domingo, 31 de maio de 2015

O JEITO CERTO DE DISCUTIR MAIORIDADE PENAL


Como tratar menores infratores? Apresentamos sete propostas para você votar e definir a sua opinião

ALINE RIBEIRO E THAIS LAZZERI
22/05/2015





Baixar ou não para 16 anos o limite da maioridade penal é uma questão importante para a sociedade brasileira no momento. Mas, em se tratando de segurança pública e como tratar menores infratores, há outras questões cruciais. Como punir cada infração? Como aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)? Como reintegrar esses adolescentes à sociedade? É preciso mudar as instituições responsáveis por cuidar dos adolescentes infratores?

Esse não é um daqueles temas em que países desenvolvidos tenham resolvido o assunto e possam servir de modelo. Há democracias desenvolvidas que punem adolescentes mais duramente do que o Brasil. Entre eles estão o Canadá (14 anos) e Suécia (15 anos). O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) se dedicou a analisar a legislação penal de 53 nações. Constatou que, em 42 delas (79%), a maioridade penal é fixada em 18 anos ou mais. Algumas experimentaram reduzir esse limite, e acabaram voltando atrás, como Espanha e Alemanha. Nos EUA, 47 dos 50 Estados ampliaram as penas para menores infratores ao longo dos anos 1990. Nos 20 anos seguintes, o número de jovens em prisões comuns subiu quase 230%. Hoje existe uma onda em sentido contrário – o de abrandar as leis.

É hora de discutir o tema no Brasil com serenidade e seriedade, sem preconceitos, dogmas ou arroubos emocionais. E perceber que a questão vai além do limite de 16 ou 18 anos. Seis das sete propostas levantadas por ÉPOCA dão a entender que o fundamental é separar quem comete crime grave de quem comete crime leve. O ECA faz essa indicação, mas não é respeitado. Há consenso de que os crimes graves devem ser punidos. O que varia, entre as propostas, é a forma de punição.


Leia sete propostas desse debate e vote, ao fim do texto, naquelas que você apoia:


Defensores: Pepe Vargas, ministro dos Direitos Humanos, e Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro dos Direitos Humanos.
O que defendem: a permanência da lei vigente. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), menores entre 12 e 18 anos que cometem infrações de qualquer gravidade recebem medidas socioeducativas, cumpridas em liberdade ou em casas de internação. Nem o estatuto nem o juiz estipulam um tempo para o recolhimento. A cada seis meses, os jovens são reavaliados – e podem ser libertados ou continuar reclusos. O tempo máximo de internação é de três anos, e o jovem não pode permanecer nessas casas depois dos 21 anos. A lei é parecida com a da maioria das democracias maduras. Vargas e Pinheiro defendem o sistema porque acham que uma redução da maioridade penal apenas colocaria um novo grupo de jovens em contato, nas prisões, com presos adultos e o crime organizado.
Críticas: a lei vigente prevê a separação por tipo de crime, idade e porte físico. Na prática, os adolescentes ficam juntos. O crime organizado aproveita a lei para recrutar soldados entre adolescentes. Como não permite a internação por mais de três anos, deixa uma sensação de impunidade nos casos dos infratores mais perigosos. O ECA tampouco determina uma punição específica para cada tipo de crime, como faz o Código Penal, o que dá muita liberdade aos juízes. Uma mesma infração recebe tratamentos muito diferentes.




Defensor: Ariel de Castro Alves, advogado e membro do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente de São Paulo.
O que defende: para crimes contra a vida e latrocínio cometidos por adolescentes a partir de 14 anos, a internação teria um prazo estipulado previamente de até três anos. Na lei atual, não há tempo de internação fixado previamente. Além disso, o menor infrator poderia ter mais três anos de semiliberdade e três de liberdade assistida. Nesse modelo, um adolescente de 17 anos que cometesse um crime poderia ficar até os 26 anos sob custódia da instituição. Alves defende que sua proposta acaba com o problema de libertar imediatamente jovens de 21 anos que cometeram delitos graves. Alteraria o ECA.
Críticas: a liberdade semiassistida exige ampliação das vagas em dormitórios. Medidas em regime semiaberto exigem mais empenho dos municípios. “São raros os lugares que executam isso de forma eficiente. A maioria finge que cumpre, e o infrator finge que está no programa”, diz o juiz da Infância e da Juventude Reinaldo Cintra.




Defensores: Geraldo Alckmin, governador de São Paulo (PSDB), e Berenice Giannella, presidente da Fundação Casa de São Paulo.
O que defendem: adolescentes reincidentes em infrações graves, como homicídio e latrocínio, podem ficar internados por até oito anos. O ECA teria de permitir que um jovem ficasse internado até depois dos 21 anos. O Estado criaria novas instalações, nos moldes da Fundação Casa, com tipos de internação adaptados a cada faixa etária. Haveria cursos técnicos e a possibilidade de trabalhar.
Críticas: exige investimento e arcabouço jurídico para a criação de novas unidades (as atuais já estão superlotadas). “Nas prisões, temos mais de 700 mil presos para 300 mil vagas. Em São Paulo, temos 300 mil presos para 100 mil vagas. Onde os adolescentes serão mantidos?”, diz o advogado Ariel de Castro. A proposta não oferece detalhes sobre se as novas instituições seriam mais parecidas com os presídios ou com as casas de internação.




Defensor: Ari Friedenbach, advogado e vereador (Pros-SP). Pai de Liana, estuprada e assassinada em 2003 por um menor de idade, em São Paulo.
O que defende: a responsabilização criminal, a partir de 12 anos, para homicídio, latrocínio, estupro, assalto a mão armada e sequestro. Uma junta médica avaliaria a condição psicológica do menor para embasar a decisão do juiz. A pena seria de um terço ou dois terços da aplicada a um adulto, de acordo com antecedentes e agravantes. A pena seria cumprida nas instituições de internação. Se o jovem cometer outro crime depois dos 18 anos, sua ficha como menor infrator seria resgatada, para que ele fosse julgado como reincidente. Hoje, o jovem sai sem antecedentes criminais.
Críticas: cria um custo para a junta especializada funcionar e não diz em quanto tempo o processo deve ser encaminhado ao juiz. Prevê mais vagas de internação, o que exige investimento. Cria a possibilidade de um adolescente ser preso aos 12 anos e ficar privado da liberdade por décadas.




Defensor: Aloysio Nunes, senador (PSDB-SP).
O que defende: reduzir a maioridade para 16 anos em crimes hediondos, como tráfico, tortura, homicídio e terrorismo. Nesses casos, o adolescente poderia ser julgado de acordo com a lei penal, desde que comprovada sua capacidade de compreender a gravidade do crime. Ele não iria, no entanto, para cadeias comuns. Cumpriria pena em novos centros, criados especialmente para essa faixa etária. Caberia a um juiz decidir o destino do menor. A proposta se beneficiaria de uma alteração na Constituição Federal, que reduzisse a maioridade penal.
Críticas: além de criar novos custos, a proposta não especifica como seriam as unidades para esses jovens.




Defensora: Marisa Deppman, advogada, mãe de Victor Hugo, vítima de latrocínio cometido por um menor de idade em 2013.
O que defende: redução da maioridade para 16 anos em caso de crimes hediondos. O menor deve iniciar a pena em uma unidade de maior segurança, dentro das casas de internação. Aos 18, seria transferido para prisão comum.
Críticas: não existem nas instituições hoje espaços de maior segurança. O trabalho de ressocialização feito nas unidades para menores poderia ser perdido na transferência para as cadeias. “Se baixarmos a maioridade para crime hediondo, o adolescente envolvido com tráfico de drogas será tratado como homicida. É a solução?”, diz o ministro Pepe Vargas, dos Direitos Humanos.




Defensor: Benedito Domingos, presidente do PP no DF. É dele a PEC 171, que reacendeu o debate sobre a redução da maioridade penal no Congresso.
O que defende: a alteração da redação do Artigo 228 da Constituição. Para Domingos, o menor tem plena consciência de seus atos. Por isso, deve ser julgado como adulto. As penas, no entanto, seriam diferentes das aplicadas aos adultos. Entre 16 e 18 anos, a pena pode ser um terço da aplicada pelo Código Penal. Domingos defende separar os jovens por faixa etária.
Críticas: não há previsão de plano de ressocialização, só punição. A proposta não diz ainda onde esses adolescentes ficariam reclusos. “Investir no adolescente é uma questão-chave. Se você não o trata bem, cria chance de ele voltar à delinquência”, afirma Carlos Nicodemos, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.



Leia em ÉPOCA desta semana mais conteúdos sobre o debate em torno da maioridade penal e das propostas para lidar com menores infratores.




É hora de discutir a redução da maioridade penal com seriedade. A proposta para julgar e punir infratores de 16 anos como adultos recebeu sinal verde para ir à votação no Congresso

02/04/2015 - 23h47 - Atualizado 28/04/2015 22h21


(Ilustração: Espaço Ilusório)

Por horas a fio, na semana passada, manifestantes seguraram cartazes e cantaram rimas ensaiadas na porta do plenário onde a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara dos Deputados, votava a constitucionalidade de uma proposta que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Após quase 22 anos, a admissibilidade da proposta foi aprovada, sob os protestos de uns e gritos de júbilo de outros. No jargão legislativo, isso significa que a matéria vai poder tramitar e ser votada.

No Brasil, e em mais de 150 países, pessoas são consideradas adultas a partir de 18 anos. Infratores mais novos cumprem penas mais leves, em unidades socioeducativas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171 estabelece que jovens a partir de 16 anos passem a ser julgados e condenados à cadeia como adultos. A proposta é mais branda do que a lei dos Estados Unidos, pela qual um juiz pode mandar prender, por décadas, um menor de 18 anos autor de crimes graves, como homicídio.


O Brasil era um país rural em 1940, quando estabeleceu a maioridade penal aos 18 anos. Hoje, a realidade é outra. O jovem de 16 anos é mais informado e fisicamente mais desenvolvido. Menores são recrutados pelas quadrilhas justamente porque estão sujeitos a penas mais brandas. Muitas vezes, aceitam cometer ou assumir a responsabilidade por delitos para aliviar as penas dos cúmplices com mais de 18 anos. Por isso, cresceu, nos últimos anos, conforme mostram as pesquisas, um sentimento favorável à redução da maioridade na maior parcela da população.

A medida, porém, está longe de ser consensual e suscita debates apaixonados na sociedade e no Parlamento, como mostram os artigos do senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB de São Paulo, a favor da redução da maioridade (numa versão mais branda da que foi considerada constitucional pela CCJ), e da deputada Maria do Rosário, do PT do Rio Grande do Sul, contra a redução. Obviamente, endurecer as penas contra os menores infratores não vai reduzir, por si só, o crime. Mas, com a decisão da CCJ da Câmara, chegou a hora de o país discutir, com seriedade, esse tema.

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