DIÁRIO GAÚCHO 18/04/2015 | 07h06
Em 12 anos, cresce 13 vezes o número de internações de adolescentes por tráfico. Em 2004, a Fase tinha 14 adolescentes internados por tráfico. Hoje, são 185
Foto: Lauro Alves / Agencia RBS
Chacinas em Alvorada e Cidreira, confronto de gangues em Guaíba. Estes conflitos recentes na Região Metropolitana têm uma marca comum: todos envolvem adolescentes.
Seduzidos pelo dinheiro, pelo status, pelas roupas de marca e pela “vida fácil”, eles se tornam “soldados” do tráfico. É uma realidade que se torna cada vez mais preocupante. Em 2004, por exemplo, a Fase tinha 14 adolescentes internados por tráfico. Hoje, são 185. A reportagem mostra como estes jovens são atraídos para uma vida de crimes.
Imagem: Arte DG
Aos 15 anos, guri se tornou herdeiro de uma boca de fumo
A trajetória de Germano (nome fictício) tem semelhanças com histórias de tantos outros jovens que lotam as unidades da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase). Criado na periferia de Porto Alegre, conviveu pouco com o pai presidiário, ficou órfão de mãe aos seis anos e teve contato direto com o crime aos 12. Após a morte da mãe, mudou-se com seis irmãos para a casa da avó.
— Minha tia era dona do tráfico e foi morta. O ponto foi passando de geração em geração até ficar comigo. Com 15 anos, assumi tudo, tava como patrão — contou o jovem de 18 anos ao Diário Gaúcho, em uma sala da Comunidade Socioeducativa (CSE), onde cumpre um ano e cinco meses de medida por tráfico de drogas e porte ilegal de armas.
Em seu horizonte, não estava o estudo e o trabalho. Parecia óbvio que o melhor fosse assumir a “herança” e vender drogas.
— Depois, o cara vê que é ruim. Mas não adianta voltar atrás, porque arruma um monte de inimigo. Se continuar no crime, sempre vai estar armado. Se virar trabalhador, acaba morrendo.
Sobre a vida quando deixar a Fase, não dá detalhes. Tem “contas a acertar” e uma filha para criar.
Problema é a ausência do Estado
A advogada Ana Paula Motta Costa, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que é uma soma de vários fatores que leva o adolescente a praticar atos infracionais. Entre eles, estão a situação social e a ausência de políticas públicas.
— Eles são, em regra, pobres, de escolaridade muito baixa e com pouca perspectiva de futuro. Isso é essencial para se falar em violência e juventude — explica.
Ana Paula também lembra a dificuldade de muitas famílias em lidar com o adolescente, que está rompendo com a infância e construindo sua identidade:
— Criar um filho nas periferias das cidades não é fácil para ninguém. Uma das dificuldades que a gente pode encontrar nesse processo gerador da violência é condição das pessoas para fazer isso.
“É um status”
Para o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC) Rodrigo Azevedo, entender o aliciamento de adolescentes por traficantes passa por compreender a “cultura da masculinidade violenta”, que há em torno do mercado da droga.
— Eles encontram uma forma de identificação, de status. É uma prática que envolve posse de arma, comercialização de produtos ilegais e utilização de marcas de roupas específicas. As gangues se formam em torno disso — analisa o professor, que é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
"Eu vou continuar fazendo"
Marcos (nome fictício), aos 13 anos, já conhece os atalhos do tráfico. Tem pelo menos dois irmãos mais velhos envolvidos com quadrilhas do Bairro Mario Quintana, na Zona Norte de Porto Alegre.
Começou carregando poucas quantidades de drogas para os traficantes em troca de um dinheirinho. Os pequenos favores eram a isca para garantir mais um “soldado” na venda de drogas.
Em fevereiro, veio o convite para entrar — já por cima — no negócio. O traficante precisava repor “soldados” para controlar o tráfico no Bairro Delta do Jacuí, em Eldorado do Sul. Chegando no Delta, ele “ganhou” uma das casas abandonadas na vila e dali comandaria um ponto de tráfico.
— Se eu vendesse até R$ 1 mil por dia. Ficaria R$ 300 — confessou, ao ser pego pela polícia.
Flagrado com drogas pela Brigada Militar, foi internado na Fase. O delegado Alencar Carraro, de Eldorado, tentou aconselhá-lo. A resposta foi dura:
— Não adianta o senhor falar que é ruim roubar, matar, vender droga. Eu vou continuar fazendo tudo isso.
Tentação para entrar no crime
Para explicar a facilidade dos criminosos em aliciar adolescentes, a presidente da Fase, Joelza Mesquita Andrade Pires, salienta as características próprias da idade. A médica diz que os jovens não têm medo e acreditam que quem oferece ajuda, de fato, está bem intencionado:
— De repente, vem um traficante fazer o papel de pai e oferece mundos e fundos, principalmente, atenção. Se estão desassistidos de pais e de políticas públicas para mantê-los dentro da comunidade de forma saudável, eles entram no crime.
Tênis caros, roupas de grifes e outros bens que os moradores da periferia teriam dificuldade de comprar também são usados como forma de mostrar “vida fácil” para quem comete delitos.
A presidente chama a atenção que, normalmente, o adolescente infrator tem uma família desestruturada:
— O que precisaria era ter o pai e a mãe para conduzi-lo. Se ele está dentro de uma comunidade onde não tem esporte, profissionalização e espaço para discutir a adolescência, ele vai se perder.
Pais pedem socorro
Para o titular da 2ª Delegacia para o Adolescente Infrator, do Deca, delegado Raul Viera, a entrada do traficante no vácuo deixado pela família e pelo Estado é quase natural. São comuns os casos em que pais ligam para o Deca para entregar seus filhos.
Sem tempo integral para criá-los e vivendo em comunidades que não apresentam alternativas para ocupar o tempo e o espaço das crianças e adolescentes, eles veem os criminosos ocuparem esse espaço.
Traficante ostentação
"Ou tu para de vender aqui ou vou te apagar"
Dias depois, Jonas (nome fictício), 16 anos, cumpriu o prometido ao ver o desafeto novamente traficando. Acompanhado por pelo menos um comparsa, também adolescente, encostou a arma na cabeça do traficante e deu duas coronhadas. Com ele caído, disparou cinco vezes.
Há cinco meses, Jonas começou a vender crack nas pracinhas do seu bairro, em um município da Região Metropolitana. Seu comportamento chamou a atenção dos patrões da droga e ele ganhou notoriedade. Segundo a polícia, queria status, ostentar. Logo, estava com uma arma, circulando de moto pela vila e sendo encarado como um dos líderes. Acabou apreendido.
“Só mato vagabundo”
Aos 14 anos, Júlio (nome fictício) foi apreendido em Canoas, flagrado quando tentava cumprir uma missão dada pela facção dos Bala na Cara: eliminar um rival do tráfico. Havia sido levado do Bairro Mario Quintana até o Mathias Velho como contratado para o serviço e, diante dos policiais, agiu como um profissional:
Criado na Vila Safira, desde os oito anos Júlio estava no crime. O exemplo do pai trabalhando como flanelinha e morto antes dos 30 anos, viciado em crack e álcool, foi menos atraente do que o dos traficantes que ostentavam com armas e roupas de marca na vila.
Em 12 anos, cresce 13 vezes o número de internações de adolescentes por tráfico. Em 2004, a Fase tinha 14 adolescentes internados por tráfico. Hoje, são 185
Foto: Lauro Alves / Agencia RBS
Chacinas em Alvorada e Cidreira, confronto de gangues em Guaíba. Estes conflitos recentes na Região Metropolitana têm uma marca comum: todos envolvem adolescentes.
Seduzidos pelo dinheiro, pelo status, pelas roupas de marca e pela “vida fácil”, eles se tornam “soldados” do tráfico. É uma realidade que se torna cada vez mais preocupante. Em 2004, por exemplo, a Fase tinha 14 adolescentes internados por tráfico. Hoje, são 185. A reportagem mostra como estes jovens são atraídos para uma vida de crimes.
Imagem: Arte DG
Aos 15 anos, guri se tornou herdeiro de uma boca de fumo
A trajetória de Germano (nome fictício) tem semelhanças com histórias de tantos outros jovens que lotam as unidades da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase). Criado na periferia de Porto Alegre, conviveu pouco com o pai presidiário, ficou órfão de mãe aos seis anos e teve contato direto com o crime aos 12. Após a morte da mãe, mudou-se com seis irmãos para a casa da avó.
— Minha tia era dona do tráfico e foi morta. O ponto foi passando de geração em geração até ficar comigo. Com 15 anos, assumi tudo, tava como patrão — contou o jovem de 18 anos ao Diário Gaúcho, em uma sala da Comunidade Socioeducativa (CSE), onde cumpre um ano e cinco meses de medida por tráfico de drogas e porte ilegal de armas.
Em seu horizonte, não estava o estudo e o trabalho. Parecia óbvio que o melhor fosse assumir a “herança” e vender drogas.
— Depois, o cara vê que é ruim. Mas não adianta voltar atrás, porque arruma um monte de inimigo. Se continuar no crime, sempre vai estar armado. Se virar trabalhador, acaba morrendo.
Sobre a vida quando deixar a Fase, não dá detalhes. Tem “contas a acertar” e uma filha para criar.
Problema é a ausência do Estado
A advogada Ana Paula Motta Costa, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que é uma soma de vários fatores que leva o adolescente a praticar atos infracionais. Entre eles, estão a situação social e a ausência de políticas públicas.
— Eles são, em regra, pobres, de escolaridade muito baixa e com pouca perspectiva de futuro. Isso é essencial para se falar em violência e juventude — explica.
Ana Paula também lembra a dificuldade de muitas famílias em lidar com o adolescente, que está rompendo com a infância e construindo sua identidade:
— Criar um filho nas periferias das cidades não é fácil para ninguém. Uma das dificuldades que a gente pode encontrar nesse processo gerador da violência é condição das pessoas para fazer isso.
“É um status”
Para o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC) Rodrigo Azevedo, entender o aliciamento de adolescentes por traficantes passa por compreender a “cultura da masculinidade violenta”, que há em torno do mercado da droga.
— Eles encontram uma forma de identificação, de status. É uma prática que envolve posse de arma, comercialização de produtos ilegais e utilização de marcas de roupas específicas. As gangues se formam em torno disso — analisa o professor, que é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
"Eu vou continuar fazendo"
Marcos (nome fictício), aos 13 anos, já conhece os atalhos do tráfico. Tem pelo menos dois irmãos mais velhos envolvidos com quadrilhas do Bairro Mario Quintana, na Zona Norte de Porto Alegre.
Começou carregando poucas quantidades de drogas para os traficantes em troca de um dinheirinho. Os pequenos favores eram a isca para garantir mais um “soldado” na venda de drogas.
Em fevereiro, veio o convite para entrar — já por cima — no negócio. O traficante precisava repor “soldados” para controlar o tráfico no Bairro Delta do Jacuí, em Eldorado do Sul. Chegando no Delta, ele “ganhou” uma das casas abandonadas na vila e dali comandaria um ponto de tráfico.
— Se eu vendesse até R$ 1 mil por dia. Ficaria R$ 300 — confessou, ao ser pego pela polícia.
Flagrado com drogas pela Brigada Militar, foi internado na Fase. O delegado Alencar Carraro, de Eldorado, tentou aconselhá-lo. A resposta foi dura:
— Não adianta o senhor falar que é ruim roubar, matar, vender droga. Eu vou continuar fazendo tudo isso.
Tentação para entrar no crime
Para explicar a facilidade dos criminosos em aliciar adolescentes, a presidente da Fase, Joelza Mesquita Andrade Pires, salienta as características próprias da idade. A médica diz que os jovens não têm medo e acreditam que quem oferece ajuda, de fato, está bem intencionado:
— De repente, vem um traficante fazer o papel de pai e oferece mundos e fundos, principalmente, atenção. Se estão desassistidos de pais e de políticas públicas para mantê-los dentro da comunidade de forma saudável, eles entram no crime.
Tênis caros, roupas de grifes e outros bens que os moradores da periferia teriam dificuldade de comprar também são usados como forma de mostrar “vida fácil” para quem comete delitos.
A presidente chama a atenção que, normalmente, o adolescente infrator tem uma família desestruturada:
— O que precisaria era ter o pai e a mãe para conduzi-lo. Se ele está dentro de uma comunidade onde não tem esporte, profissionalização e espaço para discutir a adolescência, ele vai se perder.
Pais pedem socorro
Para o titular da 2ª Delegacia para o Adolescente Infrator, do Deca, delegado Raul Viera, a entrada do traficante no vácuo deixado pela família e pelo Estado é quase natural. São comuns os casos em que pais ligam para o Deca para entregar seus filhos.
Sem tempo integral para criá-los e vivendo em comunidades que não apresentam alternativas para ocupar o tempo e o espaço das crianças e adolescentes, eles veem os criminosos ocuparem esse espaço.
Traficante ostentação
"Ou tu para de vender aqui ou vou te apagar"
Dias depois, Jonas (nome fictício), 16 anos, cumpriu o prometido ao ver o desafeto novamente traficando. Acompanhado por pelo menos um comparsa, também adolescente, encostou a arma na cabeça do traficante e deu duas coronhadas. Com ele caído, disparou cinco vezes.
Há cinco meses, Jonas começou a vender crack nas pracinhas do seu bairro, em um município da Região Metropolitana. Seu comportamento chamou a atenção dos patrões da droga e ele ganhou notoriedade. Segundo a polícia, queria status, ostentar. Logo, estava com uma arma, circulando de moto pela vila e sendo encarado como um dos líderes. Acabou apreendido.
“Só mato vagabundo”
Aos 14 anos, Júlio (nome fictício) foi apreendido em Canoas, flagrado quando tentava cumprir uma missão dada pela facção dos Bala na Cara: eliminar um rival do tráfico. Havia sido levado do Bairro Mario Quintana até o Mathias Velho como contratado para o serviço e, diante dos policiais, agiu como um profissional:
Criado na Vila Safira, desde os oito anos Júlio estava no crime. O exemplo do pai trabalhando como flanelinha e morto antes dos 30 anos, viciado em crack e álcool, foi menos atraente do que o dos traficantes que ostentavam com armas e roupas de marca na vila.
Nenhum comentário:
Postar um comentário