de construir teve impacto positivo na vida e na esperança de dezenas de crianças.

Foi arriscado abrir mão da contundência quando ela era uma tentação óbvia. Mas me sinto feliz. Sei que é difícil transitar pelos meios-tons nesta era de extremos. Não condeno a indignação, nem a denúncia forte, nem o grito de alerta. São parte da essência do bom jornalismo. Muitas vezes, recorri a eles, e outras tantas, recorrerei. Mas nem sempre.

O jornalismo e seu poder de mudar. O jornalista como meio, e não como fim. O tema das adoções vai continuar ocupando espaços nesta página. Ao Ministério Público, ao governo do Estado e ao Poder Judiciário, o reconhecimento pelo esforço para resolver esse problema invisível e grave. E o desejo de que o esforço seja redobrado.

Aprendi que o jornalista e suas fontes podem, sim, algumas vezes, querer as mesmas coisas e trabalhar juntos. Se isso ficar claro para o leitor, não é pecado. Esse, em casos como o da adoção, é um caminho ético e possível.

A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL VISTA DE DENTRO



ZERO HORA 28 de junho de 2015 | N° 18208



POR LETÍCIA DUARTE FOTOS DE CARLOS MACEDO




O PrOA visitou a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) para saber o que adolescentes com histórico de infrações pensam sobre o projeto de redução da maioridade penal, que será votado nesta terça-feira pela Câmara dos Deputados. Se o olhar de quem está de fora é de medo ou condenação, o olhar de quem está dentro surpreende.

O guri fala com os braços cruzados sobre o moletom cinza, deixando escapar um meio sorriso no canto da boca.

– 95% daqui se cai lá morre lá dentro, eles não são malandros.

Lá e aqui são definições abstratas para dois mundos que Evandro* conhece bem – e que estão no centro de uma das discussões mais candentes do Congresso Nacional.

Seu “aqui” é a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Estado (Fase), que abriga adolescentes que cometeram atos infracionais. “Lá” é o Presídio Central, principal porta de entrada para presos com mais de 18 anos no Rio Grande do Sul.

Aos 18 anos, Evandro tem um pé lá e outro cá. Passou oito meses no Central por roubo de carro, mas quando ganhou a liberdade precisou retornar à Fase para pagar uma “bronca de menor”, por um assalto cometido aos 12 anos. De sua experiência entre aqui e lá, tirou uma conclusão improvável.

– Os guris aqui sofrem mais do que os bandidos lá – compara o jovem, que conversou com a reportagem do caderno PrOA numa segunda-feira à tarde, na Unidade Carlos Santos, em Porto Alegre.

Do lado de cá, na Fase, estão alguns daqueles que 87% da população brasileira quer colocar lá, no presídio – segundo pesquisa do Datafolha, nove em cada 10 brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal. A maioria desses brasileiros não conhece direito nem o lá nem o aqui, mas se assusta com a escalada da violência nacional e acha que, se os daqui forem colocados lá, tudo poderia melhorar. O projeto que prevê a redução da maioridade penal para crimes hediondos, já aprovado em comissão especial da Câmara, será votado pelo plenário nesta terça-feira, dia 30.

Os argumentos de quem vê a discussão pelo lado de dentro nem sempre coincidem com os raciocínios de quem julga de fora. Evandro, por exemplo, diz que é contra a redução da maioridade penal, mas não fala em causa própria. Garante que, se pudesse escolher, preferiria responder pelo que deve no presídio. Não que lá, no Central, fosse um lugar melhor. Lembra do cheiro de esgoto e da profusão de ratos e baratas na cela, onde se empilhavam 10 detentos. Só que estar lá tinha outras compensações: mais de cinco horas de pátio sem obrigações, num universo onde circulam livremente celulares, facões e até geladeiras particulares, que entram no sistema prisional à margem da legislação.

– Não tem monitor lá. A polícia só fica em volta pra não fugir, quem manda lá é nós – resume.

Já na Fase ele vê monitores circulando o tempo todo, até para ir ao banheiro é acompanhado. Todo mundo é obrigado a frequentar a escola. O horário de pátio se limita a duas horas. Por tudo isso, Evandro discorda daqueles que dizem que o sistema de internação é brando demais.

– Prefiro puxar lá no Central do que aqui, lá é mais livre. Aqui parece uma creche – reclama.

A opinião de Evandro não é isolada. No início deste mês, 10 internos da Fase que já completaram 18 anos chegaram a organizar um motim com o objetivo de serem transferidos para o Central. O caso aparentemente inusitado revela camadas de uma realidade apenas superficialmente tocada pelos discursos que cercam a questão.

Enquanto a maior parte da população acredita que a redução da maioridade penal seria uma forma de reagir a episódios rumorosos, como o caso das adolescentes estupradas e mortas por quatro menores de idade e um adulto em Castelo do Piauí, quem conhece os escaninhos do sistema assegura que esse suposto remédio funcionaria na verdade como um agravante da doença do sistema.

– As pessoas acham que a redução da maioridade vai reduzir a impunidade, mas vai aumentar. Só no Estado hoje temos 1,5 mil presos aguardando vaga no semiaberto, a lotação é tanta que temos fila para prender. E essa situação absurda vai se agravar se isso for aprovado – alerta o juiz Carlos Gross, da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.

Aos que dizem que adolescentes ficam impunes pela legislação atual, o juiz responde com um exemplo prático. Se hoje um jovem de 18 anos for apanhado cometendo um roubo em companhia de um adolescente, o que acontece?

– O menor vai para a Fase, recebendo uma medida média de nove meses a um ano e meio. O maior vai responder preso, mas se não tiver antecedentes vai para o semiaberto, e como tem fila de espera, vai ficar solto. Hoje já se dá exatamente o contrário do que pensam, os adolescentes acabam tendo punição maior – argumenta.

Dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias divulgados nesta semana mostram que, em 15 anos, o número de presos cresceu 161% – enquanto a população aumentou 20%. Os dados fazem do Brasil o detentor da quarta maior população carcerária do mundo, com 607 mil presos. Dois em cada três são negros e metade não frequentou a escola ou tem ensino fundamental incompleto. Para a defensora pública Marta Zanchi, vice-presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos, apostar em políticas que atacassem as causas, como a redução da evasão escolar, seria mais eficiente do que enjaular a todos, como se fosse possível apartar da sociedade as deformações que ela mesma produz.

– Ainda que se encarcere todo mundo dentro do presídio, essas pessoas vão sair um dia. E vão sair como? – questiona.

Juliano*, 16 anos, que está na Fase há oito meses, espera sair diferente. O guri com histórico de roubos de motos vem descobrindo outros talentos. Já fez cursos de informática, costura e agora se aventura pelo mundo da culinária.

– Nunca pensei que eu pudesse fazer essas coisas. Antes, não sabia nem fazer miojo – conta.

Aluno do primeiro ano do Ensino Médio, o interno da unidade Padre Cacique se voluntariou para ser um dos representantes da instituição em discussões sobre a redução da maioridade penal. Em dezembro, vai a Brasília para a 10ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

– Com essa redução só vai piorar, todo mundo sabe que o presídio é uma escola do crime. Minha primeira carteira assinada eu consegui aqui na Fase. Quando eu sair eu quero mudar, começar tudo de novo – diz, sonhando com um futuro em que “lá” signifique estar em casa, e não numa prisão.

* Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos entrevistados, em respeito ao ECA.




O Brasil já prende jovens


Quando começou a se debruçar sobre os dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), a socióloga Jacqueline Sinhoretto, professora da Universidade Federal de São Carlos e consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) imaginava encontrar correspondência entre o aumento do número de prisões nos Estados e a redução no índice de homicídios.

Mas os resultados, compilados na publicação Mapa do Encarceramento – Os Jovens do Brasil, lançada no início deste mês pela Secretaria Nacional da Juventude, desconstruíram a expectativa.

– Não existe essa correlação direta. Prender mais como medida isolada não reduz homicídios. O que reduz é uma política articulada com prevenção, atenção ao egresso, investigação dos crimes mais graves, redução da letalidade penal – concluiu, citando os resultados de Pernambuco como uma das exceções positivas.

Depois de seis meses sobre os dados, que indicaram um crescimento de 74% na população carcerária entre 2005 e 2012, a socióloga também reforçou sua convicção de que a redução não atingiria o objetivo esperado.

– Prender jovens já é o que o Brasil está fazendo. Aumentar o número de presos como medida isolada já está comprovado que não reduz a violência, mas aumenta a degradação do sistema carcerário e vai ter um efeito muito negativo para essas pessoas – analisa.

Dos 607 mil presos do país atualmente, 56% têm de 18 a 29 anos. Os números apontam que o crescimento de prisões é focado em um perfil específico: jovens e negros, especialmente. Apesar de o homicídio ser o crime mais preocupante, apenas 12% dos presos do país respondem por ele, enquanto metade dos encarcerados cumpre pena por delitos contra o patrimônio, e um quarto, por tráfico.

Para Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, a proposta da redução da maioridade penal tem sido vendida como uma tábua de salvação, como se existisse uma solução simples para o problema da violência. Ele observa, porém, que a tendência internacional é rever a ideia de sistemas de aprosionamento em massa, por considerá-los espaços de “network” do crime, onde bandidos ampliam suas redes de contatos e a potencialidade de novos ataques.

– Um caso interessante é esse dos autores do atentado ao Charlie Hebdo. Eles eram criminosos comuns, que foram presos e na prisão fizeram contatos com lideranças da Al-Qaeda. Até que ponto as prisões servem para articular a raiva e a revolta do sistema prisional? – questiona.

Além de afetar o próprio sistema, inchando ainda mais as unidades superlotadas, a possibilidade de prisão de adolescentes a partir de 16 anos também suscita outras questões, como o que aconteceria com outros direitos assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em tese, haveria brecha para outras revisões legais.

– A redução (da maioridade penal) pode implicar outras autorizações, como menores de 16 anos dirigirem e beberem (álcool). Mas hoje os acidentes de trânsito são uma das principais causas de mortes. Essa medida populista pode produzir um efeito colateral muito perigoso – adverte Manso.

Contrário à aprovação do projeto, um conjunto de entidades ligadas à proteção dos direitos da infância lançou o portal Maioridade Penal (maioridadepenal.org.br), que oferece informações detalhadas sobre a tramitação e dados estatísticos. O site mostra, por exemplo, que apenas 3,8% dos crimes e atos infracionais do país foram praticados por adolescentes.

– Se mudar essa lei não vai ter mudança no perfil da violência, mas no futuro desses adolescentes sim. Existe um olhar muito equivocado de que eles não têm mais jeito, mas não se está se investindo para que seja diferente – critica a administradora executiva da Fundação Abrinq, Heloísa Oliveira.







Nas redes sociais, mais não do que sim


ENTREVISTA: FEDERICO BARRETO



Como se dividem na internet apoiadores e críticos da redução da maioridade

Apesar de pesquisa divulgada no início da semana pelo Instituto Datafolha mostrar que 87% dos brasileiros apoiam a proposta de redução da maioridade penal, quem circula pelas redes sociais pode ter uma impressão diferente.

Estudo realizado pelo Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) mostra que, no Facebook, 70% das páginas, grupos e eventos públicos criados para debater a proposta são contrários à diminuição para 16 anos. No Twitter, o monitoramento feito entre 20 de março e 20 de junho, com base em 148 mil tweets e 48.707 retweets, também indicou mais não do que sim ao projeto.

No monitoramento realizado no Twitter, o alto volume de discussões sobre o assunto surpreendeu. Mas o que mais chamou atenção do professor Fábio Malini, coordenador do Labic, foi o alto índice de politização do debate. Quando analisou o conteúdo das mensagens compartilhadas, reparou que frequentemente a redução da maioridade penal vinha acompanhada de discussões políticas, ao lado de hashtags inusitadas como #prendamLula.

– A discussão sobre a maioridade penal está extremamente contaminada pela discussão política, é um teatro do absurdo. Se vê que é um debate oportunista, no meio de uma disputa política – opina Malini.

A cartografia das interações observadas serviu de base para a confecção de dois mapas ilustrativos da discussão nas redes. O primeiro, do Facebook, mostra que quatro páginas concentram o maior volume de interações: Amanhecer Contra a Redução, Movimento Contra a Redução da Maioridade Penal, Não à Redução da Idade Penal e Não à Redução.

Já no Twitter, há quatro blocos com diferentes posições. A rede marrom, favorável à redução, é “permeada por robôs” que reproduzem conteúdo postado por personalidades como Rachel Sheherazade, Eduardo Cunha, Rodrigo Constantino, e Jair Bolsonaro. A conclusão de que boa parte desse conteúdo é postada por softwares programados é baseada em um filtro que calcula o número de tuítes por minuto. A rede azul é marcada pela oposição à redução, inclinada com a perspectiva federal. Já a rede vermelha, também contrária à proposta, tem como protagonistas atores mais jovens, que trazem novos elementos para o debate, “misturando táticas publicitárias, de ocupação de espaços físicos e ações de engajamento virtuais, com forte criatividade social”. No centro do debate, mediando a polarização, aparecem veículos de imprensa, com notícias e discussões sobre a questão.

Ainda que o ativismo midiático possa ser considerado um nicho, Malini acredita que a multiplicidade de vozes desmente a visão de que este é um debate acabado ou vencido.

– O rastro de mobilização já está aparecendo. O ideal seria que houvesse um referendo para ouvir a população – defende.




“Mais repressão não é o caminho”

POR LETÍCIA DUARTE


Antes de um referendo sobre a redução da maioridade penal, em outubro do ano passado, 70% dos uruguaios se diziam favoráveis à medida. Mas o resultado nas urnas foi diferente: a redução acabou rejeitada, por 53% a 47%. A seguir, um dos organizadores do movimento No a la baja, Federico Barreto, que articulou a oposição, explica como a virada foi possível.

O movimento “No a la Baja” (“Não à redução”, em tradução livre) é citado como referência internacional na luta contra a redução da maioridade penal. Qual foi a principal estratégia adotada para convencer a população a mudar de opinião?

Embora tivéssemos uma enorme quantidade de argumentos de peso para rejeitar a proposta, o que precisávamos era combiná-los com uma estratégia de comunicação que atingisse a opinião pública. Para isso, resumimos todos os argumentos em três linhas fundamentais: 1) A redução não serve, de forma alguma vai colaborar para reduzir a insegurança no Uruguai, já que apenas 6% dos crimes são cometidos por adolescentes; 2) A redução é má, já que usa adolescentes como bodes expiatórios para os problemas do mundo adulto; 3) A redução é pior, já que potencializa a exclusão e a violência desses adolescentes, condenando-os, o que é provável, a um contato permanente com o mundo do crime.

No Brasil, uma comissão especial da Câmara aprovou recentemente a proposta de redução da maioridade penal para crimes hediondos e 87% da população se declara favorável à medida. O senhor tem acompanhado o caso brasileiro? O que o Brasil pode aprender com a experiência uruguaia?

No Uruguai, estamos muito atentos ao que acontece no Brasil no que diz respeito a esta questão. Já desde o ano passado, à medida que levávamos adiante a campanha, sabíamos que o que acontecia em nosso país também seria visto com olhos regionais. Hoje, continuamos cada vez mais preocupados com o que está acontecendo no Brasil e esperamos que também aí se consiga uma vitória da resistência popular. Sem querer dar lições, já que as situações são muito diferentes –, por exemplo, o caminho aí é parlamentar, enquanto aqui foi através de uma consulta popular –, acho que a chave para o sucesso no Uruguai foi saber aproveitar os potenciais populares próprios de nosso país. Foi sabermos abrir o máximo, ser mais e diversos, reconhecendo as nossas diferenças, mas trabalhando na unidade.

Como o senhor avalia o cenário internacional em relação à maioridade penal?

No Uruguai, desde a restauração da democracia, houve 19 tentativas de reduzir a idade de responsabilidade penal, todas fracassadas. Mas nós sabemos que isso não é uma obsessão uruguaia, uma vez que se podem encontrar os mesmos antecedentes em quase todos os países da região. A agenda de insegurança conecta de forma quase inalterada os setores conservadores de direita e os grandes meios de comunicação.

Qual é o maior equívoco que cerca a discussão sobre a maioridade penal?

O maior erro desta proposta específica parte do mesmo paradigma de “mão forte”, de que mais segurança só pode ser obtida por meio de mais repressão. Isto tem sido historicamente falsificado. Mais repressão pode significar um número maior de presos, mas nunca menos insegurança. Na verdade, os dados mostram que esse caminho não consegue reduzir os índices de criminalidade.



quarta-feira, 24 de junho de 2015

RS É DESTAQUE NEGATIVO NA INTERNAÇÃO DE ADOLESCENTES



Operação Caça-Fantasma prendeu 21 pessoas na manhã dessa terça-feira. (Foto: PC/Divulgação)

O SUL 23 de junho de 2015 23:18


Wanderley Soares


O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) divulgou dados confirmando a superlotação das unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei em 17 Estados, incluindo o RS. De acordo com o levantamento, 22 mil jovens estão internados em unidades que oferecem 18 mil vagas. Neste quadro, o RS se destaca como o pior do País. Nas 11 unidades da Fase (Fundação de Atendimento Socioeducativo), há 861 jovens internos para 643 vagas, o que revela superlotação de 134% no Estado. No comparativo com 2013, há hoje uma unidade a menos, com o corte de 91 vagas no sistema. Cabe sempre apontar que é exatamente na Fase onde deveria acontecer um atendimento de máxima qualidade, no sentido de que as unidades desta instituição não permaneçam como escola fundamental do crime. Da minha torre tenho destacado a ausência de estatísticas sobre o número de apenados adultos que passaram pela Fase, onde deveria acontecer um modelo de trabalho de ressocialização.

População carcerária



O número de presos no País dobrou em dez anos e chega a quase 616 mil. O déficit de vagas é de 244 mil, segundo levantamento realizado pelo portal de notícias G1, com base nos dados de maio fornecido pelos Estados. A média de superlotação é de 66%. E do total de presos, 238 mil ainda aguardam julgamento. No RS há 30.868 pessoas em 25.238 vagas no sistema prisional e equivale a uma superlotação de 22%. É evidente que este fracasso do sistema penitenciário nasce na política educacional do País e passa, é claro, pelos desestruturados institutos para menores infratores.

Fantasma


A operação Caça-Fantasma, coordenada pela delegada Ana Luiza Tarouco, prendeu 21 pessoas na manhã dessa terça-feira. A ação, deflagrada após um ano de investigações, foi executada em Cidreira, no Litoral Norte, Eldorado do Sul, na Região Metropolitana e Porto Alegre teve como objetivo combater os atos de maior gravidade no campo da criminalidade, como o tráfico de drogas, homicídios e sequestros. Foram apreendidos armas, carros e objetos roubados.

FALTAM VAGAS EM CASAS DE INTERNAÇÃO

JORNAL DO COMÉRCIO 24/06/2015


Faltam vagas em casas de internação no Estado. Superlotação prejudica processo socioeducativo e deteriora infraestrutura de centros para adolescentes infratores



Suzy Scarton



ANTONIO PAZ/JC

Almeida defende alterar o ECA

Nunca a detenção de menores no Brasil esteve tão em voga. Somente no Estado, há 1.077 internos e um déficit de 325 vagas. Na semana passada, uma comissão especial da Câmara Federal aprovou o relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF) que reduz de 18 para 16 a idade penal para crimes graves, o que, em tese, aliviaria a superlotação nos centros de internação, mas aumentaria nos presídios. O relatório ainda deve ser votado em plenário e precisará de 308 votos para ser aprovado. Se seguir adiante, passará ainda por segundo turno na Câmara e, depois, por dois turnos do Senado.

A polêmica em torno da medida é compreensível, uma vez que o sentimento de impunidade é latente entre os brasileiros. Uma das defesas para a aprovação estaria no fato de que a medida pode resultar na queda da criminalidade. Na segunda-feira, uma pesquisa do Datafolha, que ouviu 2.840 pessoas de 174 municípios, revelou que 87% dos entrevistados apoia a redução da maioridade penal. Entretanto, boa parte dos especialistas e autoridades discorda que a proposta vá resultar na diminuição da violência. Estatísticas indicam que apenas 1% dos crimes graves, como latrocínio, homicídio e estupro, são realizados por menores de 18 anos.

Também na segunda-feira, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgou o relatório "Um Olhar Mais Atento", que oferece um raio-x do sistema de internação de menores em conflito com a lei. O levantamento, realizado em 2014, aponta que 21,9 mil jovens estão internados em unidades, as quais oferecem 18 mil vagas. Ao visitar 317 das 369 unidades de internação que funcionam no Brasil, os representantes do conselho concluíram que o maior déficit de vagas se encontra na região Nordeste. O conselho também inspecionou 117 unidades de semiliberdade.

Mesmo que não seja a pior, a região Sul apresentou dificuldades sérias. No total, 45 unidades de internação e 21 de semiliberdade foram inspecionadas. São oferecidas 1.865 vagas (10,3% do País) a uma população de cerca de 2,8 milhões de adolescentes, que representam 13,5% do total nacional.

O Rio Grande do Sul, entretanto, foi o único dos três estados do Sul que apresentou superlotação. Conforme a análise, em 2013, o Estado tinha 12 estabelecimentos de internação. Em 2014, o número caiu para 11, o que causou uma redução no número de vagas de 12,4% (734 para 643). Em contrapartida, o total de internos aumentou, passando de 739 para 861 (ocupação 33,9% superior ao número de vagas).

Dados da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), atualizados diariamente, mostram números diferentes. As informações publicadas pela Fase na segunda-feira apontam uma capacidade de comporte de 752 adolescentes em 13 unidades do Estado. No entanto, 1.077 menores estão internados, criando um déficit de 325 vagas. Nas 10 unidades de semiliberdade, que se assemelham ao regime semiaberto dos adultos, a situação é mais branda: há 192 vagas para 114 apreendidos. No total, a Fase oferece 944 vagas e abriga 1.191 adolescentes, 247 a mais do que o número de vagas disponíveis.

Outro ponto preocupante do estudo do CNMP é que mostra que 55% das unidades de internação gaúchas são insalubres, ou seja, sem higiene e conservação, sem iluminação e ventilação adequadas em todos os ambientes. "Não se pode esperar ressocialização de adolescentes amontoados em alojamentos superlotados, e ociosos durante o dia, sem oportunidade para o estudo, o trabalho e a prática de atividades esportivas", diz o trabalho.

O Jornal do Comércio procurou a direção da Fase para comentar a pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público. Conforme a assessoria da fundação, os diretores estavam realizando vistorias no Interior e não poderiam atender a reportagem.
Redução da maioridade penal seria 'uma tragédia', afirma promotor

Se aprovada, a redução da maioridade penal resultaria em uma diminuição de 60% de internos na Fase. Para a população, entretanto, a medida seria uma "tragédia". A afirmação é do promotor de Justiça da Promotoria da Infância e da Juventude do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul Júlio de Almeida, responsável pela vistoria das unidades do Estado.

"As pessoas não se dão conta de que o crime organizado ainda não alcançou a Fase. Quando alguém entra no sistema prisional, precisa se vincular a uma facção criminosa para sobreviver. O prisioneiro fica em débito com a facção e é a população em geral que sofre com isso", comenta Almeida. De acordo com o promotor, os níveis de reincidência são menores entre adolescentes se comparados com os egressos do sistema penitenciário.

O MP já ajuizou ações contra todas as casas de internação de Porto Alegre, que possuem um déficit de 114 vagas. Nenhuma delas segue as normas preconizadas pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Almeida relata que, por exemplo, no Centro de Internação Provisória (CIP) Carlos Santos, na avenida Padre Cacique, há espaço para um adolescente por cela. Entretanto, mais duas camas são colocadas e o quarto passa a comportar três pessoas. "O número de vagas triplica sem que se aumente o espaço."

Essa superlotação resulta em dificuldades no atendimento pelas equipes técnicas e na exposição à insalubridade. "Os espaços não foram projetados para aguentar tantas pessoas. A infraestrutura não suporta, os equipamentos se deterioram pela superutilização. O reflexo é percebido no próprio desenvolvimento do processo socioeducativo", lamenta o promotor. O CIP foi projetado para abrigar 30 internos, um por cela. Na prática, porém, com a colocação de mais camas, esse total passa para 86. No entanto, o centro abriga, atualmente, 108 menores. O Sinase preconiza que sejam, no máximo, 40 adolescentes por unidade.

De acordo com Almeida, o aumento de internos e a diminuição do número de vagas se dá, também, porque nenhuma nova unidade foi construída no Estado desde 2004. A mais recente é o Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Novo Hamburgo. A falta de recursos é o principal motivo para a estagnação, uma vez que cada unidade custa cerca de R$ 20 milhões.

Há, ainda, a percepção comum de que adolescentes reclusos estão expostos a condições leves de repreensão. "Eles não estão em ambientes de lazer, estão presos, cumprindo pena. Só adolescentes que cometeram delitos graves são enviados para esses centros. Eles frequentam aulas, alguns chegam a ser alfabetizados, e realizam atividades socioeducativas. A ideia é reintegrá-los à sociedade, e não criminalizá-los ainda mais."

Dados da Fase mostram que os adolescentes cumprem pena principalmente pelos crimes de roubo, homicídio, tentativa de homicídio e tráfico de drogas. Para Almeida, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa, sim, de mudanças, como o aumento da permanência do adolescente, que fica no centro por três anos ou até chegar aos 21 anos, o que vier primeiro. "O ideal seria que o tempo máximo de permanência fosse de seis anos ou até o adolescente chegar aos 24 anos", reflete o promotor.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

ERRO FATAL



ZERO HORA 22 de junho de 2015 | N° 18202


CLÁUDIO BRITO



Nossos congressistas erraram na Comissão Especial que examina a proposta de redução da maioridade penal. Espera-se que não se mantenham em erro e, no plenário, a Câmara encaminhe o acolhimento à ideia de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente e não se mexa na Constituição. Seja pela menor complexidade do processo legislativo, seja mesmo pelo conteúdo. Não será reduzindo de 18 para 16 anos a idade exigida para imputar-se um crime a alguém que iremos resolver o drama da criminalidade. Nem mesmo sob a forma aprovada até aqui, que se define a partir da natureza do crime praticado. Mais graves os delitos cometidos, torna-se adulto o adolescente. E, mesmo para hipótese tão esdrúxula, é necessário seguir o roteiro das emendas constitucionais, com votação em dois turnos em cada casa parlamentar e ainda contando com quórum qualificado. Para mexer no Estatuto da Criança e do Adolescente, muito melhor, pois caem aquelas exigências e tudo se resolve com mais agilidade. E a ideia seria a de se ampliar o tempo das internações dos adolescentes infratores que cometerem delitos mais graves, tudo ainda sob a incidência do ECA e suas medidas.

Agora, que se amplie a mobilização de quem pensa adequadamente sobre o tema. Não podemos dar guarida ao erro cometido. É preciso derrotar o absurdo. No plenário da Câmara, nem avançando até o Senado. E que o mundo acadêmico, os operadores do Direito, as entidades representativas da sociedade e as instituições ligadas ao tema se organizem, para que a aberração não se confirme.

Não há que se permitir engano tão grande. Seria irrecuperável para a sociedade. E ainda anunciam uma impossibilidade processual. Se o autor de um crime hediondo aos 16 anos estaria enquadrado como imputável, em que momento haveria a definição? Na denúncia do promotor ou na sentença do juiz? Imagine o Ministério Público denunciar o adolescente, atribuindo-lhe o crime bárbaro e, depois, entendendo o julgador que outra seria a classificação da infração cometida, tudo voltasse ao começo.

O erro fatal precisa de correção imediata, ou de nada servirá qualquer arrependimento depois. Vamos alterar o ECA, não a Constituição.

*Jornalista

sábado, 13 de junho de 2015

QUERO É SER BANDIDO MESMO


Estupro, espancamento e morte: a tarde de horror no Piauí. Adolescentes que participaram do estupro coletivo de quatro meninas têm longo histórico criminal. 'Não era para ele ter sido solto', diz a mãe de um deles sobre internações anteriores

Por: Felipe Frazão, de Castelo do Piauí
VEJA ONLINE 13/06/2015 às 11:46





Adolescentes confessaram participação no estupro coletivo de quatro garotas na cidade de Castelo no Piauí (Foto: VEJA.com/Divulgação)


"Ele disse na minha frente e na frente do juiz 'Quero é ser bandido mesmo'. Fiquei em choque" Cezário Cavalcante Neto, promotor

A porta de um dos cômodos na casa do comerciante Jorge Moura, de 52 anos, na pequena Castelo do Piauí, cidade com pouco mais de 18.000 habitantes a 180 quilômetros de Teresina, não é aberta há duas semanas. Moura e a mulher não conseguem entrar no local desde que a filha Danielly Rodrigues Feitosa, de 17 anos, desapareceu na tarde de 27 de maio depois de subir com três amigas o Morro do Garrote para tirar fotos que seriam publicadas em redes sociais. No caminho, as estudantes foram rendidas por quatro adolescentes que, naquela tarde, usavam drogas na companhia de um traficante de 39 anos, fugitivo de São Paulo. O desfecho desse encontro foram duas horas de terror. As meninas foram despidas à faca, amordaçadas com as próprias roupas íntimas, amarradas a um cajueiro, torturadas e obrigadas a manter relações sexuais com os cinco monstros. Depois disso, foram atiradas de um penhasco. A queda no terreno de pedregulhos pontiagudos provocou ferimentos severos. Elas ainda ficaram cravejadas de espinhos pelo corpo. Mas isso não bastou. Dois menores desceram o morro e tentaram liquidá-las a pedradas. Danielly morreu no último domingo e uma das vítimas permanece internada em estado grave. A atrocidade foi cometida no momento em que o Congresso Nacional parece ter decidido fazer avançar mudanças na maioridade penal no Brasil. Quem conheceu as quatro meninas da minúscula cidade do Piauí, estado recordista em indicadores negativos no país, só quer resposta para uma pergunta: menores que cometem crimes brutais como esse vão ficar impunes?


"Nunca vou me conformar com uma brutalidade dessas. Que Deus os mande bem para longe, para onde merecerem", disse o pai de Danielly ao site de VEJA, com o olhar vago de quem ainda tenta entender tamanha crueldade.

As buscas pelas garotas começaram na noite de 27 de maio. Policiais civis encontraram as duas motos Honda Bros de 150cc, pilotadas por elas, no pé do morro e logo as removeram para a delegacia. As motos foram reconhecidas por vizinhos e familiares, o que fez com que os policias retornassem às pressas para o local, acompanhados por dezenas de populares. As meninas foram avistadas empilhadas nas rochas de cor acobreada. Só uma não estava desacordada, mas agonizava e se apavorou ao escutar as vozes. A Polícia Civil não teve dúvida: os primeiros suspeitos eram os garotos que há tempos aterrorizavam a cidade - nos últimos dois meses, I.V.I, de 15 anos, teve oito acusações registradas por furto de residência e roubo de motos.

A barbárie chegou rápido aos ouvidos da população de Castelo do Piauí. Uma barricada de pneus em chamas à porta da delegacia e centenas de pessoas clamando por Justiça tomaram as ruas. Os menores foram levados para quatro pontos diferentes da cidade para evitar um linchamento. Foram depois transferidos para a delegacia de Campo Maior, onde foram ouvidos, confessaram o crime e apontaram o traficante Adão José Silva Souza como mentor. Ele fornecia crack e maconha para os meninos - um deles F.J.C.J, de 16 anos, é cunhado de um primo do traficante.

No caminho do crime - A história de vida dos menores infratores não surpreende: são notórios garotos-problema na cidade. Criados em famílias pobres e desestruturadas, que não conseguiam mais domar os meninos franzinos, ainda com porte físico de criança - é difícil crer, à primeira vista, que um deles tenha 17 anos -, eram usuários de crack e maconha e semanalmente detidos por furtos e roubos. Os pais passam a sensação de paralisia diante de tanta reincidência dos filhos.

Nos últimos anos, quase todos os pequenos furtos que ocorrem no município recaem sobre os garotos, agora jurados de morte pela população. Na quinta-feira, a primeira audiência deles na Justiça precisou ser transferida para Teresina por falta de segurança na cidade. A faixa negra no portal de entrada de Castelo do Piauí reflete o clima de tensão e vingança.

De 2014 para cá, foram doze boletins de ocorrência contra o menor I.V.I. - nem todos com autoria comprovada. Dezenas de vítimas relatam crimes com o mesmo modus operandi do menino (invasões pela janela ou pelo telhado), mas temem acusá-lo. Após se notabilizar por furtos em residência, ela agora andava roubando motos - as marcas de um tombo durante uma fuga frustrada de moto estão na cicatriz que risca sua cabeça. "São muitos atos infracionais praticados por eles, principalmente o I.V.I., que é detido com frequência. Desde os dez anos de idade essa criança está fazendo coisa errada e os atos infracionais atribuídos talvez cheguem a quase cem", diz o coordenador de Polícia Civil de Castelo do Piauí, Edílson Lima.

Nos últimos anos, quase todos os pequenos furtos que ocorrem no município recaem sobre os garotos, agora jurados de morte pela população. Na quinta-feira, a primeira audiência deles na Justiça precisou ser transferida para Teresina por falta de segurança na cidade. A faixa negra no portal de entrada de Castelo do Piauí reflete o clima de tensão e o desejo de vingança.

De 2014 para cá, foram doze boletins de ocorrência contra o menor I.V.I. "São muitos atos infracionais praticados por eles, principalmente o I.V.I., que é detido com frequência. Desde os dez anos de idade essa criança está fazendo coisa errada e os atos infracionais atribuídos a ele devem chegar a quase cem", diz o coordenador de Polícia Civil de Castelo do Piauí, Edílson Lima.

O grupo de menores que agem à margem da lei tem histórico de invadir casas, assaltar mercearias e roubar motos. Em março, a Polícia Civil indiciou por corrupção de menores uma mulher que fornecia bebidas e drogas para os adolescentes, além de já ter mantido um relacionamento amoroso com um deles, F.J.C.J, de 16 anos, que depois do estupro das estudantes disse ter "bebido cachaça até as 3 horas da madrugada". Nélia Alexandre dos Santos Vieira, a Leila, diz ser apenas amiga dos garotos e frequentar com eles bailes funk. Outro deles, B.F.O, de 15 anos, chegou a ser expulso de casa pelo pai porque passou a dormir na casa dela. Primeiro a ser detido, ele delatou os demais às equipes de captura após o estupro das quatro adolescentes que nunca tinha visto. "Elas eram bonitas, de boa aparência e bem vestidas, mas eu não as conhecia", disse à polícia.

O site de VEJA consultou dados recentes da delegacia de Castelo do Piauí, que não possui delegado fixo e está em condições precárias de funcionamento e conservação. O arquivo só tem registros recentes. Apenas dois policiais civis, um carcereiro e um PM se revezam no policiamento diário. Desde 2013, foram autuados contra os meninos dez registros diferentes de atos infracionais confirmados por furto, roubo, ameaça, resistência e associação criminosa. Em algumas ações, eles usaram peixeiras para ameaçar as vítimas. Isso sem falar nos boletins de ocorrência atribuídos a I.V.I. A polícia também fez três pedidos de internação contra dois dos menores: um para G.V.S, de 17 anos, e dois para I.V.I, de 15 anos, apontado como o mais violento e perigoso.

G.V.S.: "Quero ser bandido" - G.V.S é o menor que aparece em vídeo obtido pelo site de VEJA, no qual o traficante Adão José Silva Souza é acusado de ter forçado as quatro vítimas a manter relações sexuais com ele e com todos os meninos com uma arma à mão - a versão também consta dos depoimentos dos demais menores, embora a polícia não tenha encontrado o revólver 38 na cena do crime, nem um revólver 32, que também aparece em um dos depoimentos. O vídeo foi gravado por policiais civis após a captura dos menores na manhã seguinte ao crime - os celulares das vítimas ainda estavam jogados no local.

G.V.S foi reconhecido por fotos durante o depoimento de duas das adolescentes que conseguiram falar à polícia: J.L.S., de 15 anos, que recebeu alta nesta semana, e I.C.M.F., de 16 anos, que sofreu traumatismo craniano e está vivendo na casa do pai em Teresina. Segundo elas, foi ele quem as abordou primeiro com uma faca. A terceira sobrevivente, R.N.S.R, de 17 anos, ainda não teve alta no Hospital de Urgências de Teresina (HUT).

"Esse menor de 17 anos é frio e calculista, não consigo acreditar que um ser humano faça tamanha crueldade. Ela lembra que ele veio primeiro colocou uma faca no pescoço da Danielly. Elas tentaram correr, mas ele ameaçou matá-la. Minha sobrinha disse 'tia, nós paramos porque eu não ia suportar carregar essa culpa comigo'", diz a professora e historiadora Márcia Mineiro, que acompanhou a sobrinha I.C.M.F. na ambulância durante o transporte para Teresina. Durante a transferência, a jovem deitada no chão não largou a mão da tia. "Ela cravou a unha na minha mão e apertava quando alguém encostava nela. Ela sabe o que aconteceu, não lembra muito, mas quando eu perguntei sobre a violência sexual, só chorou."

A mãe do infrator G.V. S afirma que ele começou a se envolver com o crime logo aos 10 anos de idade. Estudou apenas até a 5ª série e abandonou a escola. O primeiro roubo foi um CD. Depois partiu para celulares e câmeras. No ano passado, já havia sido internado por 45 dias no Centro de Internação Provisória (CEIP) por furtos repetidos. Quando saiu, o menor disse: "Nunca mais vou pisar nesse lugar". Mas não cumpriu a promessa feita à mãe - com quem não teve contato desde a nova internação.

G. V. S. mora em um pequeno casebre em uma rua de terra batida a menos de um quilômetro do local onde participou do estupro. De cima do Morro do Garrote avista-se a casa dele. Vive com o padrasto e a mãe, que está gravida do oitavo filho. G.V.S. têm duas irmãs gêmeas de seis anos, uma de 9 anos, uma de 12 anos e outra de 15 anos, além de um irmão de 19 anos, que sofre de distúrbios mentais. O filho mais velho é fonte da renda principal: recebe um salário mínimo do governo. A mãe recebe 260 reais do programa federal Bolsa Família. E só. Ela não trabalha e o padrasto do adolescente vive de bicos. A família se divide em dois cômodos acanhados na casa de paredes internas mofadas e descascadas com uma tinta azul e verde. Na parede só há retratos das irmãs. Por fora, tijolos e concreto estão aparentes. A cerca é improvisada.

"Tudo o nosso dinheiro vai para comida, não tenho nem telefone. Mas o meu menino não tinha precisão não. Aqui a gente não come do bom e do melhor porque você sabe como é vida de pobre, mas nunca passamos um dia sem uma panela no fogo", disse a dona de casa Elizabete Vieira da Silva, de 35 anos.

Segundo a mãe, G.V.S tinha comportamento agressivo com as irmãs - mas não com ela. Elizabete afirma que sempre que o garoto entrava em casa as meninas diziam: "Lá vem o ladrão!". G.V.S ficava furioso. "Ele ficava fungando, respirando fundo, mas não vinha para cima de mim não porque eu enfrentava". Para a mãe, ele age por causa de más companhias e, principalmente, pelo vício em drogas. Sempre que voltava para casa sob efeito de entorpecentes, tentava esconder com o boné os efeitos da maconha. A mãe diz que sempre implorou para que ele "saísse dessa vida e fosse trabalhar" e que chegou ameaçar abandoná-lo. Ela também relata que os menores infratores estavam "intrigados" um com o outro, e que frequentemente se ameaçavam de morte. "Antes de acontecer isso aí, a polícia o prendeu e depois soltou. Não era para ter soltado ele, nada teria acontecido", disse a mãe. "Quando a gente coloca um filho no mundo não vem escrito na testa o que ele vai ser. Se viesse eu não iria querer".

O promotor Cezário Cavalcante Neto conta que já decidiu perdoar G.V.S. em uma audiência e solicitou que ele fosse matriculado em uma escola em vez de ser internado. O garoto reagiu: "Ele disse na minha frente e na frente do juiz 'Quero é ser bandido mesmo'. Fiquei em choque".

I.V.I.: Terror da cidade - Há cerca de dois meses, a família de I.V.I se mudou para um pequeno imóvel comercial de uma tia do adolescente, com medo de que ele sofresse represálias. Os pais e dois irmãos, duas crianças louras de 2 e 4 anos de idade, vivem amontoados na entrada de uma antiga loja, um ambiente sujo e sem privacidade. Eles usam uma cortina para cobrir o portão de ferro - sem ela, seria possível para ver da rua a casa inteira. I.V.I, dormia em uma rede. Também gostava de ficar na antiga casa da família, no bairro Cohab, onde a polícia apreendeu nesta quinta-feira roupas do dia do estupro, entre elas uma peça feminina - estavam queimadas e serão periciadas.

Aos 15 anos, I.V.I já não respeita os pais. É autor em seis atos infracionais registrados na delegacia de Castelo do Piauí e está internado pela terceira vez em uma instituição para recuperação. Em dezembro de 2014, quando o delegado Laércio Evangelista pediu sua internação pela segunda vez, I.V.I havia tentado esfaquear um policial militar após ter furtado e levado para casa celulares, um relógio e uma espingarda. O delegado comunicou ao Ministério Público que I.V.I estava "ameaçando e aterrorizando" a população de Castelo do Piauí e que já haviam perseguido o menino pelas ruas tentando matá-lo. Um dia antes do estupro, em 26 de maio, I.V.I e B.F.O foram autuados por roubo. Horas antes do crime, havia sido procurado pelo furto de uma moto.

"Quero que ele fique internado para ver se sai deste mundo em que estava vivendo. Qualquer hora chega a notícia que não quero receber nunca", diz a desempregada Patrícia Visgueira Izaias, de 38 anos, mãe de I.V.I. "Acho que não convém ele voltar para Castelo", diz o pai, o aposentado Manoel Izaias, de 63 anos, carpinteiro aposentado por sofrer de distúrbios mentais e insônia permanente - dorme à base de remédios há duas décadas. A família vive com 1.000 reais de renda da aposentadoria de Manoel e 306 reais do Bolsa Família. "Depois dessa aí ele sujou a família", diz a mãe.

Patrícia visitou o filho no Centro de Internação Provisória no domingo. Ela afirmou que o garoto está em local isolado e que recebe bom atendimento: "Nem parece coisa para filho de pobre". Ela disse que ele não demonstrava preocupação e que pediu que ele confessasse a ela o envolvimento no estupro coletivo. Ele disse à mãe que permaneceu na casa de um vereador na cidade, tio de uma das vítimas, onde teria trabalhado pela manhã furando um poço. "A desgraça da vida do I.V.I foram as amizades. Ele teve amizades bem mais pesadas do que ele", diz a mãe. "Antes ele me ajudava com tarefas domésticas e era muito apegado aos irmãos."

Desobediente e desinteressado, I.V.I já não era aceito nos colégios de Teresina e a família teve de apelar ao Conselho Tutelar para conseguir matriculá-lo. "Até eu me matriculei para ver se ele ia junto, mas nos dias que eu fui ele não ia, até que abandonei também", conta a mãe.

A Assistência Social da Cidade já recomendou acompanhamento psicológico por seis meses, mas o adolescente só aceitou ir a uma consulta. I.V.I chegou a ficar internado em uma unidade da Fazenda da Paz, nas proximidades de Timon, no Maranhão, uma clínica terapêutica para dependentes de drogas, mas fugiu do lugar com menos de uma semana. "Eu deixei ele na porta e menos de uma semana depois ele apareceu na casa da minha irmã em Teresina".

O Ministério Público já representou pela internação máxima para os quatro acusados de associação criminosa, estupro, homicídio, corrupção de menores e três tentativas de homicídio e só podem ficar até três anos internados pela atual legislação, agora em debate no Congresso Nacional. Mas, pela primeira vez em décadas, é possível que isso mude.

terça-feira, 9 de junho de 2015

ESCOLAS DA PRISÃO




FOLHA.COM UOL 09/06/2015 02h01


JANIO DE FREITAS


Enfim, algum debate.

É muito expressivo da índole deste país generoso, sensível, emotivo, que na ocasião de decisões sobre o sistema eleitoral, a reeleição, o dinheiro do poder econômico nas eleições, o que suscite o debate seja a idade em que menores carentes, se criminosos, devam ser punidos judicialmente.

Por qualquer ângulo de abordagem, o assunto é complicadíssimo. O Brasil não demonstra capacidade, e duvido que tenha ao menos vontade real, para algo mais do que retirar meninos das vias do crime e entregá-los ao ambiente recluso em que preservam ou agravam sua perdição. Para trazê-la de volta à liberdade.

Mas o clamor do medo que provocam, mesmo onde é mais incitado pelo sensacionalismo do que fundado, merece a defesa e a tranquilidade reclamadas. Nas propostas já apresentadas com tal finalidade, a meu ver só se consegue distinguir as péssimas das menos ruins. Todas muito parecidas na sua superficialidade, todas simplórias diante de um problema complexo. A de Aécio Neves, que se limita a triplicar a pena do aliciador de menores para o crime, destina-se até a outro problema. Ou supõe que adolescentes da marginalidade não ajam por si mesmos.

Prender mais cedo ou mais tarde, por menos ou por mais tempo, nada melhorou até agora e nada vai melhorar. É mera antecipação ou protelação. Reduz-se a idade para o recolhimento ou se espera mais pelo retorno às ruas do recolhido –mais ressentido, mais experiente, e com menos possibilidades, porque já adulto, de encontrar um encaminhamento diferente para a vida.

Não confio nas "soluções" apresentadas e, como sempre, não tenho uma proposta formulada. Mas tenho uma convicção. Em qualquer idade penal e com qualquer tempo de recolhimento, haverá apenas castigo inútil, senão agravador, caso não haja ligação rígida e persistente do recolhimento com o ensino. Inclusive como condição, segundo os resultados, para a volta à liberdade.

A Constituição responsabiliza o Estado pelo ensino. Logo, responsabiliza-o também por sua falta. É o caso de cobrar dos governos federal, estadual e municipal que se coordenem para proporcionar o ensino que devem aos menores delinquentes recolhidos. É preciso começar pelo Estado, não porque tenha polícia, esta obsessão brasileira contra e a favor, mas por ter meios e obrigação de proporcionar aos meninos e adolescentes desviados pelo crime a oportunidade de sair da punição diferentes, como seres, do que entraram.

O recolhimento hoje, e como será com as propostas que só se ocupam de idade e prisão, é escola de crime. Para ser a favor da sociedade como todo, o recolhimento precisa ser escola para a vida livre.



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA
- Escolas de crime, os presídios de adulto e as unidade de internação já são, pois ambos contam com as mesmas condições desumanas e inseguras, sem objetivos e a mercê das facções. As soluções estão na apuração de responsabilidade para mudar este cenário, na melhoria e estrutura do ECA e na certeza da punição para TODO e QUALQUER autor de ilicitude, por menor que seja.

terça-feira, 2 de junho de 2015

INTERNAÇÃO MAIOR PARA ADOLESCENTES INFRATORES



ZERO HORA 02 de junho de 2015 | N° 18181


EDITORIAIS




Mais uma vez em pauta, a proposta de revisão da maioridade penal no Brasil é um tema de tal relevância, que não pode ser tratado de forma açodada, nem ficar relegado a um plebiscito em que os eleitores votam sim ou não, num clima de muito emocionalismo e pouca objetividade. Na pressa em levar a votação adiante, influenciada por razões que vão além da preocupação com a criminalidade, é importante não perder de vista que há pelo menos uma fórmula alternativa mais sensata: manter o limite estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), reconhecidamente avançado, e elevar o tempo de internação para autores de crimes hediondos. Esse é o ponto decisivo.

Diante da sensação de insegurança predominante no país, é compreensível que a sociedade se esforce em encontrar saídas e, mesmo, que seus representantes políticos se aproveitem dessa vulnerabilidade para medidas demagógicas. O ECA já define punições claras para infratores com mais de 12 e menos de 18 anos, a mais rigorosa das quais é um período de internação de até três anos. E, ainda que seja possível contornar a Constituição, para a qual menores de 18 anos são inimputáveis, não há garantia de uma contribuição para a redução da criminalidade com a mudança.

Ainda que os defensores da alteração tenham argumentos consistentes, há também contrapontos incontestáveis, como o apontado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: se a idade mínima for reduzida, o crime organizado vai começar a arregimentar jovens de 15 anos. Além disso, quem garante que o sistema de punição existente no país tem condições de ressocializar alguém?

O país agiria melhor se, de imediato, buscasse um meio-termo. E, a médio e longo prazo, se desse mais atenção a seus jovens, com ênfase em políticas socioeducativas.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Realmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é reconhecidamente avançado, mas de que adianta uma ferramenta avançada numa máquina atrasada, arcaica, leniente, morosa, descompromissada, desfocada da finalidade pública, assistemática e que pouco observa a supremacia do interesse público, como é a justiça brasileira. Assim, de nada adianta dar "ênfase em políticas socioeducativas", se elas se transformam em política-partidária, sem objetivos, sem fiscais, sem controles e sem interação obrigatória da justiça.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

OS NATIMORTOS

JORNAL EXTRA, em 30/05/15 10:08


Por: Aurílio Nascimento




Cena do filme "Pixote, a lei do mais fraco", de Hector Babenco


Natimorto é o termo jurídico para definir o feto que é expulso do útero sem vida. Em 1977, o escritor e jornalista José Louzeiro publicou a obra "Pixote – a infância dos mortos". Muito provavelmente, o escritor utilizou o título como uma analogia ao termo jurídico. Quatro anos após seu lançamento, a história de Louzeiro foi para as telas, com o título "Pixote – A lei do mais fraco", dirigido por Hector Babenco, ganhando vários prêmios. Tanto o livro como o filme, foram um grande sucesso. Outro livro e mais um filme foram lançados: "Pixote nunca mais", de Cida Venâncio, e "Quem matou Pixote", do diretor José Joffily.

A trágica história de um grupo de meninos abandonados que se aventuram na vida do crime e morrem, retratadas nas obras acima citadas, terminou imitando a realidade. Para estrelar o filme de Hector Babenco, foi escolhido um garoto da periferia de São Paulo, Fernando da Silva Ramos. Mesmo com o estrondoso sucesso, Fernando ingressou na vida do crime, e terminou morto em confronto com a polícia.

Treze anos após o livro de Louzeiro, foi publicada com estardalhaço a Lei 8.069/90, que ficou conhecida como ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. Não precisa ser vidente para se imaginar que uma lei, cujas inicias ao se pronunciar, tornar-se uma onomatopeia de nojo, daria certo. O noticiário policial bem prova isto.

Tão logo a lei 8.069/90 passou a vigorar, um estranho fenômeno politico eclodiu: a criação de milhares de ONGs, todas afirmando sua imensa preocupação com os menores abandonados e bancadas com o dinheiro público. Poucas - ou quase nenhuma - foram capazes de salvar aqueles que nasceram condenados à morte lenta nas ruas.

A trágica morte do médico Jaime Gold, assassinado a facadas durante um assalto, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, por dois menores contumazes no crime, logo irá se transformar em apenas um número. Nada mais do que isto. A família da vítima terá que conviver com a dor. A sociedade com a perda de um grande profissional no auge de sua carreira.

Enquanto isto, ólogos e ólogas, parlamentares neófitos, pesquisadores e estudiosos defendem teses e leis sem lógica e absurdas. Todos estes integram o conjunto de estrelas que, se fosse possível comprar suas ideias pelo que valem e revender pelo que eles pensam que valem, o lucro bateria qualquer fortuna do planeta.



Leia mais: http://extra.globo.com/casos-de-policia/aurilio-nascimento/os-natimortos-16310737.html#ixzz3bp1Mn9YV