Leoberto Narciso Brancher, juiz de direito - Zero Hora 22/07/2011
Desde 1990, em julho, comemoramos o “advento” do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Que veio para democratizar as políticas de atendimento e a Justiça da Infância e da Juventude. Mas o que mudou nesses 21 anos?
A concepção da criança e do adolescente como “sujeito em estágio peculiar de desenvolvimento”, e não como “objeto de medidas”, embasou importantes transformações. A centralidade do Sistema Fundabem/Febem/Juizados de Menores deu lugar ao Sistema de Garantia de Direitos, integrado pelos Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares. A estruturação em rede dos programas possibilitou a qualificação da gestão, com integração multifuncional e responsabilidades compartilhadas.
Veio o devido processo legal como prerrogativa defensiva do adolescente. Legalidade, ampla defesa, contraditório formal, recorribilidade das decisões foram conquistas definidas por Emílio Mendez como “a Revolução Francesa chegando com 200 anos de atraso”.
Mas nem tudo são flores. A promessa democrática não floresceu.
Nota negativa para o desvirtuamento dos Conselhos Tutelares em instâncias de aparelhamento partidário ou de proselitismo religioso. Eleições diretas contaminaram esses conselhos com práticas “tradicionais”, tipo voto de cabresto e transporte de eleitores etc. Mais do mesmo, sonegando-se às crianças e jovens soluções de melhor qualidade técnica.
A maior nota negativa é a resistência da cultura autoritária. O discurso da proteção integral, largamente apropriado, convive com práticas ambíguas. A retórica politicamente correta não produziu mudanças reais. Conselhos Tutelares, programas socioeducativos, ou escolas despreparadas, por exemplo, ainda são palco de relações truculentas entre profissionais, crianças, jovens e suas famílias. Relações seguidamente marcadas por atos e linguagem violenta e preconceituosa. Ou seja, marcadas por agressões – quando menos – simbólicas.
Mas a pior corrente regressiva é aquela incrustada na tradição jurídica menorista. Em boa parte, doutrina e jurisprudência sequer conseguiram se desapegar da linguagem tradicional, quanto mais das concepções e práticas inspiradas por uma tendência de veladamente manter controles punitivos e arbitrariedades disfarçadas, invocadas a pretexto de proteção e defesa do interesse do menor.
Falhas que não são da lei, mas de uma democracia que se recusa a atingir a maioridade.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Vale a pena ler, reler, analisar e refletir sobre este artigo do juiz Brancher. Disse tudo e mais. Infelizmente é mais uma manifestação que retrata as desordens, a bagunça, a inoperância e a negligência do Estado na aplicação das políticas necessárias à preservação da paz social no Brasil envolvendo crianças e adolescentes, em especial as infratoras.
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