CONVITE PARA O CRIME. Crianças são aliciadas para arrombar banco na Capital. Meninos de 10 e 11 anos, além de adolescente, teriam sido convencidos por criminoso a atacar agência - LETÍCIA BARBIERI, ZERO HORA 16/11/2011
Depois de fugirem dos educadores de um abrigo no bairro Jardim Lindoia, na zona norte da Capital, dois meninos, de 10 e 11 anos, cruzaram a cidade até o Centro e receberam um convite para o mundo do crime. A promessa era de muito dinheiro. O desafio: ajudar um homem de 35 anos a arrombar um banco.
Oalvo era a agência do Banco Bradesco, na Praça Osvaldo Cruz. O criminoso expôs o plano aos meninos e a um adolescente de 15 anos: eles quebrariam a vidraça interna da agência, pegariam computadores e sairiam correndo. À 1h40min, o fato se concretizou. Se efetivamente aceitaram o convite, só o trabalho da polícia poderá dizer. Câmeras do banco poderão ajudar. Surpreendidos pela Brigada Militar, os três e o adulto foram flagrados com dois monitores e duas CPUs do banco.
Em conversa com a diretora do abrigo, ontem, os meninos silenciaram. Se dizem arrependidos pela fuga na tarde anterior. Quando questionados sobre a participação, não confirmam, apenas abaixam a cabeça. As crianças e o adolescente foram apresentados ao delegado Flávio dos Reis Pereira, no Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca).
– Há o relato de imagens das câmeras do banco em que aparece uma pessoa da cintura para baixo, mas não dá para saber se é criança, adolescente ou adulto. O fato de eles estarem ali perto não é pressuposto. Poderiam estar na hora errada, no lugar errado. É preciso verificar essas imagens – afirmou o delegado.
Intenção seria atacar outra agência bancária
Policiais militares relatam que a turma admitiu que uma agência do Banco Santander, na Rua Sete de Setembro, seria o próximo alvo. A ocorrência no Bradesco foi registrada como furto qualificado. O homem foi encaminhado ao Presídio Central. O garoto de 15 anos foi entregue à família.
– Não é comum crianças dessa faixa etária estarem cometendo esse tipo de delito. É incomum e muito grave – disse a conselheira Ana Cristina Medeiros de Lima.
As crianças haviam sumido na véspera de feriado. Elas estavam em um passeio a uma pracinha. Supervisionados por um educador, eles não se afastariam muito das imediações do abrigo, mas o mais novo aceitou o convite do amigo mais velho, e os dois fugiram em disparada.
Quatro ataques no feriado
Quatro agências bancárias da Capital calculam os prejuízos depois de virarem alvo de criminosos, no feriado. Entre a meia-noite e as 10h30min, vândalos causaram estragos pela cidade. O primeiro alvo foi a agência do Banrisul, localizada na Rua 24 de Outubro, no bairro Moinhos de Vento, próximo ao Parcão. Pouco depois da meia-noite, a porta de vidro da sala de autoatendimento foi quebrada e uma placa do banco, incendiada. O Corpo de Bombeiros teve de ser acionado por causa do princípio de incêndio.
À 1h40min, se deu a ocorrência com as crianças, na agência do Bradesco, na Praça Osvaldo Cruz, Centro. O vandalismo seguiu então com a informação de que um casal atirava pedras contra a Caixa Econômica Federal, às 7h, na Rua Coronel Genuíno, na região central. Eles quebraram vidros e fugiram. Às 10h30min, o Banrisul da Avenida João Pessoa virou alvo. Dois homens acabaram presos depois de arrombar a porta lateral dentro da agência e furtar um monitor, uma CPU e uma máquina de cartão de crédito.
“Eles são alvos fáceis”. Patrícia Dias, diretora de abrigo
Às 5h10min, tocou o telefone de Patrícia Dias, diretora do abrigo em que os meninos deveriam estar dormindo, naquela noite. Responsável por 20 crianças, sob cuidados de três educadores, ela observa que o caso assusta, mas não impressiona.
Diário Gaúcho – As crianças foram ouvidas? O que elas relatam?
Patrícia Dias – Não está claro se eles invadiram o banco. Eles dão uma versão contrária. Dizem que conheceram o homem no Centro, que disse para eles quebrarem o vidro e fazerem o assalto que eles ganhariam muito dinheiro. Mas eles se arrependeram, e eles mesmos chamaram a polícia.
Diário – Eles não confirmam participação?
Patrícia – Quando eu pergunto, eles abaixam a cabeça.
Diário – O envolvimento deles te assusta?
Patrícia – Não. Me faz sofrer porque a gente faz todo um trabalho. Uma coisa é terem vulnerabilidade, outra é serem assaltantes de banco. Para mim é difícil porque eu vejo neles o menino que pede um abraço quando me vê, outro que vem mostrar os cadernos. Mas são crianças com um vazio emocional tão grande que se pegos por aliciadores são alvos fáceis.
Diário – Como eles estão?
Patrícia – Estão morrendo de medo.
Crianças desprotegidas, abandonadas, negligenciadas, sem amor, sem futuro, nos semáforos, vendidas, ao relento, violentadas e dependentes de drogas. Menores infratores depositados em lugares insalubres e inseguros, sem receber tratamento, oportunidades, educação, qualificação e reinclusão social. CADÊ OS PAIS? CADÊ A JUSTIÇA?
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
O CUSTO DA RESSOCIALIZAÇÃO
EDITORIAL ZERO HORA 16/11/2011
Os elevados gastos do Estado com a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) chocam menos pelos valores e muito mais pela pouca eficácia: de cada 10 jovens egressos da instituição, quatro reincidem em atos infracionais. A visível baixa qualidade no atendimento reforça os motivos para que a sociedade questione as altas somas despendidas e as razões que levam unidades da Fase a se parecer com verdadeiros presídios, sem condições de propiciar o mínimo de ressocialização para os internos.
É óbvio que em boa parte os elevados investimentos dispensados pelo poder público para a recuperação de jovens se devem justamente às deficiências no atendimento à primeira infância. Quando essas falhas persistem até a adolescência, levando muitos adolescentes a se desviar da lei, o custo do atendimento torna-se inevitavelmente maior, devido a exigências de atuação multiprofissional, que envolvem psicólogos, psiquiatras, pedagogos e especialistas em recreação, além de técnicos na área da saúde, entre outros.
Em consequência, o custo mensal de atendimento dos jovens, que no caso de um detento nos presídios gaúchos é em média de R$ 765, ampliou-se nos últimos três anos de R$ 7,4 mil para R$ 9,4 mil. Uma das explicações para o aumento muito acima da inflação é a de que os gastos se mantiveram, enquanto o número de internos da instituição diminuiu. E é inadmissível que, mesmo com a elevação, a entidade se defronte com um déficit estimado em pelo menos 400 servidores.
Criada em consequência das mudanças impostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Fase não pode correr o risco de estigmatização enfrentado pela Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor (Febem), que a antecedeu. Por isso, precisa se empenhar por mais eficiência, ajudando a sociedade a se convencer de que as verbas destinadas a essa área podem ser elevadas, mas estão gerando resultados positivos em favor de toda a sociedade.
Os elevados gastos do Estado com a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) chocam menos pelos valores e muito mais pela pouca eficácia: de cada 10 jovens egressos da instituição, quatro reincidem em atos infracionais. A visível baixa qualidade no atendimento reforça os motivos para que a sociedade questione as altas somas despendidas e as razões que levam unidades da Fase a se parecer com verdadeiros presídios, sem condições de propiciar o mínimo de ressocialização para os internos.
É óbvio que em boa parte os elevados investimentos dispensados pelo poder público para a recuperação de jovens se devem justamente às deficiências no atendimento à primeira infância. Quando essas falhas persistem até a adolescência, levando muitos adolescentes a se desviar da lei, o custo do atendimento torna-se inevitavelmente maior, devido a exigências de atuação multiprofissional, que envolvem psicólogos, psiquiatras, pedagogos e especialistas em recreação, além de técnicos na área da saúde, entre outros.
Em consequência, o custo mensal de atendimento dos jovens, que no caso de um detento nos presídios gaúchos é em média de R$ 765, ampliou-se nos últimos três anos de R$ 7,4 mil para R$ 9,4 mil. Uma das explicações para o aumento muito acima da inflação é a de que os gastos se mantiveram, enquanto o número de internos da instituição diminuiu. E é inadmissível que, mesmo com a elevação, a entidade se defronte com um déficit estimado em pelo menos 400 servidores.
Criada em consequência das mudanças impostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Fase não pode correr o risco de estigmatização enfrentado pela Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor (Febem), que a antecedeu. Por isso, precisa se empenhar por mais eficiência, ajudando a sociedade a se convencer de que as verbas destinadas a essa área podem ser elevadas, mas estão gerando resultados positivos em favor de toda a sociedade.
terça-feira, 15 de novembro de 2011
PREÇO DA RESSOCIALIZAÇÃO - INFRATOR CUSTA R$ 9,4 MIL POR MÊS
Apesar do investimento alto do Estado, 42% dos internos reincidem em atos infracionais e regressam à Fase no prazo de um ano - MARCELO GONZATTO, ZERO HORA 15/11/2011
O dinheiro investido para ressocializar adolescentes na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) soma R$ 9,4 mil por mês para cada interno – o equivalente a 17 salários mínimos nacionais. Apesar da aplicação desse recurso, quatro em cada 10 egressos reincidem em atos infracionais e retornam para a instituição em apenas um ano. Problemas como falta de pessoal e instalações inadequadas contribuem para reduzir a chance de recuperação.
Tomando-se por base o orçamento geral da instituição dividido pelo número de internos, nos últimos três anos o valor médio necessário para atender mensalmente a um adolescente infrator passou de R$ 7,4 mil para os R$ 9,4 mil atuais – 27% a mais. No mesmo período, a inflação acumulada ficou em pouco mais de 17%.
O restante pode ser explicado, conforme o diretor administrativo da Fase, Marcelo Machado, por conquistas salariais dos servidores e pela progressiva redução no número de internos. O número de adolescentes caiu de 1,2 mil, em 2008, para 950, graças, sobretudo, à procura de punições alternativas que deixam a privação de liberdade como último recurso.
– Como o orçamento se mantém e temos menos adolescentes, o custo por interno fica maior – diz Machado.
Para a administração do órgão, o orçamento não deveria ter acompanhado a tendência de queda verificada entre a população abrigada. Segundo a presidente da instituição, Joelza Andrade Pires, a verba para a Fase poderia ser ainda maior dada a carência de pelo menos 400 servidores e a necessidade de mais investimentos em reformas nas unidades, a fim de garantir a qualidade de atendimento.
Em postagens no Twitter, o consultor em Segurança Marcos Rolim criticou o valor aplicado por adolescente em comparação à precariedade do atendimento. Rolim utilizou como referência um custo de R$ 7 mil por interno, o que inclui apenas investimentos diretos nas unidades e não leva em conta todo o orçamento da Fase:
– Não critico o valor em si, mas a qualidade do serviço que se monta com esse custo.
Para efeito de comparação, o custo de um detento no Estado é de R$ 765 por mês. Mas não há gasto com educadores, psicólogos, atendimento em saúde e outros serviços de apoio.
“O atendimento custa caro mesmo”. Joelza Andrade Pires, presidente da Fase
A presidente da Fase acredita que o custo por interno é o preço que se paga, hoje, pela falta de investimento na infância dos infratores. Confira trechos da entrevista concedida por Joelza ontem:
Zero Hora – O custo por interno da Fase não é muito alto?
Joelza Andrade Pires – É o esperado para um adolescente que não teve nenhum atendimento na primeira infância. Esse valor inclui psicólogo, psiquiatra, pedagogo, técnico em recreação, assistência à saúde, alimentação, água, luz. São meninos com muitos problemas psiquiátricos, problemas sérios de drogadição. O atendimento custa caro mesmo.
ZH – Gastos com pessoal e ações trabalhistas não inflam esse custo?
Joelza – Do orçamento, 56% vão para a folha de pagamento. As ações trabalhistas ficam em torno de 3%. Visitamos recentemente o Rio, que tem um orçamento de R$ 107 milhões do início do ano até outubro e atende 900 adolescentes. É um custo por interno superior ao nosso.
ZH – A despesa não é comprometida pela taxa de reincidência?
Joelza – A taxa de quem retorna no prazo de um ano está em 42%. Mas é preciso observar uma série de fatores. Muitas vezes, ele retorna porque não é recebido como deveria. Outros voltam porque têm problemas com drogas e não fizeram o tratamento necessário.
ZH – Como está o processo de descentralização, que daria melhores condições de atendimento?
Joelza – Negociamos com Osório. Eles não querem uma unidade da Fase, mas vão ter de aceitar. Metade dos internos na Padre Cacique, em Porto Alegre, é do Litoral. Queremos abrir cinco casas. Nossas casas estão em desacordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Temos de modificá-las, são parecidas com presídios. Não têm como ressocializar adolescente.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Se a sociedade investe alto na ressocialização dos infratores e "42% dos internos reincidem em atos infracionais e regressam à Fase no prazo de um ano", é porque algo está errado. Este indicador não é de agora. É visível e desprezado pelos gestores e governantes. A política de depósito empregada aos adultos é repetida aos infratores, e por este motivo não dá resultados positivos. É preciso mudar as estratégias de internato do menor infrator. A minha sugestão é criar em todos os municípios de médio porte, unidade de internação de menor infrator para no máximo quarenta jovens, divididos conforme a idade, sem misturar crianças com adolescentes. Em cada unidade, fazer funcionar escola, esportes, artes e oficinas de acordo com o mercado local para que a criança e adolescente possam estudar e aprender um ofício. Cada centro deverá ter um staf capaz de dar a assistência e o monitoramento necessário às condições emocionais, físicas e psíquicas do interno, preparando-o para a inclusão nas relações pessoais e sobrevivência futura no mercado de trabalho. Tenho certeza que este dinheiro investido pelo Estado, digo sociedade, será bem empregado.
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