ZERO HORA 03 de fevereiro de 2015 | N° 18062
por Letícia Duarte
No reino das boas intenções, os abrigos existem para garantir a crianças maltratadas ou negligenciadas um ambiente saudável para crescer, substituindo em algum momento aqueles cuidados essenciais que a família, pelas mais diversas razões, não consegue dar.
Na prática, a precariedade dos serviços públicos de acolhimento impõe uma segunda (e por vezes terceira, ou quarta) violação a infâncias já maculadas por abusos dos mais variados tipos.
As consequências são dramáticas. Nos três anos em que acompanhei a trajetória de um menino que vivia nas esquinas de Porto Alegre para produzir a reportagem Filho da Rua, publicada em junho de 2012, constatei de perto como essa ineficiência agrava o problema. Diante da incapacidade da mãe de segurar o filho Felipe, que fugia de casa desde os cinco anos e desde os oito era dependente de crack, a guarda do menino foi concedida provisoriamente a um abrigo municipal em 2008, quando tinha 10 anos. Mas a instituição também se revelou incapaz de segurá-lo. Em quatro meses, o menino fugiu três vezes.
– Que abrigo é esse que criança foge? – indignou-se a mãe.
À reportagem, a coordenação da instituição admitiu que as fugas eram rotina. Na época, em espaço para 30 crianças, havia 64 – e apenas seis educadores sociais em cada turno.
– Quando se olha para o lado, um já pulou o muro – confidenciou um dos educadores.
Sem o devido amparo, Felipe voltou para as ruas e para o crack, repetindo uma rotina conhecida de degradação – que ameaça outros destinos.
De lá para cá, administradores de diferentes gestões gastam saliva tentando explicar as falhas do serviço, mas a verdade é que nada justifica o descaso que impera nos abrigos.
Se antes os problemas mais conhecidos eram superlotação e falta de pessoal, a constatação de que crianças hoje dormem }no chão por falta de camas e disputam espaço até com ratos é uma violência imperdoável contra aqueles que, na legislação brasileira, aparecem como “prioridade absoluta”. Mais do que inadmissível, é um escândalo.
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