Crianças desprotegidas, abandonadas, negligenciadas, sem amor, sem futuro, nos semáforos, vendidas, ao relento, violentadas e dependentes de drogas. Menores infratores depositados em lugares insalubres e inseguros, sem receber tratamento, oportunidades, educação, qualificação e reinclusão social. CADÊ OS PAIS? CADÊ A JUSTIÇA?
terça-feira, 15 de novembro de 2011
PREÇO DA RESSOCIALIZAÇÃO - INFRATOR CUSTA R$ 9,4 MIL POR MÊS
Apesar do investimento alto do Estado, 42% dos internos reincidem em atos infracionais e regressam à Fase no prazo de um ano - MARCELO GONZATTO, ZERO HORA 15/11/2011
O dinheiro investido para ressocializar adolescentes na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) soma R$ 9,4 mil por mês para cada interno – o equivalente a 17 salários mínimos nacionais. Apesar da aplicação desse recurso, quatro em cada 10 egressos reincidem em atos infracionais e retornam para a instituição em apenas um ano. Problemas como falta de pessoal e instalações inadequadas contribuem para reduzir a chance de recuperação.
Tomando-se por base o orçamento geral da instituição dividido pelo número de internos, nos últimos três anos o valor médio necessário para atender mensalmente a um adolescente infrator passou de R$ 7,4 mil para os R$ 9,4 mil atuais – 27% a mais. No mesmo período, a inflação acumulada ficou em pouco mais de 17%.
O restante pode ser explicado, conforme o diretor administrativo da Fase, Marcelo Machado, por conquistas salariais dos servidores e pela progressiva redução no número de internos. O número de adolescentes caiu de 1,2 mil, em 2008, para 950, graças, sobretudo, à procura de punições alternativas que deixam a privação de liberdade como último recurso.
– Como o orçamento se mantém e temos menos adolescentes, o custo por interno fica maior – diz Machado.
Para a administração do órgão, o orçamento não deveria ter acompanhado a tendência de queda verificada entre a população abrigada. Segundo a presidente da instituição, Joelza Andrade Pires, a verba para a Fase poderia ser ainda maior dada a carência de pelo menos 400 servidores e a necessidade de mais investimentos em reformas nas unidades, a fim de garantir a qualidade de atendimento.
Em postagens no Twitter, o consultor em Segurança Marcos Rolim criticou o valor aplicado por adolescente em comparação à precariedade do atendimento. Rolim utilizou como referência um custo de R$ 7 mil por interno, o que inclui apenas investimentos diretos nas unidades e não leva em conta todo o orçamento da Fase:
– Não critico o valor em si, mas a qualidade do serviço que se monta com esse custo.
Para efeito de comparação, o custo de um detento no Estado é de R$ 765 por mês. Mas não há gasto com educadores, psicólogos, atendimento em saúde e outros serviços de apoio.
“O atendimento custa caro mesmo”. Joelza Andrade Pires, presidente da Fase
A presidente da Fase acredita que o custo por interno é o preço que se paga, hoje, pela falta de investimento na infância dos infratores. Confira trechos da entrevista concedida por Joelza ontem:
Zero Hora – O custo por interno da Fase não é muito alto?
Joelza Andrade Pires – É o esperado para um adolescente que não teve nenhum atendimento na primeira infância. Esse valor inclui psicólogo, psiquiatra, pedagogo, técnico em recreação, assistência à saúde, alimentação, água, luz. São meninos com muitos problemas psiquiátricos, problemas sérios de drogadição. O atendimento custa caro mesmo.
ZH – Gastos com pessoal e ações trabalhistas não inflam esse custo?
Joelza – Do orçamento, 56% vão para a folha de pagamento. As ações trabalhistas ficam em torno de 3%. Visitamos recentemente o Rio, que tem um orçamento de R$ 107 milhões do início do ano até outubro e atende 900 adolescentes. É um custo por interno superior ao nosso.
ZH – A despesa não é comprometida pela taxa de reincidência?
Joelza – A taxa de quem retorna no prazo de um ano está em 42%. Mas é preciso observar uma série de fatores. Muitas vezes, ele retorna porque não é recebido como deveria. Outros voltam porque têm problemas com drogas e não fizeram o tratamento necessário.
ZH – Como está o processo de descentralização, que daria melhores condições de atendimento?
Joelza – Negociamos com Osório. Eles não querem uma unidade da Fase, mas vão ter de aceitar. Metade dos internos na Padre Cacique, em Porto Alegre, é do Litoral. Queremos abrir cinco casas. Nossas casas estão em desacordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Temos de modificá-las, são parecidas com presídios. Não têm como ressocializar adolescente.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Se a sociedade investe alto na ressocialização dos infratores e "42% dos internos reincidem em atos infracionais e regressam à Fase no prazo de um ano", é porque algo está errado. Este indicador não é de agora. É visível e desprezado pelos gestores e governantes. A política de depósito empregada aos adultos é repetida aos infratores, e por este motivo não dá resultados positivos. É preciso mudar as estratégias de internato do menor infrator. A minha sugestão é criar em todos os municípios de médio porte, unidade de internação de menor infrator para no máximo quarenta jovens, divididos conforme a idade, sem misturar crianças com adolescentes. Em cada unidade, fazer funcionar escola, esportes, artes e oficinas de acordo com o mercado local para que a criança e adolescente possam estudar e aprender um ofício. Cada centro deverá ter um staf capaz de dar a assistência e o monitoramento necessário às condições emocionais, físicas e psíquicas do interno, preparando-o para a inclusão nas relações pessoais e sobrevivência futura no mercado de trabalho. Tenho certeza que este dinheiro investido pelo Estado, digo sociedade, será bem empregado.
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