sábado, 22 de março de 2014

O PREÇO DA FASE


ZERO HORA 22 de março de 2014 | N° 17740


ARTIGOS

por Carmem Maria Craidy*



Reportagem da Zero Hora de 12 de março afirma que a Fase (Fundação de Atendimento Socioeducativo) é cara e que não recupera ninguém. As prisões não foram criadas para recuperar mas para Vigiar e Punir, como demonstrou Foucault. A Fase nunca deixou de ser uma prisão. Vigiar e punir, alimentar e abrigar por 24 horas é caro. Outra afirmativa da reportagem é que o número de internos diminuiu, o que é ótimo, mas resulta em custo maior per capita (R$ 12.260 mensais, segundo a reportagem).

Cabe perguntar quantas famílias poderiam viver com o que custa um adolescente interno? Ouso dizer que há um custo social e é ainda maior do que o financeiro. A tendência é de que ele saia da prisão pior do que entrou e há muitos estudos e evidências desse fato. A alternativa, já prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), é que o mais possível o adolescente permaneça na família e na comunidade. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I – Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração ou cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta (Art. 122).

Os estudos demonstram que a maioria dos casos de infração por adolescentes não tem maior gravidade. São motivados pela busca de visibilidade social, de afirmação pessoal e de acesso ao consumo.

O ECA propõe como principais medidas as de meio aberto (liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade, entre outras) e as medidas de proteção que garantam aos adolescentes os direito que lhes foram negados (educação, saúde, entre outros). As medidas de meio aberto, felizmente, vêm sendo implementadas nos últimos anos mas ainda de forma precária. Ouvi de um psicólogo que trabalha num Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) que ele tinha a responsabilidade por 160 adolescentes e suas famílias e conseguia fazer pouco mais do que preencher os papéis para o juiz. É urgente aumentar de forma significativa a estrutura e o pessoal do atendimento em meio aberto e os equipamentos sociais (educacionais e de saúde), o que será muito mais barato e terá resultados mais efetivos do que os da prisão. Se isto não for feito pelo respeito à lei e ao direito de cidadania poderá ser feito por economia. Infelizmente, este é muitas vezes o critério que ignora o fato de que pessoas se constroem em relação com pessoas e que toda a ação social e educativa requer pessoal qualificado.*PROFESSORA APOSENTADA DA FACED/UFRGS, COORDENADORA DO PIPA/PROREXT/UFRGS
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quarta-feira, 12 de março de 2014

A MAIORIDADE PENAL QUE NÃO EDUCA NEM PROTEGE



JORNAL DO COMÉRCIO 12/03/2014



De novo, a discussão sobre a diminuição da maioridade penal surge no rastro de crimes terríveis praticados por menores de idade. Que opção faria um adolescente vivendo nas chamadas favelas, na periferia das grandes cidades brasileiras, caso pudesse escolher entre trabalhar dois turnos em uma empresa e receber R$ 900,00 mensais brutos, ou ser entregador de drogas das quadrilhas, que só aumentam no País, pelo consumo em alta e receber R$ 500,00 por semana dos traficantes? Infelizmente, precisa-se de poucos segundos para chegar à triste e óbvia resposta, a segunda opção, na maioria dos casos. As drogas estão associadas a quase todos os crimes de morte praticados hoje em dia. Então, basta de discussões estéreis, quando nós mesmos não coibimos o sexo quase explícito nas tevês, a publicidade quase sempre baseada na exposição do corpo de mulheres e aliada ao consumo de bebidas alcoólicas e aos filmes e desenhos violentos, uma cultura que é inculcada na mente de nossas crianças.

Não temos muito tempo para mudar este quadro, uma vez que os resultados levarão alguns anos para aparecerem, da mesma forma que se passaram duas décadas, praticamente, para colhermos os frutos da leviandade, da licenciosidade, da impunidade, da desagregação familiar e da falta de orientação escolar e religiosa. A mediocridade tomou conta de muitos setores da vida pública e privada do Brasil, onde o que importa é exibir automóveis e roupas de marca por parte dos que têm egos para lá de inchados. Temos debates intermináveis para discutir assuntos em que o senso comum apontou as soluções há muito, pois certas pessoas não discutem o conteúdo dos problemas, porém, apenas os seus rótulos.

Para boa parte da população, a imputação de duras penas para jovens com menos de 18 anos se tornou um mantra. Na legislação vigente, são aplicadas punições que não ultrapassam três anos de reclusão e medidas socioeducativas. O espírito da lei, a ideia do então legislador, foi a de não trancafiar nas infectas prisões nacionais pessoas que tinham cometido delitos sem maior poder ofensivo. No entanto, as leis que hoje vigoram serviram para proteger bandos de maiores bem estruturados.

Entretanto, não se conseguirá remediar os males da sociedade enquanto não se falar nem reconhecer sobre as suas causas. E é isso, justamente, que o Brasil quer discutir. Qualquer pessoa não é correta suficientemente se não tiver nobreza, caráter e probidade. Acrescentaríamos educação e trabalho.

Ora, está ficando linear que a grande inclusão social feita no País nos últimos anos não estancou, como se esperava, a escalada de crimes. Cada vez mais cruéis e, segundo experimentados policiais, em busca de automóveis e armas que são a popular moeda de troca para as drogas que rendem muito dinheiro e entram pelas nossas fronteiras. O fato é que a autêntica guerra civil que enfrentamos nas ruas das grandes e pequenas cidades parece uma expurgação social, ou expiação de graves erros, ingratidões, injustiças e crimes que nós, a sociedade, cometemos no passado não muito distante.

FASE: MAIS GASTOS, MENOS RECUPERAÇÃO


ZERO HORA 12 de março de 2014 | N° 17730

LETÍCIA DUARTE

CONTAS PÚBLICAS. FASE: + GASTOS - RECUPERAÇÃO


Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) traz novos números para mensurar um drama histórico que atravessa governos: a estrutura pesada e pouco eficiente da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase). Os resultados indicam que, apesar de uma progressiva queda no número de internos e do aumento dos investimentos, os índices de reincidência seguem em elevação e são classificados como “alarmantes”. Entre 2008 e 2012, a despesa cresceu 13,8%, enquanto o número de adolescentes internados encolheu 18,3%.

Ao dividirem a soma dos gastos pelo total de adolescentes, os auditores concluíram que o custo per capita no período subiu quase 40% e que cada interno da Fase custou em 2012 aos cofres públicos R$ 12.260 mensais. Apesar de crescente, o valor que deveria servir para recuperar quem comete atos infracionais não se refletiu em melhorias no sistema. O percentual daqueles que reingressam na instituição, que era de 36,04% em 2009, subiu para 39,30% em 2012. Segundo pesquisa feita pelos auditores, 45,26% dos internados em 2012 eram reincidentes.

“Nota-se que há elevação das despesas no período ao mesmo tempo em que há redução na quantidade de internos. Isso contraria a expectativa inicial, decorrente da lógica econômica, de que redução na quantidade de internos levaria à redução de despesas”, afirma o relatório.

O estudo foi realizado por quatro auditores entre setembro de 2012 e o final de 2013, com foco nas prestações de contas de 2009 a 2012 – e nos próximos meses deverá ser concluída a análise dos esclarecimentos prestados pelos gestores, que resultará em um novo relatório, que depois será julgado pelo Tribunal.

O cenário encontrado preocupa os auditores, que verificaram também outros problemas, como excesso de horas extras de funcionários e descontrole gerencial.

“Irregularidades de ordem administrativa foram suscitadas, demonstrando que a Fase necessita da adoção de medidas saneadoras em diversas áreas que, no conjunto, interferem para o atingimento da eficiência e da eficácia almejadas”, afirma um dos trechos do relatório de 180 páginas.

Segundo o presidente do TCE, Cezar Miola, o trabalho surgiu como resultado da primeira audiência pública realizada pelo tribunal, em março de 2012. E os resultados devem servir para embasar a reflexão sobre o modelo do atendimento.

– O relatório evidencia problemas antigos que, apesar dos esforços de diferentes gestores e governos, parecem se manter no essencial. Uma circunstância que talvez diga respeito a um modelo que precisaria ser repensado mais amplamente – analisa.

Em seus esclarecimentos, feitos de forma conjunta, gestores da Fase dos governos Yeda Crusius e Tarso Genro argumentaram que o maior custo da Fase é fixo, como gastos trabalhistas e a necessidade de se manter plantões 24 horas, por isso não se altera com o número de internos. Assim, consideram equivocada a inferência de que a redução da lotação deveria baixar os custos.

“O dado referente ao custo per capita é facilmente utilizado para interpretações simplistas e espetaculosas que pouco contribuem para qualificar as políticas e o atendimento nessa área”, escrevem.

O secretário da Justiça e dos Direitos Humanos, Fabiano Pereira, também contesta os dados:

– No estudo fazem comparações com escolas particulares, com presídios, para mostrar que o custo é elevado. Consideram até precatórios da antiga Febem. As comparações são absolutamente incomparáveis. A Fase é a UTI do sistema. E tudo o que é UTI custa mais caro.

Custo por infrator poderia cair 75%, aponta relatório

Ao analisar o custo per capita na Fase, de R$ 12,2 mil mensais por adolescente, a auditoria sugere que o valor poderia ser reduzido por quatro. Para tentar estabelecer um parâmetro de comparação, auditores criaram um modelo hipotético, considerando os gastos médios com educação e saúde privadas no Estado, além de considerar os custos para manter pessoas em restrição de liberdade, tendo como base um presídio privado em Minas Gerais.

O cálculo controverso indica que o custo per capita poderia ser de R$ 3.594 mensais (R$ 529 em educação, R$ 2,7 mil em restrição de liberdade e R$ 365 em saúde). Apesar de concordar que o custo da Fase é elevado, o professor da escola da magistratura e consultor do Unicef, João Batista Costa Saraiva, critica o modelo comparativo criado pelos auditores do TCE.

– É um absurdo essa comparação, quase uma irresponsabilidade, porque não é possível traçar esse paralelo entre instituições públicas para outros adolescentes e um presídio – argumenta.

Na sua avaliação, a comparação deveria ser feita com outras instituições públicas, mas a pretensão esbarra na falta de um parâmetro nacional unificado. Como cada Estado tem modelos diferentes de atendimento, as comparações seriam temerárias. Para resolver o problema, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) está criando um padrão de cálculo inédito, que será aplicado nacionalmente. A meta é ter os dados até abril. O custo per capita no país é estimado entre R$ 6 mil e R$ 7 mil.

– Tem de avaliar não só o custo, mas a qualidade do atendimento – avalia o coordenador do Sinase, Cláudio Vieira.

Programa faz cair reincidência entre os adolescentes

Apesar dos problemas estruturais da Fase, há resultados que merecem ser comemorados. Uma das iniciativas bem-sucedidas é o Programa de Oportunidades e Direitos (POD) Socioeducativo, de acompanhamento aos egressos.

Ao oferecer assistência e cursos profissionalizantes a jovens que saem da instituição, o programa tem conseguido diminuir os índices de reincidência entre os contemplados – um dos fatores que ajudam a explicar a redução da lotação das casas.

Enquanto o índice de recaídas chegou a 45% entre os internos da Fase, segundo pesquisa do TCE em 2012, entre os egressos inscritos no POD o percentual foi de 9,5%. Em 2013, baixou ainda mais, para 5,7%.

Criado no final de 2007, durante o governo passado, o programa foi mantido pela atual gestão. E está em ampliação. Neste ano serão ofertadas 400 vagas, quase o dobro do oferecido no ano passado.

– Um guri ressocializado é menos um assalto, um homicídio – comemora o secretário da Justiça, Fabiano Pereira, lembrando que a adesão é voluntária.

Descontrole de licenças e faltas de funcionários

A situação dos funcionários foi um dos focos de descontrole. Por um lado, foi apontada a proliferação de casos de trabalhadores com mais de cem horas extras por mês, o que representa quase 50% do total da jornada de trabalho normal estabelecida pela CLT em um mês, que é de 220 horas. Por outro, a auditoria constatou excesso de licenças, associada a problemas de saúde e acidentes de trabalho. Entre 2009 e junho de 2012, os funcionários da Fase estiveram 193.217 dias afastados. Em 2011, isso significou que 304 funcionários ficaram, em média, 162 dias longe da função, o que representa 44% de ausências no ano.

“A situação é ainda mais alarmante ao se analisar que tal percentual mostra-se crescente”, observa o relatório, ao comparar o crescimento do índice de ausências, que era de 40% em 2009 e, até setembro de 2012, já somava 35% do ano.

Em entrevista com 56 agentes socioeducativos, que representam 5% do total de agentes, os auditores ouviram que 79% deles já precisaram de licença-saúde.

– Colocamos mais de 310 servidores, há 10 anos não havia concurso, e investimos mais de R$ 10 milhões em reforma. Aumentaram as horas extras porque estamos oferecendo mais cursos, maior investimento em educação, e os funcionários precisam acompanhar – responde o secretário Fabiano Pereira.


CUSTOS SOBEM, DEMANDA DIMINUI

De 2008 a 2012

- O número de internos caiu 18,14% (de 1.154 para 943)
- A despesa subiu 13,9% (de R$ 121,8 milhões para R$ 138,7 milhões)
- O custo por interno subiu 39,1% (de R$ 8,81 mil para R$ 12,26 mil)
Fonte: Fonte: inspeção extraordinária do TCE


Alto índice de retorno ao crime é um dos dados alarmantes no relatório sobre a recuperação de infratores


Apesar da menor lotação nas unidades da fundação, o custo com a manutenção dos adolescentes segue crescendo