DIÁRIO GAÚCHO 01/05/2015 | 07h04
Eduardo Torres
Como o Estado não pôde impedir a morte de Emanuel. Morte do menino Emanuel Gonçalves Rocha, aos 12 anos, demonstra situação crítica da infância nas ruas. Ele queria ficar na Fase como tábua de salvação.
Foto: Reprodução / Reprodução
A polícia ainda tenta entender como o menino Emanuel Vinícius Gonçalves Rocha, morto a tiros aos 12 anos na madruga de quarta, foi parar no Bairro Restinga, depois de ter sido visto na Praça da Alfândega, no Centro, horas antes. Há suspeita de que ele tenha sido levado à Zona Sul da Capital para traficar, mas nenhuma prova disso. Nos bolsos dele, os policiais encontraram somente um cartão.
Nele, estavam os contatos dos assistentes sociais do Ação Rua, vinculado à Fasc. Há muito, eles haviam se tornado o principal vínculo afetivo do menino que, desde os nove anos, perambulava pelas ruas de Porto Alegre. Na tarde de terça, ele não quis seguir com os assistentes. Horas depois, foi encontrado morto.
— Nós já temos muito menos crianças nas ruas, mas casos como o do Emanuel não deveriam mais existir. No momento em que ele morre, não é exatamente o serviço social que falhou, mas toda a sociedade errou e precisa refletir — avalia a psicóloga Lirene Sinkler, que coordena as equipes de Proteção Social Especial de Média Complexidade da Fasc.
Em três anos, Emanuel colecionou nove fugas de casa, de abrigos municipais e da escola.
— A concorrência da rua em qualquer tentativa de ressocializar esses meninos é desleal. O tráfico alicia e dá um certo status a eles muito rapidamente — reflete a psicóloga.
O menino era acompanhado por uma das 13 equipes do Ação Rua. Pelo menos quatro vezes, teve determinação judicial para ficar em um dos 68 abrigos municipais. Mas nunca ficou.
Para a coordenadora de Proteção Social de Alta Complexidade da Fasc, Lândia Cunha, o serviço de atendimento a crianças e adolescentes nas ruas deve sempre insistir na retomada da família.
— O ideal seria que os abrigos nem existissem — diz.
Essa reaproximação foi tentada pela última vez em fevereiro. Depois de um mês internado provisoriamente na Fase, a Justiça determinou que ele ficaria em semiliberdade em um abrigo de São Leopoldo, mais próximo da família.
— Nos pareceu uma medida excelente, porque o Emanuel precisava retomar esse contato. Infelizmente não funcionou — comenta Lirene.
Emanuel ficou apenas dois dias no abrigo e voltou às ruas.
Fase era a última esperança
Quando soube da morte do filho, o primeiro desabafo de Jocelaine Gonçalves Rocha, 40 anos (leia a entrevista), foi lembrar que o filho queria ficar na Fase, e não ir para um abrigo. A frase pode parecer contraditória, mas reflete uma realidade cada vez mais presente. A Fase virou tábua de salvação. Ao mesmo tempo em que o adolescente tem ali a garantia de não ser morto, como poderia acontecer na rua, muitas vezes é a última esperança de "endireitar".
— Quando o menino ingressa na Fase, no dia seguinte já tem uma visita de familiares programada. E na primeira semana, está matriculado na escola. Se a definição é por uma medida de internação, além da escola, esse menino receberá um curso profissionalizante ou uma oficina pedagógica. Ele nunca terá tempo ocioso — explica o diretor socioeducativo da Fase, André Severo.
Mas a passagem de Emanuel pela Fase teve uma peculiaridade. Durante os 30 dias que permaneceu no Centro de Internação Provisório Carlos Santos, em Porto Alegre, ele recebeu apenas uma visita da mãe. Quem mais o procurava eram os profissionais do Ação Rua. A conclusão foi de que a mãe, que criou ele e outros dois filhos sozinha, não tinha condições de se deslocar de São Leopoldo até Porto Alegre. Por isso, foi transferido.
— Mas essa aproximação com a família é complexa. Esse menino não tinha a história muito diferente do que encontramos aqui. Um pai ausente, falta de uma infância real e ausência de limites. Na Fase, parte disso ele encontrou — conclui o diretor.
A rede de proteção:
Porto Alegre conta com 13 equipes do Ação Rua, que fazem a abordagem das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
São 68 unidades de acolhimento na cidade (46 casas lares com até 20 crianças e adolescentes e 22 abrigos com até 10 crianças e adolescentes).
Os estágios da proteção:
Um menino encontrado em situação de rua é encaminhado ao Conselho Tutelar e outras entidades municipais de acolhimento.
O entendimento pode ser pela entrega dele à família ou algum abrigo. A decisão de abrigá-lo, no entanto, cabe ao Judiciário.
Se este menino é pego cometendo algum ato infracional, sua punição passa por quatro etapas: advertência, prestação de serviços à comunidade, reparação do dano, semiliberdade e internação.
Depois de cometer um roubo a pedestre no Centro, Emanuel foi internado provisoriamente na Fase. Depois de 30 dias, a definição foi de que ele cumpriria medida socioeducativa em semiliberdade em um abrigo de São Leopoldo.
O delito cometido por ele, e o seu histórico, não eram passíveis de cumprimento de medida em regime fechado.
Eduardo Torres
Como o Estado não pôde impedir a morte de Emanuel. Morte do menino Emanuel Gonçalves Rocha, aos 12 anos, demonstra situação crítica da infância nas ruas. Ele queria ficar na Fase como tábua de salvação.
Foto: Reprodução / Reprodução
A polícia ainda tenta entender como o menino Emanuel Vinícius Gonçalves Rocha, morto a tiros aos 12 anos na madruga de quarta, foi parar no Bairro Restinga, depois de ter sido visto na Praça da Alfândega, no Centro, horas antes. Há suspeita de que ele tenha sido levado à Zona Sul da Capital para traficar, mas nenhuma prova disso. Nos bolsos dele, os policiais encontraram somente um cartão.
Nele, estavam os contatos dos assistentes sociais do Ação Rua, vinculado à Fasc. Há muito, eles haviam se tornado o principal vínculo afetivo do menino que, desde os nove anos, perambulava pelas ruas de Porto Alegre. Na tarde de terça, ele não quis seguir com os assistentes. Horas depois, foi encontrado morto.
— Nós já temos muito menos crianças nas ruas, mas casos como o do Emanuel não deveriam mais existir. No momento em que ele morre, não é exatamente o serviço social que falhou, mas toda a sociedade errou e precisa refletir — avalia a psicóloga Lirene Sinkler, que coordena as equipes de Proteção Social Especial de Média Complexidade da Fasc.
Em três anos, Emanuel colecionou nove fugas de casa, de abrigos municipais e da escola.
— A concorrência da rua em qualquer tentativa de ressocializar esses meninos é desleal. O tráfico alicia e dá um certo status a eles muito rapidamente — reflete a psicóloga.
O menino era acompanhado por uma das 13 equipes do Ação Rua. Pelo menos quatro vezes, teve determinação judicial para ficar em um dos 68 abrigos municipais. Mas nunca ficou.
Para a coordenadora de Proteção Social de Alta Complexidade da Fasc, Lândia Cunha, o serviço de atendimento a crianças e adolescentes nas ruas deve sempre insistir na retomada da família.
— O ideal seria que os abrigos nem existissem — diz.
Essa reaproximação foi tentada pela última vez em fevereiro. Depois de um mês internado provisoriamente na Fase, a Justiça determinou que ele ficaria em semiliberdade em um abrigo de São Leopoldo, mais próximo da família.
— Nos pareceu uma medida excelente, porque o Emanuel precisava retomar esse contato. Infelizmente não funcionou — comenta Lirene.
Emanuel ficou apenas dois dias no abrigo e voltou às ruas.
Fase era a última esperança
Quando soube da morte do filho, o primeiro desabafo de Jocelaine Gonçalves Rocha, 40 anos (leia a entrevista), foi lembrar que o filho queria ficar na Fase, e não ir para um abrigo. A frase pode parecer contraditória, mas reflete uma realidade cada vez mais presente. A Fase virou tábua de salvação. Ao mesmo tempo em que o adolescente tem ali a garantia de não ser morto, como poderia acontecer na rua, muitas vezes é a última esperança de "endireitar".
— Quando o menino ingressa na Fase, no dia seguinte já tem uma visita de familiares programada. E na primeira semana, está matriculado na escola. Se a definição é por uma medida de internação, além da escola, esse menino receberá um curso profissionalizante ou uma oficina pedagógica. Ele nunca terá tempo ocioso — explica o diretor socioeducativo da Fase, André Severo.
Mas a passagem de Emanuel pela Fase teve uma peculiaridade. Durante os 30 dias que permaneceu no Centro de Internação Provisório Carlos Santos, em Porto Alegre, ele recebeu apenas uma visita da mãe. Quem mais o procurava eram os profissionais do Ação Rua. A conclusão foi de que a mãe, que criou ele e outros dois filhos sozinha, não tinha condições de se deslocar de São Leopoldo até Porto Alegre. Por isso, foi transferido.
— Mas essa aproximação com a família é complexa. Esse menino não tinha a história muito diferente do que encontramos aqui. Um pai ausente, falta de uma infância real e ausência de limites. Na Fase, parte disso ele encontrou — conclui o diretor.
A rede de proteção:
Porto Alegre conta com 13 equipes do Ação Rua, que fazem a abordagem das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
São 68 unidades de acolhimento na cidade (46 casas lares com até 20 crianças e adolescentes e 22 abrigos com até 10 crianças e adolescentes).
Os estágios da proteção:
Um menino encontrado em situação de rua é encaminhado ao Conselho Tutelar e outras entidades municipais de acolhimento.
O entendimento pode ser pela entrega dele à família ou algum abrigo. A decisão de abrigá-lo, no entanto, cabe ao Judiciário.
Se este menino é pego cometendo algum ato infracional, sua punição passa por quatro etapas: advertência, prestação de serviços à comunidade, reparação do dano, semiliberdade e internação.
Depois de cometer um roubo a pedestre no Centro, Emanuel foi internado provisoriamente na Fase. Depois de 30 dias, a definição foi de que ele cumpriria medida socioeducativa em semiliberdade em um abrigo de São Leopoldo.
O delito cometido por ele, e o seu histórico, não eram passíveis de cumprimento de medida em regime fechado.
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