quinta-feira, 13 de outubro de 2011

JUVENTUDE EM RISCO

CNJ recomenda o fechamento do Instituto Padre Severino - O GLOBO, 12/10/2011 às 23h55m; Chico Otavio

RIO - O fim do Padre Severino é uma das recomendações do relatório produzido pelo programa "Justiça ao jovem", do CNJ, sobre as condições de seis unidades destinadas à execução de medidas socioeducativas a jovens em conflito com a lei no Rio. Iniciada no ano passado, a campanha é nacional. Todos os estados foram visitados por equipes do programa, que só não concluíram ainda o relatório de São Paulo.

Das seis unidades fluminenses visitadas em maio deste ano, o relatório diz que o Padre Severino foi a única onde reiteradamente houve reclamação dos adolescentes contra a violência praticada por agentes de segurança, inclusive com o uso de gás de pimenta. O CNJ também constatou a superlotação do instituto (embora a unidade ofereça 120 vagas, apresentava 271 adolescentes internados no período da visita), má conservação das instalações, alimentação de qualidade ruim e insuficiência no número de funcionários.

A única atividade oferecida pelos adolescentes nessa unidade, segundo o relatório do CNJ, seria o ensino formal, e, mesmo assim, sem carga horária suficiente. Os alojamentos ficavam em duas alas, com no máximo oito vagas. No entanto, alguns chegavam a comportar até 16 adolescentes, obrigando muitos jovens a compartilhar a cama. Na inspeção, a equipe do CNJ constatou infiltrações nas instalações e problemas com a circulação do ar.

Mas os problemas no Padre Severino não são uma particularidade do Rio. No relatório sobre a Paraíba, que acaba de ser divulgado, o programa concluiu que a imposição de castigos físicos aos adolescentes tem se mostrado uma prática regular no estado. De acordo com o relatório, 60% dos adolescentes internados no Centro de Atendimento ao Adolescente (CEA) de João Pessoa se queixaram de violência.

Com base em visitas feitas em novembro do ano passado a seis unidades paraibanas, assim como à Vara da Infância e Juventude (onde tramitam os processos), o CNJ verificou que outro problema considerado "preocupante" pela equipe do "Justiça Jovem" foi a internação provisória em Campina Grande, que ocorre de forma adaptada num edifício planejado para ser anexo de uma delegacia de polícia.

O Padre Severino também não foi o único condenado à desativação pelo programa. Em Santa Catarina, por exemplo, foi sugerido o fechamento das unidades São Lucas (São José) e Pliat (Florianópolis), "onde os jovens são objeto de violência física e psíquica", descreve o relatório. Para a equipe que visitou o estado, os educadores "vivenciam a cultura da dominação e da intimidação".

Como o CNJ não tem poder para fechar as unidades críticas, opta por fazer as recomendações ao Poder Executivo e encaminhar cópias do relatório aos Tribunais de Justiça e aos Ministérios Públicos de cada estado visitado.

Peluso lançou "Justiça Jovem" em abril do ano passado

O "Justiça ao Jovem" nasceu de outro programa do CNJ, os "mutirões carcerários". Ao visitar as cadeias destinadas a adultos, juízes e técnicos do Conselho aproveitavam para vistoriar as unidades de adolescentes. Ao assumir a Presidência do CNJ, em abril do ano passado, o ministro Cezar Peluso (também presidente do Supremo Tribunal Federal) resolveu formalizar o trabalho e lançou o programa.

As visitas seguem um método próprio e produzem uma série de dados. As recomendações de fechamento de unidades têm sido atendidas pelos governos estaduais.

Na ocasião da visita ao Rio, o diretor do Padre Severino, Alexandre de Jesus Pinheiro, disse à equipe do CNJ que o instituto será desativado até o fim do ano. Para isso, encontram-se em andamento as obras para a construção de novas instalações, mais modernas e no mesmo terreno onde a unidade funciona atualmente. Outros estabelecimentos destinados a internação provisória, segundo ele, estão em construção em outros locais.

Alexandre Pinheiro procurou destacar os avanços no tratamento aos menores, como acesso a médico, dentistas e psiquiatras e participação em várias atividades.
O Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas) disse ao GLOBO que vai se manifestar hoje.

Condições do instituto indignaram a primeira-dama do estado

As condições do Instituto Padre Severino já indignaram até a primeira-dama do estado, Adriana Ancelmo, que gravou um DVD, em março de 2007, para mostrar ao governador Sérgio Cabral cenas sobre o estado deplorável de banheiros e alojamentos. Na ocasião, Cabral decretou uma intervenção de 180 dias na unidade, gerida pelo Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase).

Localizado na Praça do Avião, Ilha do Governador, o instituto é uma unidade de abrigo provisório, espécie de centro de triagem para adolescentes do sexo masculino, de variadas faixas etárias, encaminhados pela Delegacia de Polícia da Criança e do Adolescente, pelos juizados da Infância e Juventude e pelas comarcas do interior.

Pela lei, o prazo máximo estipulado para a permanência dos jovens em conflito com a lei, enquanto aguardam a audiência na Justiça, é de 45 dias. Contudo, esse período nem sempre é respeitado porque é preciso aguardar vagas nas unidades destinadas ao cumprimento das medidas socioeducativas - Educandário Santo Expedito, em Bangu, e Escola João Luiz Alves, na Ilha do Governador.

O prazo excessivo, num lugar superlotado, que abriga jovens de idades diversas, é um fator de risco. Em abril de 2002, Anderson Clayton Gomes Brasil, de 17 anos, que cumpria medida por tráfico de drogas, foi espancado até a morte por internos porque simplesmente recusou-se a oferecer biscoito a outro adolescente.

Dois anos depois, a organização internacional Human Rights Watch divulgou relatório para criticar as unidades de atendimento no Rio. O documento citava superlotação e casos de abusos verbais, espancamentos e punições arbitrárias.

Um dos casos mais graves no Padre Severino ocorreu no réveillon de 1997, quando um incêndio na unidade, causado pelos próprios internos, matou seis jovens.

Em 1999, os PMs flagraram o então diretor-administrativo do instituto, Paulo Roberto de Souza, acariciando em seu gabinete um menor nu. Em depoimento à polícia, a vítima e outros jovens contaram que eram obrigados a manter relações sexuais com o diretor, que seria condenado a oito anos de prisão pela Justiça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário