sexta-feira, 2 de outubro de 2015

HORA DE ELEGER OS GUARDIÕES DA INFÂNCIA



ZERO HORA 02 de outubro de 2015 | N° 18312


ALINE CUSTÓDIO E FERNANDA DA COSTA


MISSÃO AMPLA. POPULAÇÃO GAÚCHA ESCOLHERÁ 2,6 mil novos conselheiros tutelares no domingo, em todos os municípios do Estado


Coração da defesa da infância no país, os conselhos tutelares terão as primeiras eleições unificadas neste domingo. O voto facultativo dos eleitores escolherá cerca de 30 mil novos conselheiros no Brasil, 2,6 mil deles no Rio Grande do Sul. Esses profissionais terão uma missão ampla: zelar pelos direitos de crianças e adolescentes, que representam quase um terço da população gaúcha.

Eles precisam atuar tanto em situações de direitos ameaçados ou violados quanto na fiscalização de entidades que trabalham com a infância. Em 2014, os conselheiros tutelares gaúchos realizaram mais de 240 mil atendimentos relacionados à violência, ao uso de drogas e à negligência das famílias ou do poder público, conforme dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Próximo às comunidades, o conselho tutelar tem de funcionar como uma ponte que liga a população aos órgãos públicos. Conforme a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), esses órgãos são o destino de 70% das denúncias recebidas pelo Disque 100.

– Ser conselheiro tutelar é uma função de cobrança pelo bom atendimento às crianças e aos adolescentes, seja das famílias ou das instituições públicas e privadas – resumiu o presidente da Associação dos Conselheiros e Ex-Conselheiros Tutelares do Rio Grande do Sul (Aconturs), Rodrigo Farias dos Reis.

Dar mais visibilidade aos conselheiros foi um dos motivos da aprovação da lei que incluiu no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) uma data unificada em todo o território nacional para a eleição deles, em 2012. O processo deve ocorrer a cada quatro anos, no primeiro domingo de outubro do ano posterior ao da eleição presidencial. Antes da lei, cada município realizava sua eleição em datas diferentes, que às vezes esbarravam nos pleitos políticos. Com isso, a escolha dos defensores da infância ficava em segundo plano, sem a visibilidade merecida. A ex-ministra dos Direitos Humanos, Ideli Salvatti, afirmou no início do ano que “muitas vezes os conselheiros eram escolhidos de forma indireta” por causa das eleições em data livre.

A unificação foi comemorada pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedica). A presidente do órgão, Marta Nileni Alves Gomes, avalia que a medida pode ampliar a divulgação das eleições e a participação popular na hora do voto, o que fortalecerá os conselhos. Embora tenha mais de 1 milhão de eleitores, Porto Alegre contou com os votos de apenas 29 mil pessoas na última escolha dos conselheiros, em 2011.

MANDATO PASSOU DE TRÊS PARA QUATRO ANOS

Outra mudança é que, a partir das eleições unificadas, os conselheiros passarão a ter mandato de quatro anos, com chance de uma reeleição. Antes, eram apenas três anos de trabalho, o que dificultava a realização de cursos estaduais ou nacionais.

– Isso vai permitir uma formação continuada dos conselheiros em todo o país. Antes tinham cursos em que alguns estavam entrando e outros saindo, por causa dos calendários municipais. Para quem estava em final de mandato, acabava sendo dinheiro público jogado fora – explica o promotor Júlio Almeida, diretor da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Porto Alegre.

Embora tenham data estabelecida por legislação federal, as eleições aos conselhos tutelares têm regras determinadas por leis municipais. Com isso, cada cidade estipula suas normas para o processo, como por exemplo a forma de votação (que pode ser por urna eletrônica ou cédula de papel) ou o número de candidatos (há cidades em que os eleitores podem votar em cinco pessoas e outras em apenas uma). As eleições são responsabilidade de cada Conselho Municipal dos Direitos da Criança e devem ser fiscalizadas pelo Ministério Público. Todos os eleitos tomarão posse em 10 de janeiro.

Conforme o ECA, que completou 25 anos em julho, cada município deve ter pelo menos um conselho tutelar, composto por cinco conselheiros eleitos por voto popular. Para grandes cidades, a orientação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) é de pelo menos um conselho para cada 100 mil habitantes. No Brasil, existem 5.956 conselhos tutelares em 99,89% dos municípios, que elegerão pelo menos 29.780 conselheiros. Já o Rio Grande do Sul conta com 518 conselhos, e três novos serão criados após as eleições, o que representa 2.605 vagas para novos eleitos. Mesmo assim, o número ainda é insuficiente em relação à população. Conforme o TCE, faltam pelo menos 20 instituições no Estado.



Metade dos conselheiros de Porto Alegre tenta a reeleição

Dos 50 conselheiros tutelares que atuam na Capital, 25 são candidatos à reeleição. A outra metade deixará a função em 9 de janeiro, entre eles o atual presidente dos conselheiros, Elton Fraga, da microrregião 6 (Centro Sul e Sul). Depois de duas gestões seguidas, ele se despedirá da casa amarela localizada no bairro Ipanema, onde ajudou a atender 16 mil expedientes – casos abertos pelos conselheiros da região – desde 2008.

O ex-líder comunitário e morador do bairro Belém Novo fez do prédio a sua segunda casa. Diferentemente de outros conselhos, o da microrregião 6 ganhou decoração especial com adesivos coloridos pelas paredes, identificação dos conselheiros nas portas das salas de atendimento e distribuição de brinquedos – arrecadados em doações – às crianças atendidas. Ideia de Elton para tornar o ambiente aconchegante.

– Sou dedicado 24h à causa das crianças e dos adolescentes. Um conselheiro precisa ser assim. Tudo tem urgência – afirma.

Elton diz que não há como separar da vida pessoal os problemas que chegam ao conselho. Confessa que muitas vezes, em casa, se pega pensando em casos. Pelas mãos dele, calcula, passaram mais de 4 mil famílias ao longo dos dois mandatos.

– A recompensa maior é, depois de muitos anos, um jovem adulto chegar e dizer que foi salvo graças ao seu trabalho – diz, tentando conter a emoção.

Na Zona Leste, quem se despedirá após seis gestões é a professora de matemática Sônia Madeiros Nascimento, 50 anos. Depois de atuar nas microrregiões do Bom Jesus e do Centro, Sônia, moradora da Zona Norte, abraçou a Lomba do Pinheiro.

– Fui pelo desafio de atuar numa região que estava recebendo o conselho pela primeira vez. Para ser conselheiro é preciso, principalmente, gostar de gente. É ver e vivenciar um outro mundo, completamente diferente do teu – garante.

Sônia pretende voltar a dar aulas, mas não se distanciará das questões relativas ao conselho. Ela seguirá acompanhando os expedientes que abriu até a finalização deles.

– Faço questão, mesmo não recebendo para isso. São histórias que ajudei. Dependendo do caso, é necessária a minha participação como testemunha na Justiça. Não posso abandonar a função. Afinal, lidamos com vidas – justifica.

NO ESTADO, 10% NÃO APRESENTA A ESCOLARIDADE MÍNIMA

O ECA estabelece que os candidatos a conselheiro tutelar tenham idoneidade moral, mais de 21 anos e residam no município. A orientação do Conanda é de que também apresentem Ensino Médio completo, mas as exigências além do estatuto dependem das leis municipais. No RS, a maioria dos municípios cumpre a orientação, mas 10% dos conselheiros em atividade não têm escolaridade mínima, conforme dados do TCE.

Na Capital, os candidatos precisam ter Ensino Médio, comprovar no mínimo dois anos de trabalho na área da infância e obter pelo menos nota 6 em prova sobre o ECA.

– A prova os obriga a sentar e a estudar a legislação – diz Arnaldo Batista dos Santos, presidente da Comissão Eleitoral do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.



Os escolhidos vão enfrentar precariedade e falta de equipe



Os 2,6 mil conselheiros tutelares que tomarão posse no próximo ano terão de enfrentar estruturas impróprias, equipamentos ruins e falta de equipe de apoio no Rio Grande do Sul. Além disso, nas grandes cidades, os eleitos também podem ser sobrecarregados de trabalho, já que o número de conselhos não corresponde à população – faltam pelo menos 20, segundo o TCE.

Quanto à estrutura, uma pesquisa do tribunal mostrou que 42% das entidades não tinham sala reservada para o atendimento, o que pode revitimizar crianças e adolescentes em busca de ajuda. Outro problema é a falta de veículos: 23% dos conselhos não têm carro e 53% têm de compartilhar veículos com outros setores. Em relação aos equipamentos, 46% dos de informática foram classificados como ruins ou regulares. Do mobiliário, 44% são satisfatórios.

Embora um sistema informatizado tenha sido desenvolvido para que as escolas encaminhem a Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente (Ficai) ao Conselho Tutelar, obrigação legal, 49% das entidades gaúchas não têm o programa.

– O Brasil tem a terceira maior evasão escolar entre cem países, e esse sistema poderia mapear os motivos – lamenta a auditora pública externa do TCE Elisa Rohenkohl, que participou da pesquisa.

Para que os conselhos driblem as precariedades em ano de crise financeira, a presidente do Cedica, Marta Nileni Alves Gomes, afirma que é preciso eleger prioridades.

– A gente sabe que a demanda é muito grande, então é preciso focar nas urgências. Se precisa de carro, trabalhe para conseguir um. Depois, a segunda prioridade, em um plano de ação. Sabemos que nesta crise os governos não darão conta de tudo de uma vez, mas não podem dar conta de nada.


Seis conselhos para quem vai assumir


O que Elton e Sônia apontam como importante para a função

-Gostar de trabalhar com pessoas

-Conhecer o ECA

-Saber ouvir e compreender os relatos

-Ter comprometimento com a causa

-Saber trabalhar em equipe

-Ter consciência de que os casos não podem esperar


Rio Grande do Sul falha em registrar dados sobre violações


Criado para armazenar informações sobre as violações aos direitos das crianças e dos adolescentes, o Sistema de Informações para Infância e Adolescência (Sipia) – Módulo para Conselhos Tutelares tem dados subnotificados no país. O Rio Grande do Sul, por exemplo, só cadastrou 29 violações em todo 2014, contra 49.333 do Paraná. Ao TCE, no entanto, os conselhos tutelares gaúchos informaram ter atendido 240 mil casos.

– Isso mostra a falta de alimentação. Precisamos de dados para pensar políticas públicas – afirma o promotor Júlio Almeida.

Ao TCE, 1,6% dos conselhos gaúchos afirmaram nem ter aderido ao Sipia. Além disso, a presidente do Cedica, Marta Nileni Alves Gomes, lista outros motivos para falta de alimentação:

– Cada conselho tem sua questão. Às vezes é estrutura, equipe ou falta de conhecimento. No sistema socioeducativo, o preenchimento é obrigatório por lei. Para fortalecimento do programa, o usuário tem de ser provocado.

Por isso, o governo federal afirma que lançará em 10 de janeiro, data da posse dos novos conselheiros, um Sipia mais simples e veloz.

– Será aberto em qualquer celular, e estamos estudando o envio de ofícios ao MP e ao Judiciário por meio do sistema, com a assinatura digital dos conselheiros. Isso diminuirá a burocracia, será sustentável e dará agilidade ao atendimento das crianças – explica Marcelo Nascimento, coordenador-geral da Política de Fortalecimento de Conselhos da SDH.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É preciso reconhecer que os conselheiros tutelares de POA estão fazendo um bom trabalho na medida que não se vê mais crianças nas sinaleiras e nas ruas como antes. É um ponto positivo. Mas, na minha opinião, esta área deveria ser profissionalizada, com pessoas instruídas e especializadas na área de crianças e adolescentes, num departamento vinculado ao sistema de justiça de menores com conselheiros eleitos pelo povo para atuar nas ruas e servidores públicos para controlar, monitorar, executar as políticas, fiscalizar, propor legislação e planejar as estratégias, objetivos e metas.