quarta-feira, 29 de agosto de 2012

LEIS CONTRA ABUSO ESBARRAM NA VONTADE POLÍTICA

JOÃO MATTOS/JC
JORNAL DO COMÉRCIO, 29/08//2012

Jessica Gustafson

Seminário tratou do caminho realizado pelos órgãos competentes frente aos casos

As leis que protegem as crianças e os adolescentes em casos de abuso sexual têm previsão de um caminho rápido para que as vítimas sejam atendidas. A Brigada Militar recebe a ligação de uma denúncia e vai até o local indicado. A comunidade que se encontra próxima indica e condena, no momento, o abusador e solicita o atendimento da criança. O Conselho Tutelar então é chamado, comparecendo com a presença de um psicólogo, e leva a vítima para fazer exames, encaminhando-a para um abrigo especial. Em duas horas o agressor já está preso, quando pego em flagrante.

“Este é o cenário previsto nas leis, mas não a realidade. A legislação é perfeita, mas falta vontade política, que passa pelo empenho das pessoas”, relatou o tenente-coronel Paulo Franquilin Pereira, chefe da Assessoria de Direitos Humanos da Brigada Militar do Estado, durante um seminário sobre o tema promovido pelo Comitê Municipal de Enfrentamento à Violência e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (Evesca). Segundo o tenente-coronel, muitas vezes o policial que chega ao local não tem o respaldo técnico para lidar com esse tipo de situação e faz o encaminhamento errado. O Conselho Tutelar também não tem toda a estrutura necessária.

Outro problema citado por Franquilin é que existe resistência da família em colaborar com o caso. “Muitas vezes, quem sofreu a agressão não quer que o abusador seja preso, pois ele é um membro da família e existe afeto”, explicou. Quando a força policial e os conselheiros conseguem que a criança seja levada para realizar os exames clínicos, o tato dos profissionais que irão fazer o procedimento é importantíssimo. Para o tenente-coronel, não se pode deixar que aquele menor sofra, além de uma violência privada, uma violência pública. O cuidado deve vir com o objetivo de não traumatizá-lo mais.

Na Capital, existe o Centro de Referência no Atendimento Infanto-Juvenil (CRAI), que é especializado em realizar o primeiro contato com esta criança vítima de qualquer tipo de violência e conta com uma equipe multidisciplinar formada por assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, pediatras, ginecologistas, advogados e policiais civis. No local, é fornecido o acompanhamento integral, desde o registro da ocorrência policial, preparação para a perícia médica, notificação ao Conselho Tutelar e avaliação clínica até o encaminhamento para tratamento terapêutico na rede de saúde do município de origem da vítima. O CRAI funciona dentro do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas (HMIPV).

“O centro, que tem dez anos, trabalha com três vertentes. A primeira é o cuidado com a saúde da vítima, que é feita dentro do hospital. A segunda é a materialização das provas, feita através do Departamento Médico-Legal. Por fim, temos a parceria com o Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca), da Polícia Civil, que realiza a parte da denúncia e da investigação”, explica Maria Eliete de Almeida, psicóloga do CRAI. Segundo ela, ali é onde acontece a primeira escuta sobre o caso, é importante que a vítima não seja questionada anteriormente, para que a equipe especializada consiga dar um significado para a criança sobre a situação.

“Até que se prove o contrário, o suposto agressor é culpado. Aprendemos isso na prática e com os estudos. Os menores têm muita dificuldade de falar sobre o assunto”, ressaltou Maria Eliete. De acordo com ela, existe uma negociação em andamento para a criação de mais cinco centros de referência no Interior do Estado. No ano passado, o CRAI atendeu a 1.500 crianças, com média de idade entre quatro e dez anos, que sofreram abuso sexual. Neste ano, o número será maior, segundo as previsões dela.

Para lidar com a demanda, existe na Capital também um plantão, ligado ao Deca, especializado em atender ocorrências de menores. “A situação atual é assustadora, a demanda é grande e presenciamos muitos casos em que os agressores são menores de idade e irmãos das vítimas. Em uma madrugada, chegamos a receber cinco denúncias. O lado positivo é que no País existem 49 delegacias especializadas em crianças e adolescentes, sendo 11 destas no Estado”, relatou Suzana Braun, investigadora de polícia do Deca. A secretária municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana, Sonia D’Avila, fez a abertura do seminário. Ela afirmou que o abuso jamais é esquecido, tornando-se uma mácula na vida destas pessoas.

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