Entrevista. Juiz diz que superlotação e tratamento são os problemas mais graves de instituições de jovens infratores - 12/10/2011 às 23h54m; Chico Otavio
RIO - Até o fim do ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgará um diagnóstico completo sobre as unidades de atendimento a jovens em conflito com a lei espalhadas pelo país. O trabalho não está pronto, mas o juiz-auxiliar da presidência do CNJ Daniel Issler, coordenador do projeto, já adianta uma das conclusões: enquanto o sistema insistir em segregar e agir com violência, como viu no Instituto Padre Severino, não há chance de recuperação.
O GLOBO : A recomendação do CNJ para fechar o Padre Severino será atendida?
DANIEL ISSLER: Espero que sim. O "Justiça ao Jovem" faz um diagnóstico sobre o cumprimento de medidas socioeducativas de internação em todo o Brasil. As visitas geram uma série de dados importantes para a formulação de melhorias no atendimento, especificamente no que diz respeito às instalações físicas, ao atendimento dos adolescentes e ao andamento dos processos de execuções dessas medidas. Como citado no relatório do Rio, a desativação da unidade depende da criação de novas vagas em unidades descentralizadas, que sigam os padrões do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. A recomendação já foi levada ao conhecimento do Poder Executivo, a quem compete agora deliberar sobre seu acolhimento e a forma pela qual ela seja levada a efeito.
O GLOBO : Na comparação com os outros estados, como se encontram as unidades do Rio?
ISSLER: Cada estado tem peculiaridades no que diz respeito ao atendimento do adolescente em conflito com a lei. É difícil fazer uma comparação simples. De modo geral, o Rio não destoa da média, mas um problema é como lidar com facções criminosas dentro dos estabelecimentos de internação, para não reforçar sua influência sobre os adolescentes internados que não estejam vinculados a elas.
O GLOBO : Que balanço o CNJ faz das fiscalizações pelo país?
ISSLER: Considero positivo. Embora ainda não terminado o trabalho, já foi possível observar que diversas das recomendações constantes dos relatórios parciais foram acolhidas pelas instituições a quem dirigidas, resultando melhorias em todos os aspectos. Já tivemos unidades fechadas, mudanças de normas quanto à tramitação processual, capacitação de servidores etc.
O GLOBO : Onde o CNJ encontrou as piores condições?
ISSLER: As situações pelo Brasil são diversificadas. Há unidades muito problemáticas e outras que podem ser consideradas modelos. As piores situações são aquelas relacionadas à superlotação e ao tratamento indigno prestado aos adolescentes, que decorrem de uma visão prisional a respeito do sistema socioeducativo que não considera o adolescente enquanto pessoa em desenvolvimento, e realiza, basicamente, sua segregação, sem maior atenção ao atendimento pedagógico e psicossocial, negligenciando também os vínculos famíliares. Esta visão, que contraria nosso ordenamento jurídico, leva à impossibilidade de sucesso no processo socioeducativo.
O GLOBO : Então, o sistema acaba agravando a situação?
ISSLER: Esta visão prisional é o que atrapalha. Os adolescentes que praticam atos infracionais e são internados, como os maiores que praticam crimes e vão presos, um dia devem retornar ao convívio social e, caso tenham sido tratados de forma indigna, tendem a repetir condutas contrárias à lei.
O GLOBO : Ainda se tortura jovens nestas unidades?
ISSLER: Não é algo generalizado, mas sabemos que infelizmente ocorre. Quando chegam denúncias, encaminhamos aos órgãos competentes. Quando a visão sobre o tratamento do adolescente internado é segregacionista e retributiva, há maior espaço para a prática deste bárbaro crime.
O GLOBO : Ainda há casos de jovens mantidos em delegacias?
ISSLER: O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, nas localidades onde não há unidade própria, a possibilidade de permanência de adolescentes em delegacias por até cinco dias, em cela separada. Infelizmente, em alguns estados, nem sempre a vaga em unidade adequada é oferecida dentro do prazo. E então o adolescente acaba ficando detido em delegacia por mais tempo. Isso é péssimo, não apenas por ser ilegal, mas especialmente porque, no ambiente policial, o que se tem é unicamente a segregação, com todas as nefastas consequências.
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